Pedagogia do Desporto e a Formação Humana Integral

Classificado em Desporto e Educação Física

Escrito em em português com um tamanho de 50,07 KB

A Evolução do Desporto: Do Sistema Fechado ao Aberto

Definição de Desporto em Sentido Lato e Diferenciação Cultural

Exercício inteligente e contínuo que, através da resistência e da harmonia do corpo, visa a perfeição, isto é, transcender e fazer o melhor do desporto. O desporto é uma interligação entre os conceitos: corpo, movimento, jogo e rendimento. É produto da ação humana na medida em que é intencional, tem um sentido/significado e envolve um sistema de comportamento corporal, pleno de corpo e movimento, marcado por normas, regras e convenções socioculturais. Para além disso, o desporto visa melhorar a aptidão física e o bem-estar mental, bem como construir relações sociais e obter resultados em competições a qualquer nível (European Sports Charter, 1992).

Este conceito alargou-se, desenvolvendo-se de um sistema fechado para um sistema aberto.

Desporto como Sistema Fechado

O desporto como sistema fechado (modelo tradicional do desporto) relacionava-se com objetivos de performance, sendo que estes eram trabalhados através de treino disciplinado e planeado a longo prazo. Era definido por um conjunto exato de regras, o desportista tinha um papel uniforme e realizava-se num clube desportivo. Este tipo de desporto era visto como um aspeto autónomo, independente da vida social.

Desporto como Sistema Aberto

O desporto como sistema fechado sofre um processo de diferenciação (expansão), pelo que começa a haver preocupações formativas da personalidade integral. Surge, assim, o desporto como sistema aberto que se desenvolve, não só ao nível da prática, como também ao nível da comercialização e da tecnologia. O desporto perde a unidade interna (diminuição da importância do clube desportivo no seu sentido tradicional), sendo que vão surgir novas ofertas comerciais para a prática do desporto. A identidade fechada que este possuía desaparece, visto que se vai ligar à saúde, ao lazer, etc. As mudanças socioculturais na sociedade, a modernização contínua da vida quotidiana e os novos estilos de vida vão, inevitavelmente, influenciar a forma como o desporto evolui.

Há, portanto, uma diferenciação da cultura desportiva atual, pelo que surge o sistema do desporto profissional, o desporto como elemento de cultura e tempo livre, o desporto e movimento como meio de instituições sociais e o desporto na escola. Começa a ser encarado no seu sentido lato, não só por ser uma interpretação subjetiva dos praticantes (mais do que a soma das modalidades institucionalizadas), como também pelo facto de poder ser praticado por pessoas de todas as idades (sujeito plural do desporto), com diferentes emoções, necessidades, interesses e motivos. O desporto é um conceito que agrega e unifica dimensões motoras, técnicas, espirituais, mentais e sociais, contudo, não perde o seu sentido abrangente por ter um caráter plural e múltiplo.

Definição de Desporto em Sentido Lato

Ao longo dos anos, o desporto tem vindo a desenvolver-se e a sofrer diversas alterações, na medida em que as mudanças socioculturais na sociedade, a modernização da vida quotidiana e os novos estilos de vida contribuíram para a sua transformação (Evolução do Desporto para um sistema aberto). A sua expansão veio repercutir na dificuldade em definir o conceito de desporto de forma precisa e unânime. Como disse Bento: «A paisagem desportiva vem adquirindo uma grande variedade, pluralidade, diversidade, diferenciação e policromia de facetas, contornos e sentidos, interesses, motivos e expectativas.». Tal se deve ao facto de o desporto existir no plural, isto significa que este é praticado por diversas pessoas, com diferentes modos de vida, estádios de desenvolvimento, interesses e necessidades (crianças, jovens, adultos, idosos, deficientes, etc.).

O desporto pode ser definido como um fenómeno sociocultural, que envolve a prática voluntária de atividade física competitiva (rendimento) com finalidade profissional, ou física não competitiva com finalidade de lazer (desporto como elemento de cultura e tempo livre). Este último é, em grande parte, praticado por indivíduos que se preocupam com o corpo e com os seus aspetos parciais, isto é, com a forma e a sua capacidade de rendimento.

Desporto e Movimento como Meio de Instituições Sociais

A existência de portadores de diferentes tipos de deficiência conduziu à existência do Desporto e movimento como meio de instituições sociais, que permite não só o desenvolvimento de capacidades motoras, como também a saúde corporal e psicossocial.

Desporto na Escola

O desporto na escola é, talvez, o mais importante na vida de um indivíduo, uma vez que contribui para a formação, desenvolvimento físico, intelectual e psíquico, além de ser uma forma de criar uma identidade desportiva para uma inclusão social.

O Que É a Pedagogia do Desporto?

A Pedagogia do Desporto é uma subdisciplina das Ciências do Desporto. Pretende esclarecer até que ponto as atividades lúdico-desportivas, organizadas ou não organizadas, podem ser significativas para a educação, formação, desenvolvimento e aprendizagem nas diferentes faixas etárias.

A Pedagogia do Desporto tem como funções a educação e formação do Homem, conceber e fundar a escola como oficina da humanização, promover a qualidade nas comunidades educativas, pugnar pela promoção da qualidade da educação no desporto, bem como o desenvolvimento integral do ser humano. Visa elaborar orientações que enfatizem o humano ético, moral e correto do ponto de vista da pedagogia e do ponto de vista do desporto. Pretende, assim, converter as virtualidades do fenómeno cultural desportivo em ofertas com uma intencionalidade, sobretudo, educativa.

Qual o Objeto da Pedagogia do Desporto?

A Pedagogia do Desporto tem um objeto próprio que, de acordo com Meinberg, podemos definir como a ação motora lúdica e desportiva e o seu significado para a educação, formação, socialização e aprendizagem, nas formas institucionalizadas e não institucionalizadas. Também este autor defende que a Pedagogia do Desporto é uma ciência que pretende esclarecer até que ponto as atividades lúdico-desportivas, nas suas formas organizadas e não organizadas, podem ser significativas para a educação e desenvolvimento, mas também para a aprendizagem e formação do Homem que pratica desporto. (Dimensão Pedagógica da Prática Desportiva)

A Pedagogia do Desporto persegue esta tarefa central também no aspeto temporal, na medida em que incorpora no seu objeto o Homem em todas as idades e não só na fase da infância.

Da Teoria da Educação Física (TEF) às Ciências do Desporto

A Pedagogia do Desporto desenvolve-se a partir da Teoria da Educação Física.

A TEF era uma teoria débil, fraca quanto à metodologia (não utiliza um leque alargado de métodos de investigação), à teoria da formação e antropologia, ao entendimento do desporto, do jogo e da teoria. Tinha um ponto de vista restrito, pelo que se justificava somente à educação física como matéria educativa, isto é, justificação da EF como matéria escolar. A TEF desenvolve-se, relativamente, sozinha, isto significa que se desenvolve na estrutura puramente educativa. Dada a sua orientação para a educação física escolar, a TEF não tinha capacidade de resposta para os novos problemas que se colocavam. Esta velha teoria tinha apenas uma dimensão pedagógica, não se preocupando com as mudanças operadas na sociedade, bem como a sua influência no desporto.

Ao longo do tempo, o valor social do desporto aumentou, foi-lhe conferida uma relevância social. O desporto diferenciou-se numa sociedade altamente complexa como subsistema próprio, com um reconhecimento e importância sociais invejáveis. O conceito de desporto tornou-se plural de significados e sentidos e evidenciaram-se os seus possíveis efeitos positivos tanto em termos individuais como sociais. A complexidade da Educação obriga a que esta se apreenda em várias direções e a vários níveis. Como tal, o aparecimento da Pedagogia do Desporto como ciência da ação encarou uma mudança onde tomou como incumbência decisiva a reflexão dos novos problemas que se vão criando com a dinâmica social.

Para Meinberg, a TEF não tinha capacidade de resposta para assimilar em termos teóricos tais mudanças porque interpretava o desporto num único sentido, esgotando-se na sua interpretação pedagógica, sendo a sua dimensão social na sua multiplicidade de fenómenos não tida em conta. Há, portanto, a passagem da Teoria da Educação Física para Ciências do Desporto, pelo que esta última adquire não só uma dimensão pedagógica (Pedagogia do Desporto – estudada em todas as idades e contextos), como também uma dimensão histórica e social. A PD passa a relacionar-se com outras disciplinas da ciência (mecânica, bioquímica, medicina), alargando o objeto de estudo tradicional da TEF, incorporando no seu olhar pedagógico a totalidade da práxis do desporto.

O Papel de Charneira da Pedagogia do Desporto

A Pedagogia do Desporto desempenha um lugar de charneira entre Educação e Desporto, isto significa que o objeto da PD é profundamente influenciado pelas ciências da educação às quais se liga através dos fenómenos Educação, Desenvolvimento, Aprendizagem e Formação, e pelas ciências do desporto cuja ligação se verifica a propósito da Corporalidade e do Movimento.

OU

Como Bento refere, a Pedagogia do Desporto é uma das subdisciplinas das Ciências do Desporto, que se liga à Pedagogia Geral na sua tentativa de responder a questões essenciais dos seus problemas principais: educação, formação, socialização, aprendizagem e, às Ciências do Desporto, às quais se liga através da corporalidade e do movimento. Por isso, a Pedagogia do Desporto como disciplina científica, reflete as questões que permitem aconselhar os métodos de educação e ensino, tornando-os mais eficazes, tentando encontrar combinações que tornem o desporto educativo e, ao mesmo tempo, explicando o que é que a educação deve ter de desportivo, com vista a levar o Homem a transcender-se.

A Posição da Pedagogia do Desporto no Sistema das Ciências

A Pedagogia do Desporto tem uma abordagem pedagógica, que implica uma ligação às Ciências do Desporto, que pode incluir a História, a Psicologia, a Sociologia do Desporto e, onde existe uma ligação a propósito da corporalidade e do movimento. Além das Ciências do Desporto, filia-se ainda à Pedagogia Geral (ciências da educação) que está assente na aprendizagem, formação, desenvolvimento e educação do indivíduo.

Exemplos de Questões na Pedagogia do Desporto

Pedagogia do Desporto Normativa

Programas para a Educação Física Escolar (Desporto na Escola).

Pedagogia do Desporto Empírico-Analítica

Trabalho com a juventude nas Associações Desportivas.

Perspetivas de Desenvolvimento da Pedagogia do Desporto

Segundo Jorge Bento (1999), as perspetivas de desenvolvimento da Pedagogia do Desporto são:

  • A problemática ambiental;
  • A corporalidade e o regresso do corpo;
  • O desporto e saúde;
  • A educação e saúde;
  • A questão dos valores;
  • A questão dos sexos;
  • A legitimação da Educação Física e do Desporto Escolar;
  • A renovação e reconstrução da Educação Física;
  • O desporto de rendimento;
  • O clube desportivo como instituição pedagógica;
  • O dirigente e o treinador como pedagogos;
  • Estudos interculturais;
  • A problemática da socialização;
  • O desporto de crianças e jovens;
  • O desporto dos idosos.

Duplo Significado da Pedagogia do Desporto e Relação Teoria/Prática

A Pedagogia do Desporto tem um duplo significado, na medida em que, por um lado, tem um sentido científico (teoria) e, por outro, refere-se ao fazer concreto (prática). É uma ciência da ação por isso mesmo: por um lado, reflete sobre o seu objeto de estudo e, por outro, tenta aplicar na prática as ideias que desenvolveu na tese que defende.

Funções da Pedagogia Geral e da Pedagogia do Desporto

A função da Pedagogia em Geral pode concretizar-se na tarefa de reavivar a consciência da dignidade do Homem, nomeadamente no modo como este é considerado nos contextos educativos, na obrigação de conceber e fundar a escola e a educação como oficina de humanização, de liberdade, de cidadania e de democracia, alimentar padrões elevados de qualidade nas comunidades educativas, pelo esclarecimento do sentido e significado das suas ações, defender uma conceção personalista e cultural da educação – pugnar pela qualidade da educação.

Por sua vez, a Pedagogia do Desporto pretende esclarecer até que ponto as atividades lúdico-desportivas, nas suas formas organizadas e não organizadas, podem ser significativas para a educação e desenvolvimento, bem como para a aprendizagem e formação do Homem que pratica desporto, de todas as faixas etárias. A função da Pedagogia do Desporto tem como função dar a palavra ao Homem, de o retirar da vergonha do silêncio através da corporalidade e do movimento.

Temas Antropológicos na Educação Física e no Desporto

Os temas antropológicos relacionados com a Educação Física e o Desporto são: o Jogo, o Movimento, o Corpo e o Rendimento/Performance.

Características do Jogo, Segundo Huizinga

Huizinga faz uma crítica cultural a este conceito e começa por afirmar que O Jogo é mais velho que a cultura. Huizinga caracteriza o jogo como uma ação ou uma atividade voluntária, realizada dentro de determinados limites de tempo e de lugar, fixados de acordo com uma regra livremente aceite, mas completamente imperiosa, com um fim em si mesmo, acompanhada por um sentimento de tensão, de alegria e de uma consciência de ser algo diferente da vida corrente.

O jogo é livre – a criança e o animal jogam porque obtêm prazer no jogo e é nisto que consiste a sua liberdade. Mas o jogo pode também ser supérfluo, na medida em que para o adulto, o jogo é algo que pode abandonar em qualquer momento, pois não se realiza em virtude de uma necessidade física e muito menos de um dever moral. Só quando o jogo se converte numa função cultural é que este se caracteriza como um dever ou uma tarefa. É festa, culto e sagrado.

Em suma, o jogo está fechado sobre si mesmo (tem limites de tempo e espaço e esgota o seu curso e o seu sentido dentro de si próprio); tem uma ordem própria – o jogo cria ordem, é a ordem; oprime – cada jogo tem as suas próprias regras, embora livremente aceites – e liberta; arrebata e eletriza; o jogo é ritmo e harmonia.

O jogo é uma ação ou uma ocupação livre, que se desenvolve dentro de determinados limites temporais e espaciais, segundo regras absolutamente obrigatórias, ainda que livremente aceites, ação que tem um fim em si mesmo e é acompanhada por um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser algo diferente da vida corrente. Aqui cabem os jogos de força e habilidade, cálculo e azar e representações e exibições. Pode ser considerado como um dos elementos espirituais fundamentais da vida.

O jogo é uma segunda vida, proporcionando momentos e sensações diferentes da vida corrente.

Caracterização do Jogo como Atividade

O jogo é uma atividade livre, pois toda a gente, sem restrições, a exerce, delimitada por tempo e espaço, incerta, motivo pelo qual é tão atrativo, jogada quando é possível, improdutiva, pois não produz nada de material, regulamentada por regras absolutamente obrigatórias mas livremente aceites e, por fim, fictícia, pois nada tem a ver com a vida quotidiana, pertence, por isso, a outra dimensão.

O jogo como atividade pode, ainda, proporcionar:

  • Oportunidades de animação;
  • Alargamento da experiência;
  • Emoções ou sentimentos;
  • Aumento da variedade de comportamentos.

Significado Pedagógico do Jogo

O jogo ultrapassa os limites da ocupação puramente biológica ou física. É uma função plena de sentido. Do ponto de vista pedagógico, importam não só os jogos desportivos mas também o jogo como parte da cultura e expressão da vida humana. É importante ver o desporto como pleno de jogo e garantir jogos de movimentos livres em locais adequados, nas suas múltiplas formas e relações sociais. As experiências obtidas através do jogo são de importância crucial para o desenvolvimento da cultura e da sociedade e não só para a satisfação de necessidades individuais.

O jogo, sendo uma atividade diferente, pode proporcionar novas oportunidades, experiências e sensações, criando um novo mundo de vivências e variedade de comportamentos.

Componentes Principais do Jogo (Caillois) e Paidia/Ludus

As quatro componentes fundamentais do jogo apresentadas por Caillois são: alea (sorte), mimicry (simulacro), ilinx (vertigem) e agon (competição).

A ação de jogar é caracterizada como uma estrutura em que o jogo representa: formas de solução para conflitos, eliminação de diferenças, produzindo uma nova qualidade comportamental, criação de um segundo nível de realidade para o jogador, inversão de papéis, posições de poder, animação, etc.

Os conceitos de paidia e ludus são importantes na medida em que caracterizam o desporto em geral e são os extremos antagónicos em que Caillois polariza os quatro componentes primordiais do jogo. O desporto deve ser um meio-termo entre os dois conceitos, devendo aproximar-se, por isso, do princípio de diversão, da turbulência, do improviso, da fantasia, da manifestação espontânea do instinto de jogo e do poder original de improvisação que é a paidia, mas também da necessidade imperiosa de se submeter a regras convencionais, exigindo um número crescente de tentativas, de persistência, de habilidade ou de artifício e do gosto pela dificuldade gratuita que é o ludus.

Sutton-Smith (3ª Teoria): A Ação de Jogar

Aborda uma perspetiva mais científica (abordagem mais descritiva e mais ampla).

A ação de jogar:

  • Forma de resolução de conflitos;
  • Criação de um segundo nível de realidade para o jogador;
  • Inversão de papéis, posições de poder;
  • Animação;
  • Eliminação de diferenças produzindo uma nova qualidade comportamental.

"Só Somos Humanos Depois!" (Savater) e Neotenia

A necessidade de legitimação educativa da exercitação corporal (lúdica, motora, desportiva) é uma tarefa de todos os tempos.

A frase referida «só somos humanos depois!» assenta na questão do homem ser um ser inacabado, que necessita de se aperfeiçoar, de ser formado e educado. A nossa humanidade biológica necessita de uma confirmação posterior, algo assim como um segundo nascimento onde por meio do nosso próprio esforço e da relação com os outros seres humanos se confirme definitivamente o primeiro. Há que nascer para o humano, mas só chegamos a sê-lo plenamente quando os demais nos contagiam com a sua humanidade.

A condição humana é em parte espontaneidade natural, mas também deliberação artificial, na medida em que o ser humano, desde que nasce, está sempre aberto a novos saberes (plasticidade ou disponibilidade juvenil), o que implica que este tenha de estabelecer relações com outros seres humanos. A este conceito é designado Neotenia. A neotenia designa a capacidade mais intrínseca de aprender que o ser humano possui.

Segundo Savater, o menino (sujeito marcado por uma subjetividade) passa por duas gestações: a primeira no útero materno, segundo determinismos biológicos, e a segunda de matriz social, onde os rituais e usos da cultura são fulcrais.

Definição de Educação em Sentido Lato e Restrito

A antiga ideia de que a educação era transmitida nas escolas e nas instituições deixou de existir, isto porque a educação passou a ser um processo que acontece em toda a parte, em quaisquer circunstâncias, sem que haja uma planificação de quem educa. Toda a vida educa, na medida em que as pessoas, as coisas, os factos, as situações e o nosso quotidiano exercem uma influência educativa.

A educação em sentido lato ocorre sem que o indivíduo se aperceba, é espontânea, sem qualquer intenção de quem exerce a influência. A nossa sociedade, as convivências diárias e as experiências vividas educam-nos e, sobretudo, ajudam a formar o eu personalizado e próprio de cada um.

A educação em sentido restrito refere-se à educação escolarizada, em que decorre uma ação entre, pelo menos, duas pessoas (educando e educador), uma intenção, uma organização e um objetivo devidamente planificado, inseridos dentro de um tempo e de um espaço. Neste caso, o indivíduo tem consciência da educação. Esta ação visa sempre objetivos, sendo que o mais importante é ultrapassar a diferença de competências entre ambos. A educação escolarizada é, portanto, um acontecimento de transmissão de conhecimentos, de ideias, de opiniões, de conteúdos, entre outros.

Influências Relevantes do Ponto de Vista Educativo

Falar de educação significa falar:

  • Da intencionalidade;
  • Da organização;
  • Das condições e circunstâncias;
  • Da qualidade e quantidade;
  • Do tempo e do espaço;
  • Da estrutura;
  • Da sistemática.

A Importância da Abordagem Ética do Desporto na Construção da Humanidade

A abordagem ética é necessária para entender o desporto na plenitude do seu sentido completo e complexo e o legitimar como totalidade. Uma ética que nos livre de superstições e nos conduza a uma ação (através do desporto) livre e criadora do homem. Optar pela ética é renunciar ao direito de guardar o silêncio sobre o que nos parece essencial.

Surgem algumas dificuldades, pois o indivíduo encontra-se biológica e culturalmente limitado para atingir um rendimento, o que faz com que o ser humano se exceda para atingir os fins, desrespeitando os valores éticos. A ética no desporto é importante na construção da humanidade, pois ela permite a transcendência do ser humano, a consolidação do desporto para o indivíduo e para a sociedade que contribui para o respeito e a dignidade do ser humano, do seu corpo e das liberdades individuais, esforço por alcançar algo.

Se existem diferentes culturas desportivas, também temos que equacionar diferentes morais no desporto, sendo a tradicional ética do desporto de competição e do desportivismo insuficiente.

Os Três Sentidos da Educação, Segundo Mialaret

Para Mialaret, falar de educação é, antes de tudo, evocar uma instituição social, um sistema educativo. A educação enquanto instituição possui as suas estruturas, as suas regras de funcionamento, mesmo que estas sejam pouco precisas ou pouco explicitadas.

No entanto, a linguagem corrente utiliza a palavra educação num outro sentido: o do resultado de uma ação. Recebe-se uma boa ou má educação. Com efeito, aqui o ponto de vista coloca-se no plano do indivíduo, que é o produto de uma ou outra parte do sistema educativo. É, em geral, a partir destes produtos que se avalia o sistema educativo ou a educação tomada no sentido da primeira aceção. Ou se reconhece que a educação prepara os jovens e os adapta para a vida atual, ou que, pelo contrário, os alunos, saídos do sistema, não têm nem imaginação, nem criatividade, nem iniciativa suficiente.

O terceiro sentido da palavra educação refere-se ao próprio processo que junta de uma maneira prevista ou imprevista dois ou vários seres humanos, os põe em comunicação e os coloca em situação de mútuas trocas e modificações recíprocas. Este processo está relacionado com o conteúdo. Uma educação, com efeito, caracteriza-se também pelo tipo de atividades que propõe (e sobre as quais se desenvolve), pelo conjunto de conhecimentos, de informações que oferece aos alunos. Este conjunto pode ser de dominante literária, de dominante científica, técnica, artística…

As Extensões do Conceito de Educação, Segundo Mialaret

A primeira extensão incide sobre a idade do sujeito a quem a educação se destina. Assistiu-se a um duplo prolongamento, para baixo e para cima, do período da vida do homem durante o qual tinha de ser educado. Os contributos de trabalhos de psicólogos, de biólogos e agora de sociólogos incitam-nos a interessarmo-nos pela criança cada vez mais jovem e já ninguém se escandaliza quando se afirma que a educação começa com o nascimento. A escolaridade obrigatória também tem vindo a aumentar e as universidades, as formações para adultos e até mesmo as instituições de formação da terceira idade dão ideia de uma educação contínua, não sendo, por isso, exagerado dizer-se que a educação se destina a todas as idades da vida do homem, desde que nasce até que morre.

Uma segunda extensão provém do facto de que a educação de um sujeito não é apenas o resultado da instituição escolar. Os sociólogos evidenciaram a importância da escola paralela e afirma-se que as aquisições que uma criança possui quando deixa a escola provêm, numa percentagem muito significativa, da escola paralela. Fora da escola, a criança recebe do meio no qual vive um conjunto de estímulos que podem ser (nem sempre é o caso) muito enriquecedores: imprensa, rádio, experiência de todos os dias, influência de familiares, amigos, vivências diferentes. Não se pode recusar a este conjunto de ações a denominação geral de ações educativas, na medida em que elas transformam o sujeito e nele imprimem certos caracteres da sua personalidade ulterior.

É numa outra perspetiva que se situa a terceira extensão de educação. O nosso século quis alargar a educação a todos os domínios humanos, sem pôr de lado um só que seja. A educação da sensibilidade é considerada ao mesmo nível de importância da educação da inteligência e a educação corporal não é mais relegada para o escalão inferior. Foi-se caminhando para uma formação total do indivíduo e a educação atual não tem por fim único fazer da criança um homem inteligente, cujo raciocínio lógico não tem falhas, mas o objetivo de desenvolver uma personalidade de forma equilibrada, rica de potencialidades congénitas libertas, melhorada pela criação de novas aptidões; esta personalidade deverá ser possível de se adaptar, de se transformar, de se aperfeiçoar com o contacto de situações novas, reencontradas, escolhidas ou por ela suportadas.

Por fim, existe uma outra extensão, ligada aos processos de educação e aos níveis nos quais se situam. As situações educativas não se podem reportar unicamente a um professor face a um aluno por serem várias e numerosas. Pode exercer-se uma ação educativa em níveis muito diferentes e os educadores pertencem a categorias também muito diferentes. Por isso, pode estar-se ao serviço da educação-ação (professor na aula), quer ao serviço da educação-instituição (responsáveis administrativos), quer ao serviço da educação-animação numa casa de juventude.

Características da Atividade Educativa

A atividade educativa é caracterizada como sendo uma ação consciente, ação organizada, ação participada e uma ação coerente, estando todas estas ações inter-relacionadas umas com as outras. O ato educativo distingue-se do processo de influência pelo facto de anunciar a sua intenção formadora em relação a um dos parceiros da interação. Propõe-se a uma construção de comportamentos num indivíduo, segundo um vetor orientado, supõe um conjunto coerente de ações, empreendidas com vista a um fim e um sistema coordenado de meios. É a execução de princípios implícitos ou explícitos, provenientes de uma teoria geral, como por exemplo a conceção da educação física na escola. É, por essência, diretivo. As opções são tomadas para o educando e não por ele (por vezes na formação de adultos, não é assim). Assim, tem-se que não há neutralidades na educação, visto que há uma tomada de decisão. O processo educativo não se desencadeia senão quando um movimento anima cada um dos parceiros em direção ao outro. Qualquer opção educativa é um ato de fé em valores e, por isso, suscita o desejo de transformar outrem. O ato educativo responde às suas exigências internas quando leva o indivíduo educado a definir a lei que impõe a si próprio e a organizar a sua atuação.

O ato pedagógico só tem sucesso quando aquilo que é uma obrigação se torna numa necessidade e motivação interior.

Fatores Determinantes das Situações de Educação

O orientador, embora seja fulcral na condução do processo ensino-aprendizagem, está determinado por fatores que o limitam na sua tomada de decisão. Os fatores que determinam as situações de educação são: as condições gerais da instituição, as condições locais das situações de educação e as condições da relação educativa.

Condições Gerais da Instituição

As condições gerais da instituição que condicionam as situações de educação são o tipo de sociedade, o sistema educativo: programas (gerais e particulares), os métodos e técnicas pedagógicas, a arquitetura escolar, o recrutamento e a formação dos educadores.

Condições Locais das Situações de Educação

As condições locais que condicionam as situações de educação são o micromeio, o estabelecimento de ensino e a equipa docente.

Condições Imediatas da Relação Educativa

As condições imediatas da relação educativa que condicionam as situações de Educação são a classe (sala, local), o educador e a turma.

A Educação como Processo Fundamental do Ser Humano

O ser humano é um ser histórico (vive num determinado tempo, contexto, espaço), de ação (aberto, plástico, com capacidades) e social/cultural. É uma essência ativa com capacidade de aprender, de se moldar, de se transformar. O homem é um ser com consciência da perfeição (acredita que pode evoluir), da alteridade (consciência de que o outro é importante para o seu desenvolvimento). Para além disso, rege-se por valores.

A educação é uma aprendizagem de padrões de comportamento social e cultural, é uma preciosa ajuda para fundar o homem como sujeito e como pessoa, construir a sua autonomia, confrontando-se a si próprio e aos outros. A educação irá provocar no educando o alargamento das potencialidades, dos limites e das possibilidades, elementos esses que vão fazer do Homem um ser mais cheio, mais íntegro. Posicionar o homem no cosmos, no seu tempo, nos seus problemas, nas suas necessidades. A educação tende assim, para uma desocultação progressiva do homem face a si mesmo e face à realidade que o inclui e transcende. Educar o Homem com princípios e valores supratemporais que fazem a ideia do Homem ainda e sempre a cumprir. Fazer o Homem em humanidade, levar o que está num saber mais baixo para um saber mais alto, mudar e modificar para ascender à consciência do EU.

O conceito de educar assenta na expressão «dar o homem ao homem», transmitindo-lhe toda a herança de cultura humana, criada pelo homem, para nela se criar, segundo o ideal comeniano da pampaedia: omnes, omnia, omnino – tudo, a todos, em tudo.

Deve ser educado o homem «situado» (não há um ser intemporal) e realizar aquilo que ainda não é, mas que pode ser, procurando afirmar o homem de sempre, o homem perene, o homem como pessoa moral. A educação é um processo ascensional, pelo que o homem deve atingir as suas potencialidades. Vistas as características do homem (ser de ação, social, cultural, plástico), só haverá uma educação completa a partir do momento em que a corporalidade é educada/formada. A CORPORALIDADE está integrada na ideia de CAPACIDADE DE AÇÃO (só por meio da relação com o corpo se chega realmente a ser humano e se alcança um lugar no tempo e na natureza).

A Anagogia Humana e as Suas Pedagogias

A Pedagogia como Anagogia Humana, como disciplina voltada para estudar o homem na sua progressão ascensional e consciencial.

  • Pedagogia Criacionista - do menos para o mais.
  • Pedagogia do Otimismo Humano - da tomada de consciência de realidades superiores, da elevação, da opção pela pessoa humana.
  • Pedagogia Profunda - da tomada de consciência da nossa imperfeição, da necessidade de criação da nossa perfeição (PANAGOGIA - ocupada com o aperfeiçoamento de tudo e do todo).

A Pedagogia e o Sentido de uma Demopedia

A Pedagogia incorpora o sentido de uma Demopedia, ao ocupar-se com o aperfeiçoamento de cada homem, como pessoa livre e criadora, mexe com o Todo, promove o aperfeiçoamento dos povos, dos cidadãos, da sociedade, da democracia.

Formação

Dado que cada um tem de encontrar o seu próprio caminho para tal competência, a atividade pessoal era tida como um elemento central da formação.

Tem uma forte conotação antropológica.

  1. É adquirida no quadro da realidade sócio-histórico-cultural.
  2. O mundo é o horizonte envolvente da formação do indivíduo.
  3. É um acontecimento dinâmico.
  4. Visa o aumento das forças do indivíduo (aperfeiçoamento).
  5. É co-determinada exteriormente, embora seja um acontecimento intrínseco ao sujeito (caráter de trabalho).
  6. Pressupõe liberdade (emancipação e autonomia).
  7. É ação, práxis (congrega as dimensões teórica e prática).
  8. A ação caracteriza-se sobretudo pelo seu percurso (questão moral).
  9. Relações de cooperação e oposição com outros - necessidade da alteridade (responsabilidade, solidariedade).

elementos estruturantes do conceito de formação.

Os Primeiros Ideólogos da Educação Física: Humanistas do Renascimento

Os primeiros ideólogos da EF foram os humanistas do Renascimento. Segundo os humanistas (admiradores da antiguidade clássica):

  • O homem constituía um todo e o seu corpo devia ser elevado ao nível que o espírito ocupava na teologia cristã tradicional.

No Século XVIII: A Descoberta da Criança

No século XVIII - DESCOBERTA DA CRIANÇA

Fundamentação clássica de Pestalozzi. Pestalozzi estabelece a relação entre formação, corporalidade e exercitação corporal.

O homem é obra da natureza, da sociedade e de si próprio. O homem vem ao mundo com cabeça, coração e mão, com capacidade de desenvolvimento mas não desenvolvido. Necessita de formação física, moral e intelectual. O corpo deve tornar-se ágil e forte, o coração moral, o espírito inteligente.

O desenvolvimento do indivíduo processa-se na sua unidade essencial materializada na tríade espírito, coração e mão. No confronto com os estímulos indispensáveis – a formação – desenvolve-se com a sua natureza que carrega várias verdades: a animal, a social e a moral. Apenas o que abrange o Homem simultaneamente na integridade da sua natureza (o coração, o espírito e o corpo), tem valor e é adequado para cultivar eficaz, verdadeira e conforme à sua natureza.

  • A formação é o cerne da existência do homem corporal, porque o corpo faz parte da tríade que compõe o Homem.
  • É evidente a imprescindibilidade e o valor próprio da formação corporal.
  • A formação corporal pode ainda contribuir para a formação moral do Homem, condição última que deve ambicionar.

Corpo

Cultura de Consumo do Corpo e Sua Importância na Exposição ao Mundo

O ser humano, como todos sabemos, é um ser histórico, ativo, social e cultural. Este apresenta-se e expõe-se ao mundo através do seu corpo e é através do mesmo que nos comunicamos com o que nos rodeia. O corpo não é só o que temos mas também o que somos, um instrumento e um objeto de prazer que nos identifica e nos facilita ou dificulta a relação com os outros.

O corpo contribui para conhecer melhor cada sociedade e a forma como cada uma se representa, na medida em que não só nos identifica e nos confere uma identidade própria como também nos distingue como seres únicos e irrepetíveis. Podemos ver nos valores que o corpo encarna a expressão de uma dada realidade cultural. «O corpo incorpora a cultura». O corpo transporta em si a sociedade em que se formou e em que vive. A dinâmica entre sujeito, sociedade e corpo só pode ser percebida de forma dependente. Refletir sobre o corpo é refletir sobre o que é deixado ao corpo ser, que regras e formas sociais o sujeitam, que espaços e tempos próprios o identificam nas suas manifestações quotidianas (Brasão, 1999). Ele gera diferenças, gera identidade e, sobretudo, mostra o quão diversos e, ao mesmo tempo, únicos nós somos.

Ao longo do tempo, o corpo tem vindo a ocupar um lugar cada vez mais alto na hierarquia axiológica, pelo que a pós-modernidade realçou de tal forma o seu valor que o elevou à categoria do culto. Isto vem vincar a ideia de que, nos dias de hoje, a importância com a forma e as medidas do corpo são levadas ao extremo. A evolução ao nível da tecnologia fez com que o corpo se tornasse no novo território de exercício das liberdades individuais. Deixou de ser a expressão de cada um de nós para se sujeitar aos deveres das escolhas da sociedade de consumo. Os apelos aos modelos estéticos são bem visíveis nos meios de comunicação social, sobretudo na publicidade.

As influências provindas da sociedade, da televisão, entre outras, levam as pessoas a adquirir atitudes extremas e inadequadas perante o seu próprio corpo. Quando as nossas características não estão de acordo com os padrões vigentes (impostos pelos media), as relações com o corpo passam a ser muitas vezes de natureza conflituosa, convertendo-se num verdadeiro lugar de intervenção e de controlo. A procura de um corpo perfeito em vista a normalizarem-se é de tal forma possessiva que começam a surgir problemas patológicos. Contudo, caso alguma característica no nosso corpo nos agrade, nós temos a oportunidade de a mudar, tornando o nosso corpo um autêntico instrumento, impessoal, a que Lipovesky afirma ser um «corpo à la carte».

Sendo o corpo apresentado como propriedade de cada um, também a prevenção e a redução dos riscos passa a ser a empresa da responsabilidade individual.

O Corpo como Tema Antropológico: Implicações para Profissionais do Desporto

O Homem é um ser condicionado pelas circunstâncias, por todo o envolvimento que cada momento o contextualiza. Uma pessoa não só possui individualidade única, mas é também caracterizada por características sociais, culturais e históricas. Nem mesmo o corpo como um organismo é algo exclusivamente orgânico ou natural.

Antes de mais, é importante referir que o corpo é o elemento básico do desporto, isto porque sem corpo, não existe atividade, movimento e, como tal, a Educação Física e o Desporto constituem-se como elementos importantes para a análise da corporalidade. Os professores de Educação Física, ao trabalharem diretamente com o corpo de cada aluno(a), acabam por interferir na conceção e na representação que estes têm do seu próprio corpo. (Daolio, 1995)

Os profissionais da educação física, confrontados obrigatoriamente com o corpo no desempenho das suas atividades, devem ter consciência da sua importância, enquanto categoria central da sua atividade, bem como ter presente todos os seus significados, mesmo que exteriores à mesma atividade. Os corpos do desporto são corpos que assumem uma pluralidade de formas, que desenvolvem uma multiplicidade de movimentos, que exprimem e desencadeiam sentimentos e emoções, embora muitas vezes corpos contidos, subjugados, censurados.

Com isso, a Educação Física e o desporto constituem um conjunto de práticas especializadas dentro da escola, que contribuem de forma crucial para a construção social do corpo. O corpo nesta disciplina é constituído como objeto de tratamento pedagógico, visto criar várias possibilidades de movimento, não esquecendo que todos os corpos são diferentes. A existência da Educação Física como área curricular expressa e denota a intenção de o sistema educativo intervir na criação, configuração e modelação do corpo. O conjunto de posturas e movimentos corporais representa valores e princípios culturais.

Os professores de Educação Física terão de ser capazes de ver o grande cenário no qual as várias experiências de atividades físicas estão localizadas e ser capazes de retirar o que de importante existe na cultura física social para a Escola. Têm, portanto, de visar sempre o Homem na sua globalidade enquanto ser biológico e cultural, capaz de assumir variadíssimas formas e movimentos. As alterações no desporto e a proeminência do corpo na sociedade têm uma influência significativa no campo das atividades físicas. A educação física requer mais do que boas técnicas de ensino. Requer, pois, um forte conhecimento do funcionamento anátomo-fisiológico do corpo.

Movimento

Fundamentação Antropológica do Movimento

O movimento é uma característica importante no ser humano, visto que o permite conhecer melhor o mundo em que vive. O movimento humano é uma ação, orientada por regras, normas e é intencional. Por ser uma atitude própria do Homem, não é instintiva, no entanto, tem de ser aprendida. O significado do movimento humano reside na experiência particular de cada um, vivida através do mesmo.

Significados do Movimento Humano, Segundo Ommo Gruppe

Ommo Gruppe distingue quatro significados do movimento humano: significado instrumental, exploratório, social e pessoal. Estes quatro significados ocorrem juntos frequentemente.

O significado instrumental diz respeito ao movimento para alcançar alguma coisa, produzir algo. É uma forma de utilizarmos o movimento como meio para atingirmos um fim e, como tal, pode considerar-se, neste caso, que o movimento serve como instrumento, material. O uso instrumental do corpo e do movimento acontece diariamente, de forma automática e rotineira, sem que nos apercebamos, dado que se realiza quase instintivamente e inconscientemente. Ao termos o corpo e o movimento disponíveis para realizarmos todas as ações e atingir fins, cria uma certa liberdade, na medida em que o corpo, através do movimento, é uma ferramenta de confrontação com o mundo.

O movimento como forma de explorar o mundo que nos rodeia é, talvez, o que contribui mais para o nosso desenvolvimento e entendimento das coisas. O significado exploratório do movimento está mais patente nas crianças, visto ser a idade de descoberta, de aprendizagem, de procura, de curiosidade, de busca. Aqui, o movimento desempenha um papel crucial. É encarado como forma de descoberta, de exploração.

A criança, no mundo da exploração, vive de experiências materiais, corporais e pessoais. As experiências materiais que esta vai tendo ao longo do seu desenvolvimento, permitem-lhe ter conhecimento do mundo exterior, do espaço, da natureza (experiência de sentido), dos objetos, entre outros. É através deste que a criança atribui significados e, a partir deles, começa a desenvolver o seu mundo de simbolismos pessoais, tornando-se, portanto, capaz de reconhecer as características do que antes era desconhecido. A bola, durante a infância, ocupa um lugar importante. É o objeto mais atraente, mágico e característico no mundo das crianças. Incorpora o movimento em todos os seus sentidos, tornando-se, assim, um ponto de vista de exploração motora.

A experiência corporal é, igualmente, relevante na infância. Reconhecer o próprio corpo, as suas dimensões, aquilo que provoca dor ou não, as formas e os movimentos que conseguem ou não adquirir, é fulcral para desenvolver fisicamente uma criança. O movimento é uma forma de explorar o próprio corpo. A formação da autoimagem, de um esquema corporal é uma condição para uma boa coordenação e um sucesso na aprendizagem motora. Todo o desenvolvimento corporal, desenvolvido, sobretudo, nas atividades físicas, é muito importante para o desenvolvimento psicomotor.

Ommo Gruppe também definiu o significado social do movimento. Faz todo o seu sentido, na medida em que o movimento é meio das relações sociais. Cada sociedade tem os seus costumes e valores e, como tal, através das saudações, comunicações diárias, entre outras, podemos ver a expressão de cada uma. O movimento aqui é importante, pois expressa cada cultura não só na forma como agem, como também as formas físicas que cada uma adquire. As atitudes e sentimentos são refletidos na postura corporal e no movimento, contudo, estes variam de cultura para cultura. Os valores de cada sociedade estão, pois, representados simbolicamente (dimensão agónica).

Cada cultura, ao nível do jogo e das atividades físicas, tem as suas experiências, regras e normas impostas. A partir daí é possível verificar a diversidade de cada uma, a forma como encaram e cooperam em grupo. Como tal, o movimento adquirido por cada pessoa revela as suas experiências sociais.

O significado pessoal do movimento alude à experiência pessoal, à experiência como pessoa, como eu. É subjetivo, visto ocupar-se da individualidade de cada um. Permite ter consciência das nossas limitações, competências e/ou possibilidades. Através das mesmas construímo-nos como pessoas, tornamo-nos autónomos e confiantes. O sucesso e o insucesso que possamos vir a ter são demonstrados, uma grande parte das vezes, pelo desporto.

Quanto mais competentes formos, maior será a nossa eficácia e autonomia, até mesmo para a construção de uma motivação duradoura que nos permita um melhor desempenho e aprendizagem. As experiências de sucesso através do movimento são particularmente importantes para as crianças. Consequentemente, caso haja uma falta de experiências de movimento, tal se vai repercutir na desistência da vida, na retração ao mundo e em comportamentos extremos.

Consequências Pedagógicas: O Que Proporcionar às Crianças

O desenvolvimento de cada um não deve ser só tido em conta durante a adolescência, em que cada um vai para a escola e necessita de aprender. As crianças devem aprender desde que nascem e é nessa altura que devemos proporcionar mais meios e materiais que permitam o seu conhecimento do mundo e o seu desenvolvimento intelectual. É nesta idade em que elas desconhecem, não sabem o significado de nada, não percebem qual o sentido da existência de muitos objetos.

É sobretudo nas crianças que devemos criar muitas oportunidades de exploração através do movimento. Na infância, o movimento ocupa um lugar bastante significativo, pois permite a busca, a procura. Como tal, é importante inventar, proporcionar diversas atividades e possibilitar experiências corporais variadas, com diferentes materiais, de diferentes cores e formas, através do jogo e do movimento. Durante esta idade, é importante para as crianças estabelecer laços afetivos, para que mais tarde saibam viver em sociedade e não se retraiam, pelo que devemos sempre fomentar situações de exploração vividas socialmente. Porém, não devemos propor normas muito rígidas, devemos sim incitar a situações de integração, sem pedir situações baseadas na competição.

O Conceito de Performance (Desempenho Pedagógico)

Há quem tenha um ponto de vista muito restrito no que diz respeito à performance. Fazem corresponder performance (desempenho) ao sistema de competição oficial, a ganhar, em vez de usarem um conceito lato de performance, que faz corresponder a cada ato, o ser capaz de fazer cada vez melhor.

O que nos importa é uma aceção de performance/desempenho que use a teoria pedagógica, isto é, que tenha em conta os princípios usados na discussão dos mesmos no desporto, noutros setores da sociedade. Aqui, o conceito de performance tem valor pedagógico, está associado à capacidade de cada um para realizar qualquer coisa, pelo que implica a vontade, o esforço. O êxito da ação não se baseia na competitividade, mas sim no esforço do praticante. «A ação é uma ação interior, co-determinada exteriormente».

Dado que a performance/desempenho provém da individualidade de cada um, no seu empenho, é possível dizer-se que a ação não pode ser delegada, visto que tem de ser praticada com o próprio corpo. Deve haver um esforço intrínseco que nos leve a aumentar cada vez mais as dificuldades, no entanto, deve haver sempre um cumprimento das regras.

O ponto máximo do desempenho individual acontece mais cedo do que em qualquer outro âmbito de desempenho. Aqui as crianças são muitas vezes superiores aos pais. Este é mais um motivo para a importância do EU no desempenho desportivo, na infância e na juventude. Mas também menos nas raparigas do que nos rapazes.

Entradas relacionadas: