Perspetivas Filosóficas da Ciência: Indutivismo, Popper e Kuhn
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Perspetiva Indutivista
A perspetiva segundo a qual o método científico se baseia essencialmente no raciocínio **indutivo**.
Os indutivistas argumentam que só o raciocínio indutivo tem o caráter **ampliativo** que caracteriza o conhecimento científico.
Os passos do método científico proposto pela perspetiva indutivista
- Os cientistas conduzem observações cuidadosas e deparam com um fenómeno que não sabem explicar.
- Os cientistas propõem uma hipótese para explicar o fenómeno em questão.
- Os cientistas extraem da hipótese consequências que usam para fazer previsões.
- Os cientistas realizam experiências para averiguar se as previsões ocorrem.
- Se as previsões não ocorrem, a hipótese é rejeitada e uma nova hipótese é apresentada; se as previsões ocorrem, a hipótese é confirmada e passa a ser admitida como teoria.
Observações
O ponto de partida da ciência é a observação impessoal e isenta dos factos, sem quaisquer pressupostos teóricos. O cientista deve limitar-se a registar, de forma objetiva e rigorosa, os dados observados.
- Imparcial e objetiva.
- Sistemática e metódica.
- Preparada em função de um objetivo, recorre a instrumentos cada vez mais sofisticados para registar, medir e quantificar.
Formulação de uma hipótese
Da análise e interpretação dos dados surge uma hipótese, que é uma antecipação de uma resposta possível.
- A elaboração das hipóteses e das teorias científicas resulta de um raciocínio indutivo (uma generalização); as leis científicas, expressas através de proposições universais, são obtidas a partir da análise das regularidades registadas nos casos observados.
Experimentação
- A experiência permite comprovar ou verificar a verdade das hipóteses ou das teorias (critério da verificabilidade).
- O fenómeno é provocado sob condições controladas.
- Pressupõe o uso de instrumentos e de técnicas, rigor na produção e no controlo dos dados, registo e análise dos resultados.
- A tarefa dos cientistas poderá consistir em procurar dados para apoiar as suas teorias, utilizar essas mesmas teorias na explicação e previsão de novos fenómenos ou ainda procurar, a partir das explicações propostas, leis científicas mais abrangentes.
Generalização (formulação da lei) e previsão
O que foi observado num certo número de casos é:
- Considerado aplicável a todos os casos – **generalização**;
- Aplicável a qualquer caso do mesmo tipo que venha a acontecer no futuro – **previsão**.
A indução tem um papel fundamental na ciência: as leis científicas são enunciados universais obtidos indutivamente a partir de premissas que descrevem factos observados.
De acordo com os indutivistas, o método científico é indutivo porque:
- As teorias ou hipóteses científicas são generalizações indutivas feitas a partir de observações particulares.
- Recorre-se à repetição de experiências particulares (experimentação) para verificar (ou confirmar) as hipóteses e formular leis científicas.
Confirmação e Verificação
Uma lei da Natureza é uma hipótese confirmada por um número razoável de experiências.
Uma hipótese está confirmada quando os factos a apoiam. Se os factos permitissem provar conclusivamente que uma hipótese era verdadeira, dir-se-ia que esta estaria verificada.
Para aceitarmos uma confirmação e para uma lei da Natureza merecer a nossa confiança, devem ser satisfeitas determinadas condições:
- O número de observações em que se baseia a lei geral deve ser grande.
- As observações devem ser repetidas numa grande variedade de condições.
- Nenhuma observação deve entrar em conflito com a lei geral.
Críticas à perspetiva indutivista
Inobserváveis
Muitas vezes não se pode sequer partir da observação, pois a ciência procura explicar entidades ou acontecimentos **inobserváveis** (Big Bang, extinção dos dinossauros, neutrinos, buracos negros, etc.).
A observação é contaminada pela teoria
A observação do cientista é seletiva, pelo que o cientista tem de saber antes o que interessa e o que não interessa observar, isto é, tem de haver alguma hipótese de partida que o oriente nas suas observações (a observação está sempre contaminada por alguma teoria prévia).
O problema da justificação da indução
O raciocínio indutivo não permite verificar enunciados universais, como os que caracterizam as teorias e leis científicas. O raciocínio indutivo só permitiria tal coisa se ele próprio fosse justificado de forma independente, sem recorrer à indução (a sua justificação é, pois, circular).
Karl Popper
Método: A atividade científica baseia-se em métodos logicamente confiáveis? Há um método científico?
Avaliação: As teorias científicas são avaliadas de acordo com critérios racionais? Esses critérios são objetivos?
Crescimento: Há um padrão de crescimento da ciência que permita falar de progresso? Como progride a ciência?
A ciência é racional? Popper: SIM
As teorias científicas são avaliadas de forma imparcial por critérios lógicos... apesar de poder haver elementos subjetivos na fase da construção teórica (**contexto da descoberta**) e de as teorias terem um caráter provisório, o que importa é o modo como elas são justificadas (**contexto de justificação**).
... acompanhados por testes rigorosos e objetivos, por isso Popper fala do conhecimento científico como um «conhecimento sem sujeito», realçando o seu caráter totalmente objetivo.
A ciência progride? Popper: SIM
A ciência progride por um processo de eliminação ativa de erros... procurando-se falhas nas teorias, de modo a substituí-las por outras cada vez melhores, que evitem os problemas das anteriores e que sejam comparativamente mais explicativas (num processo parcialmente cumulativo).
e de contínua aproximação à verdade num processo evolutivo de adaptação, em que cada nova teoria se ajusta melhor à realidade, mesmo que nunca seja correto afirmar que as teorias são verdadeiras (deve dizer-se que são cada vez mais **verosímeis** e não cada vez mais verdadeiras).
Thomas Kuhn
Uma correta caracterização da ciência deve:
- Basear-se na própria história da ciência e não na análise de uma «suposta» lógica científica (**perspetiva histórica**).
- Considerar o modo como a comunidade científica funciona na prática, em vez de aspetos teóricos sobre «o suposto» método científico (**abordagem sociológica**).
- Prestar atenção ao trabalho científico quotidiano e não apenas aos períodos e figuras excecionais da história da ciência (**análise compreensiva e não seletiva**).
Duas formas de fazer ciência
Ciência normal:
Longos períodos de estabilidade e progresso cumulativo marcados pelo domínio de um **paradigma**.
Ciência extraordinária:
Curtos e conturbados períodos de crise e revolução científicas, em que se verifica o abandono e a mudança de **paradigma**.
Pré-ciência consiste:
Fase que antecede a ascensão de um determinado campo de investigação ao estatuto de ciência. É caracterizada por várias escolas e vários investigadores em conflito nos seus pressupostos teóricos, modelos de investigação, etc.
Atividade desorganizada e diversa que marca o período que antecede a formação de uma ciência e que termina quando uma comunidade científica adere a um **paradigma**.
Paradigma consiste:
Modelo de trabalho ou conjunto de ideias relativamente estruturadas que estabelece a base da prática científica diária, amplamente aceite e com grande poder explicativo. Coloca fim aos conflitos da fase anterior e origina a constituição de uma comunidade científica.
Inclui:
- Pressupostos teóricos fundamentais: corpo de teorias e leis que são assumidas como verdadeiras e que guiam o processo de investigação.
- Aplicações-tipo: regras para aplicar o corpo teórico à realidade.
- Princípios metafísicos: informação sobre o tipo de relações que se estabelecem.
- Instruções técnicas e metodológicas: indicações acerca do método de trabalho, do tipo de experiências a realizar, dos instrumentos a utilizar e do funcionamento dos mesmos.
- Orientações gerais sobre o campo de estudo em questão, como, por exemplo, identificação dos fenómenos e dos problemas de que este se deve ocupar e sobre o trabalho a desenvolver no futuro.
Ciência normal consiste:
É a fase que corresponde à afirmação de um paradigma enquanto modelo explicativo vigente (**ciência paradigmática**).
Os cientistas não estão empenhados em questionar criticamente o paradigma vigente.
Os cientistas estão comprometidos em tarefas de consolidação do paradigma: aperfeiçoar e desenvolver o modelo teórico.
- Na resolução de pequenos enigmas.
- Na tentativa de melhorar a afinação entre a natureza e o paradigma.
- Na aplicação do paradigma a novas áreas.
- Na construção de equipamento adequado à exigência experimental.
Anomalia consiste:
- Casos difíceis que persistem em não se deixar explicar pelo paradigma.
- Falhanços na prática científica normal que, quando em grande número, põem em causa o paradigma.
Crise
Durante a investigação do paradigma da ciência normal:
- Surgem anomalias que os cientistas são incapazes de resolver, já que não encaixam no modelo oferecido pelo paradigma.
- Surgem acontecimentos que o paradigma em vigor não parece ser capaz de explicar adequadamente.
- Surgem acontecimentos totalmente incompatíveis com a imagem do funcionamento da natureza fornecida pelo paradigma.
- Período em que a acumulação de anomalias é elevada e em que o paradigma entra em rutura.
- O paradigma entra em crise.
Ciência extraordinária
Quando o paradigma vigente não consegue resolver as anomalias que surgiram, a confiança nele é abalada e a comunidade de cientistas divide-se entre os defensores da manutenção do paradigma (conservadores) e os defensores do abandono do paradigma (revolucionários).
Revolução científica
- Episódio de desenvolvimento científico, no qual o paradigma mais antigo é abandonado e substituído, total ou parcialmente, por um novo paradigma inovador que corrige as anomalias do anterior, com ele incompatível.
- O novo paradigma corresponde à ciência extraordinária.
- A revolução não representa uma evolução no sentido cumulativo, mas uma substituição radical de paradigmas.
Incomensurabilidade dos paradigmas
Paradigmas diferentes são **incomensuráveis**, isto é, não existe uma medida comum, ou um padrão neutro, que permita objetivamente estabelecer a superioridade de um paradigma em relação a outro.
Argumentos usados por Kuhn para justificar a incomensurabilidade
Argumento baseado na insuficiência dos critérios
- Se os paradigmas fossem comensuráveis, seria possível justificar a preferência por um paradigma através de critérios puramente objetivos.
- Não é possível justificar a preferência por um paradigma através de critérios puramente objetivos.
- Logo, os paradigmas são incomensuráveis.
Argumento baseado na impossibilidade de tradução entre paradigmas
- Se o significado de termos científicos varia de um paradigma para outro, então os paradigmas são incomensuráveis.
- O significado dos termos científicos deve ser entendido numa perspetiva holista e varia de um paradigma para outro.
- Logo, os paradigmas são incomensuráveis.
O novo e o velho paradigmas são incomensuráveis.
- Diferentes paradigmas correspondem a maneiras radicalmente diferentes de ver o mundo (diferentes **mundivisões**).
- Mesmo quando usam os mesmos termos, os cientistas que trabalham em diferentes paradigmas estão frequentemente a falar de coisas diferentes.
- Mudar de paradigma é equivalente a uma conversão religiosa.
- Mudar de paradigma é fazer praticamente tábua rasa do que havia antes e recomeçar quase tudo.
Como progride a ciência?
Se os paradigmas não podem ser comparados, então não é correto dizer:
- Que um é melhor, ou mais adequado, ou mais preciso, ou mais abrangente do que o outro.
- Sequer que o novo resolve os problemas que o velho não conseguia resolver.
Ciência normal
O progresso é cumulativo, aumentando a quantidade de enigmas resolvidos e alargando o âmbito de aplicação do paradigma.
A ciência normal é essencialmente conservadora e dogmática (evolui na continuidade).
A ciência na sua totalidade:
Incluindo as mudanças de paradigma:
- Progresso não cumulativo.
- Progresso sem uma finalidade dada à partida (**conceção não teleológica da evolução**).
- Progresso no sentido de uma maior especialização.
Críticas
Críticas a Popper
- Conceção idealizada da prática científica.
- Não justifica adequadamente a nossa confiança na ciência.
Críticas a Kuhn
- A ideia de incomensurabilidade é implausível e é contrariada pela própria história da ciência.
- Abre as portas a uma conceção relativista e cética da ciência.