Perspetivas Filosóficas da Ciência: Indutivismo, Popper e Kuhn

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Perspetiva Indutivista

A perspetiva segundo a qual o método científico se baseia essencialmente no raciocínio **indutivo**.

Os indutivistas argumentam que só o raciocínio indutivo tem o caráter **ampliativo** que caracteriza o conhecimento científico.

Os passos do método científico proposto pela perspetiva indutivista

  1. Os cientistas conduzem observações cuidadosas e deparam com um fenómeno que não sabem explicar.
  2. Os cientistas propõem uma hipótese para explicar o fenómeno em questão.
  3. Os cientistas extraem da hipótese consequências que usam para fazer previsões.
  4. Os cientistas realizam experiências para averiguar se as previsões ocorrem.
  5. Se as previsões não ocorrem, a hipótese é rejeitada e uma nova hipótese é apresentada; se as previsões ocorrem, a hipótese é confirmada e passa a ser admitida como teoria.

Observações

O ponto de partida da ciência é a observação impessoal e isenta dos factos, sem quaisquer pressupostos teóricos. O cientista deve limitar-se a registar, de forma objetiva e rigorosa, os dados observados.

  • Imparcial e objetiva.
  • Sistemática e metódica.
  • Preparada em função de um objetivo, recorre a instrumentos cada vez mais sofisticados para registar, medir e quantificar.

Formulação de uma hipótese

Da análise e interpretação dos dados surge uma hipótese, que é uma antecipação de uma resposta possível.

  • A elaboração das hipóteses e das teorias científicas resulta de um raciocínio indutivo (uma generalização); as leis científicas, expressas através de proposições universais, são obtidas a partir da análise das regularidades registadas nos casos observados.

Experimentação

  • A experiência permite comprovar ou verificar a verdade das hipóteses ou das teorias (critério da verificabilidade).
  • O fenómeno é provocado sob condições controladas.
  • Pressupõe o uso de instrumentos e de técnicas, rigor na produção e no controlo dos dados, registo e análise dos resultados.
  • A tarefa dos cientistas poderá consistir em procurar dados para apoiar as suas teorias, utilizar essas mesmas teorias na explicação e previsão de novos fenómenos ou ainda procurar, a partir das explicações propostas, leis científicas mais abrangentes.

Generalização (formulação da lei) e previsão

O que foi observado num certo número de casos é:

  • Considerado aplicável a todos os casos – **generalização**;
  • Aplicável a qualquer caso do mesmo tipo que venha a acontecer no futuro – **previsão**.

A indução tem um papel fundamental na ciência: as leis científicas são enunciados universais obtidos indutivamente a partir de premissas que descrevem factos observados.

De acordo com os indutivistas, o método científico é indutivo porque:

  1. As teorias ou hipóteses científicas são generalizações indutivas feitas a partir de observações particulares.
  2. Recorre-se à repetição de experiências particulares (experimentação) para verificar (ou confirmar) as hipóteses e formular leis científicas.

Confirmação e Verificação

Uma lei da Natureza é uma hipótese confirmada por um número razoável de experiências.

Uma hipótese está confirmada quando os factos a apoiam. Se os factos permitissem provar conclusivamente que uma hipótese era verdadeira, dir-se-ia que esta estaria verificada.

Para aceitarmos uma confirmação e para uma lei da Natureza merecer a nossa confiança, devem ser satisfeitas determinadas condições:

  1. O número de observações em que se baseia a lei geral deve ser grande.
  2. As observações devem ser repetidas numa grande variedade de condições.
  3. Nenhuma observação deve entrar em conflito com a lei geral.

Críticas à perspetiva indutivista

Inobserváveis

Muitas vezes não se pode sequer partir da observação, pois a ciência procura explicar entidades ou acontecimentos **inobserváveis** (Big Bang, extinção dos dinossauros, neutrinos, buracos negros, etc.).

A observação é contaminada pela teoria

A observação do cientista é seletiva, pelo que o cientista tem de saber antes o que interessa e o que não interessa observar, isto é, tem de haver alguma hipótese de partida que o oriente nas suas observações (a observação está sempre contaminada por alguma teoria prévia).

O problema da justificação da indução

O raciocínio indutivo não permite verificar enunciados universais, como os que caracterizam as teorias e leis científicas. O raciocínio indutivo só permitiria tal coisa se ele próprio fosse justificado de forma independente, sem recorrer à indução (a sua justificação é, pois, circular).

Karl Popper

Método: A atividade científica baseia-se em métodos logicamente confiáveis? Há um método científico?

Avaliação: As teorias científicas são avaliadas de acordo com critérios racionais? Esses critérios são objetivos?

Crescimento: Há um padrão de crescimento da ciência que permita falar de progresso? Como progride a ciência?

A ciência é racional? Popper: SIM

As teorias científicas são avaliadas de forma imparcial por critérios lógicos... apesar de poder haver elementos subjetivos na fase da construção teórica (**contexto da descoberta**) e de as teorias terem um caráter provisório, o que importa é o modo como elas são justificadas (**contexto de justificação**).

... acompanhados por testes rigorosos e objetivos, por isso Popper fala do conhecimento científico como um «conhecimento sem sujeito», realçando o seu caráter totalmente objetivo.

A ciência progride? Popper: SIM

A ciência progride por um processo de eliminação ativa de erros... procurando-se falhas nas teorias, de modo a substituí-las por outras cada vez melhores, que evitem os problemas das anteriores e que sejam comparativamente mais explicativas (num processo parcialmente cumulativo).

e de contínua aproximação à verdade num processo evolutivo de adaptação, em que cada nova teoria se ajusta melhor à realidade, mesmo que nunca seja correto afirmar que as teorias são verdadeiras (deve dizer-se que são cada vez mais **verosímeis** e não cada vez mais verdadeiras).

Thomas Kuhn

Uma correta caracterização da ciência deve:

  • Basear-se na própria história da ciência e não na análise de uma «suposta» lógica científica (**perspetiva histórica**).
  • Considerar o modo como a comunidade científica funciona na prática, em vez de aspetos teóricos sobre «o suposto» método científico (**abordagem sociológica**).
  • Prestar atenção ao trabalho científico quotidiano e não apenas aos períodos e figuras excecionais da história da ciência (**análise compreensiva e não seletiva**).

Duas formas de fazer ciência

Ciência normal:

Longos períodos de estabilidade e progresso cumulativo marcados pelo domínio de um **paradigma**.

Ciência extraordinária:

Curtos e conturbados períodos de crise e revolução científicas, em que se verifica o abandono e a mudança de **paradigma**.

Pré-ciência consiste:

Fase que antecede a ascensão de um determinado campo de investigação ao estatuto de ciência. É caracterizada por várias escolas e vários investigadores em conflito nos seus pressupostos teóricos, modelos de investigação, etc.

Atividade desorganizada e diversa que marca o período que antecede a formação de uma ciência e que termina quando uma comunidade científica adere a um **paradigma**.

Paradigma consiste:

Modelo de trabalho ou conjunto de ideias relativamente estruturadas que estabelece a base da prática científica diária, amplamente aceite e com grande poder explicativo. Coloca fim aos conflitos da fase anterior e origina a constituição de uma comunidade científica.

Inclui:
  • Pressupostos teóricos fundamentais: corpo de teorias e leis que são assumidas como verdadeiras e que guiam o processo de investigação.
  • Aplicações-tipo: regras para aplicar o corpo teórico à realidade.
  • Princípios metafísicos: informação sobre o tipo de relações que se estabelecem.
  • Instruções técnicas e metodológicas: indicações acerca do método de trabalho, do tipo de experiências a realizar, dos instrumentos a utilizar e do funcionamento dos mesmos.
  • Orientações gerais sobre o campo de estudo em questão, como, por exemplo, identificação dos fenómenos e dos problemas de que este se deve ocupar e sobre o trabalho a desenvolver no futuro.

Ciência normal consiste:

É a fase que corresponde à afirmação de um paradigma enquanto modelo explicativo vigente (**ciência paradigmática**).

Os cientistas não estão empenhados em questionar criticamente o paradigma vigente.

Os cientistas estão comprometidos em tarefas de consolidação do paradigma: aperfeiçoar e desenvolver o modelo teórico.

  • Na resolução de pequenos enigmas.
  • Na tentativa de melhorar a afinação entre a natureza e o paradigma.
  • Na aplicação do paradigma a novas áreas.
  • Na construção de equipamento adequado à exigência experimental.

Anomalia consiste:

  • Casos difíceis que persistem em não se deixar explicar pelo paradigma.
  • Falhanços na prática científica normal que, quando em grande número, põem em causa o paradigma.

Crise

Durante a investigação do paradigma da ciência normal:

  • Surgem anomalias que os cientistas são incapazes de resolver, já que não encaixam no modelo oferecido pelo paradigma.
  • Surgem acontecimentos que o paradigma em vigor não parece ser capaz de explicar adequadamente.
  • Surgem acontecimentos totalmente incompatíveis com a imagem do funcionamento da natureza fornecida pelo paradigma.
  • Período em que a acumulação de anomalias é elevada e em que o paradigma entra em rutura.
  • O paradigma entra em crise.

Ciência extraordinária

Quando o paradigma vigente não consegue resolver as anomalias que surgiram, a confiança nele é abalada e a comunidade de cientistas divide-se entre os defensores da manutenção do paradigma (conservadores) e os defensores do abandono do paradigma (revolucionários).

Revolução científica

  • Episódio de desenvolvimento científico, no qual o paradigma mais antigo é abandonado e substituído, total ou parcialmente, por um novo paradigma inovador que corrige as anomalias do anterior, com ele incompatível.
  • O novo paradigma corresponde à ciência extraordinária.
  • A revolução não representa uma evolução no sentido cumulativo, mas uma substituição radical de paradigmas.

Incomensurabilidade dos paradigmas

Paradigmas diferentes são **incomensuráveis**, isto é, não existe uma medida comum, ou um padrão neutro, que permita objetivamente estabelecer a superioridade de um paradigma em relação a outro.

Argumentos usados por Kuhn para justificar a incomensurabilidade

Argumento baseado na insuficiência dos critérios
  1. Se os paradigmas fossem comensuráveis, seria possível justificar a preferência por um paradigma através de critérios puramente objetivos.
  2. Não é possível justificar a preferência por um paradigma através de critérios puramente objetivos.
  3. Logo, os paradigmas são incomensuráveis.
Argumento baseado na impossibilidade de tradução entre paradigmas
  1. Se o significado de termos científicos varia de um paradigma para outro, então os paradigmas são incomensuráveis.
  2. O significado dos termos científicos deve ser entendido numa perspetiva holista e varia de um paradigma para outro.
  3. Logo, os paradigmas são incomensuráveis.

O novo e o velho paradigmas são incomensuráveis.

  • Diferentes paradigmas correspondem a maneiras radicalmente diferentes de ver o mundo (diferentes **mundivisões**).
  • Mesmo quando usam os mesmos termos, os cientistas que trabalham em diferentes paradigmas estão frequentemente a falar de coisas diferentes.
  • Mudar de paradigma é equivalente a uma conversão religiosa.
  • Mudar de paradigma é fazer praticamente tábua rasa do que havia antes e recomeçar quase tudo.

Como progride a ciência?

Se os paradigmas não podem ser comparados, então não é correto dizer:

  • Que um é melhor, ou mais adequado, ou mais preciso, ou mais abrangente do que o outro.
  • Sequer que o novo resolve os problemas que o velho não conseguia resolver.

Ciência normal

O progresso é cumulativo, aumentando a quantidade de enigmas resolvidos e alargando o âmbito de aplicação do paradigma.

A ciência normal é essencialmente conservadora e dogmática (evolui na continuidade).

A ciência na sua totalidade:

Incluindo as mudanças de paradigma:

  • Progresso não cumulativo.
  • Progresso sem uma finalidade dada à partida (**conceção não teleológica da evolução**).
  • Progresso no sentido de uma maior especialização.

Críticas

Críticas a Popper

  • Conceção idealizada da prática científica.
  • Não justifica adequadamente a nossa confiança na ciência.

Críticas a Kuhn

  • A ideia de incomensurabilidade é implausível e é contrariada pela própria história da ciência.
  • Abre as portas a uma conceção relativista e cética da ciência.

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