Planejamento Urbano e Urbanismo: Uma Visão Histórica e Conceitual
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Planejamento Urbano e Urbanismo: Definições e Distinções
Uma definição precisa do que seja o planejamento urbano necessariamente passa pelo trabalho de localizá-lo, enquanto disciplina, em relação ao urbanismo. Tanto o planejamento urbano quanto o urbanismo são entendidos como o estudo do fenômeno urbano em sua dimensão espacial, mas diferem notadamente no tocante às formas de atuação no espaço urbano. Desta maneira, o urbanismo trabalha (historicamente) com o desenho urbano e o projeto das cidades, em termos genéricos, sem necessariamente considerar a cidade como agente dentro de um processo social conflitivo, enquanto que o planejamento urbano, antes de agir diretamente no ordenamento físico das cidades, trabalha com os processos que a constroem (ainda que indiretamente, sempre atue no desenho das cidades).
O planejamento urbano é atividade, por excelência, multidisciplinar, enquanto que o Urbanismo, ao longo da história, se caracterizou como disciplina autônoma (especialmente do ponto de vista profissional). Porém, os limites entre o planejamento e o urbanismo são pouco claros na prática: intervenções urbanísticas na cidade são comumente tratadas como "obras de planejamento", enquanto que atividades típicas do planejamento (como a criação de um plano diretor), são eventualmente tratadas como "obras de urbanismo".
A questão da definição clara e distinta das duas disciplinas complica-se de fato quando se procura a sua história: é um consenso, no meio acadêmico, que o Urbanismo seja tratado apenas como disciplina autônoma a partir do século XIX e que o planejamento urbano surja como matéria de interesse acadêmico apenas no século XX, mas também é fato que as cidades são planejadas e desenhadas desde o início da civilização. Desta maneira, a história das cidades (ou da urbanização, para ser mais preciso), ocorre paralelamente com a história do homem em sociedade, embora o estudo da intervenção do homem na cidade seja mais recente. A partir do momento em que se considera que o planejamento urbano lida basicamente com o conjunto de normas que regem o uso do espaço urbano (assim como sua produção e apropriação), sua história seria bastante diversa daquela referente ao desenho das cidades.
História do Planejamento Urbano


Pistas de que a civilização humana tem trabalhado com planejamento urbano em escala limitada remonta a 3500 a.C. Muitos historiadores consideram como pai do planejamento urbano o grego Hipódamo e suas teorias e ideias sobre o uso ideal da terra e da localização de ruas e edifícios nas cidades de Mileto e Pireu.
Os muçulmanos são muitas vezes creditados com a criação do zoneamento, criando zonas específicas para estabelecimentos comerciais, residências, culto religioso, etc.
Muitas cidades das civilizações pré-colombianas também construíram suas cidades, considerando um planejamento urbano incluindo sistemas de esgoto e de água corrente. A Cidade de Tenochtitlan-México, capital do Império Azteca, foi construída numa ilha do lago Texcoco onde é hoje a Cidade do México. No seu auge, Tenochtitlan era a maior cidade do mundo, com uma população próxima a 250 mil habitantes.
Antiguidade
A Civilização do Vale do Indo é considerada por muitos como a primeira civilização a desenvolver o senso de planejamento urbano, por volta de 2600 a.C., onde algumas pequenas vilas cresceram em grandes cidades contendo milhares de pessoas, que não trabalhavam primariamente na agricultura, criando uma cultura unificada. O repentino aparecimento dessas grandes cidades, bem como o crescimento e a formação organizada destas cidades, parece ser o resultado de um esforço planejado e deliberado. Alguns assentamentos da Civilização do Vale do Indo aparentemente foram designados segundo um plano desenvolvido. As ruas de cidades como Mohenjo-daro e Harappa também foram desenhadas segundo um padrão de gradeamento imperfeito, com uma hierarquia de ruas (avenidas comerciais para pequenas vias residenciais), de modo a proteger as áreas residenciais da poluição sonora, de fortes odores e de ladrões existentes próximos às áreas urbanas.
Os antigos romanos utilizaram um padrão consolidado de planejamento urbano, voltado para defesa militar e conveniência civil. O plano básico é uma praça quadrada central com serviços urbanos, cercados por uma grade compacta de ruas, tudo cercado por um muro para defesa. Para reduzir o tempo necessário para locomoção, duas ruas em diagonal cruzam pela praça quadrada. Um rio geralmente corre dentro da cidade, para obtenção de água potável e transporte, e despejo de esgoto, até mesmo durante cercos. Muitas cidades europeias ainda conservam a essência destes planos, como Turim.
Habitantes de cidades da antiguidade criaram certas áreas destinadas para encontros, recreação, comércio e culto religioso. Muitas destas cidades possuíam muralhas em volta, cujo objetivo era impedir (ou, ao menos, dificultar) o acesso de possíveis inimigos à cidade. A construção de prédios públicos e monumentos são outros exemplos de planejamento urbano nos tempos antigos, das quais, as cidades mais famosas são Roma e Atenas.
Idade Média
Muitas cidades e feudos medievais eram protegidas por muros. Com o crescimento populacional, muitas destas cidades tornaram-se superpopuladas. Para solucionar este problema, algumas cidades derrubavam seus muros (e muitas vezes construindo outra, protegendo uma área maior), e outras simplesmente deixavam seus muros antigos de pé, construindo novas cidades e vilas ao redor da antiga cidade.
A religião fazia parte integral da vida política, cultural e social da Europa da Idade Média, e isto reflete-se nas cidades da época, onde na maioria das vezes, a principal igreja estava localizada no centro da cidade, e era a maior, a mais alta e a mais cara estrutura.
Muitas civilizações da América Latina utilizaram medidas de planejamento urbano em suas cidades, como sistemas de esgoto e água potável. Tenochtitlán, a capital do Império Asteca, foi construída em uma ilha no Lago Texcoco, no que é atualmente o Distrito Federal do México. No seu auge, Tenochtitlán era uma das maiores cidades do mundo à época, com aproximadamente 250 mil habitantes.
Renascimento
Durante o Renascimento, um período de grande desenvolvimento artístico, planejadores urbanos desenhavam partes de uma cidade em grande escala, criando grandes áreas para solucionar a superlotação de tempos antigos. Exemplos são a Catedral de São Pedro, em Veneza, e a Basílica de São Pedro, no Vaticano. Já um exemplo de uma área que foi inicialmente planejada, antes de ter sido construída, é o Palácio de Versalhes, na França, uma mini-cidade por si só.
Alguns artistas conhecidos, como Leonardo da Vinci e Michelangelo, por exemplo, desenharam e ajudaram a embelezar algumas cidades italianas, no século XV e XVI, enquanto Georges-Eugène Haussmann planejou grandes avenidas e praças, em Paris, no século XVIII, que ajudaram a cidade francesa a se tornar reconhecida mundialmente como uma das cidades mais belas do mundo.
Algumas cidades dos Estados Unidos, na América colonial, foram planejadas de antemão, antes de terem sido construídas. Exemplos incluem Charleston, Filadélfia e Savannah. O exemplo mais famoso, porém, é o da atual cidade de Washington, D.C., a atual capital do país. George Washington contratou Pierre Charles L'Enfant, um arquiteto francês, para planejar a cidade.
Revolução Industrial
Com a Revolução Industrial, nos séculos XVIII e XIX, e a criação de fábricas em cidades, a população de muitas cidades europeias e americanas começou a aumentar rapidamente, recebendo milhares de pessoas vindas dos campos, abandonando trabalhos nas áreas rurais para trabalhar na indústria. Isto fez com que cidades da época ficassem superlotadas, sujas e barulhentas. Muitas pessoas viviam em bairros que possuíam péssimas condições sanitárias, nas quais famílias inteiras viviam espremidas em casas de um ou dois cômodos, perto das fábricas.
Reformistas sociais começaram a pedir ao governo que melhorassem tais condições precárias de vida, sugerindo planos como novo zoneamento, com casas, jardins e áreas verdes. Também sugeriram a separação de zonas industriais e residenciais, cada uma em zonas separadas da cidade. Várias municipalidades e governos tomaram medidas para melhorar a qualidade de vida nas cidades, mas à medida que estas continuavam a crescer rapidamente, as poucas medidas tomadas foram insuficientes para surtir algum efeito.
Planejadores urbanos tentaram mostrar a imagem de uma cidade ideal na Feira Mundial de Chicago, em 1893. Largas e grandes avenidas, com grandes estruturas públicas, eram dois dos muitos aspectos numa cidade ideal. A exposição marcou o início do movimento City Beautiful (Bela Cidade, em inglês), nos Estados Unidos.
Século XX - Tempos Atuais
Islamabad no Paquistão.
Até o final do século XIX, o planejamento urbano na maioria dos países industrializados era de responsabilidade de arquitetos, que eram contratados por empresas particulares ou, raramente, pelo governo. Mas o crescimento dos problemas urbanos durante o final do século XIX forçou governos de muitos países, em especial o dos Estados Unidos, a participar mais ativamente no processo de planejamento urbano.
O Movimento Moderno na Arquitetura e no Urbanismo pregava que a atividade de planejar as cidades era matéria de ordem eminentemente técnica, e que, portanto, possuía a neutralidade política inerente ao trabalho científico. Tal pensamento se formalizou especialmente com o trabalho dos CIAM (do francês Congrès Internationaux d'Architecture Moderne, que significa em português "Congressos Internacionais da Arquitetura Moderna") e, especialmente, com a Carta de Atenas. Reflexos deste pensamento urbanístico podem ser observados em projetos de novas áreas de expansão urbana totalmente desvinculados das necessidades efetivas das comunidades que aí morariam. O plano-piloto da cidade de Brasília é considerado o exemplo mais perfeito deste tipo de urbanismo modernista.
Entre 1900 e 1930, muitas cidades nos Estados Unidos introduziram comissões de planejamento urbano e leis de zoneamento. Um dos mais famosos planos de revitalização urbana desse período foi o Plano Burham, que revitalizou uma grande parte da cidade de Chicago.
A explosão populacional das décadas de 1950 e 1960 criou problemas como congestionamentos, poluição, aparecimento ou crescimento de favelas e falta de moradia. Para vencer os novos desafios destas cidades em crescimento, agências de planejamento urbano precisaram expandir seus programas, incluindo novas residências, áreas recreacionais e melhores distritos comerciais e industriais.
Atualmente, o planejamento urbano de uma cidade é geralmente feito por acordos entre agências governamentais e empresas privadas, especialmente nos países desenvolvidos. Nos países subdesenvolvidos, porém, o planejamento urbano passa por um momento de redefinição. Se, por um lado, tais países atravessaram longos períodos de planejamento centralizador e autoritário (não raro resultando em periferias urbanas espraiadas, estruturadas por projetos residenciais movidos mais pelo caráter quantitativo que pelo qualitativo), nas últimas duas décadas, o planejamento urbano no Brasil, por exemplo, tem procurado colocar-se como possível mediador no conflito social pelo solo urbano. O foco do planejamento, pelo menos academicamente, deslocou-se do regulamento do uso e ocupação do solo para o tratamento dos processos especulativos de produção do espaço urbano, colocando-se contra ou a favor deles. Surge daí a ideia de planejamento urbano participativo (trabalhada, por exemplo, por teóricos como Ermínia Maricato, ex-Secretária Executiva do Ministério das Cidades), no qual as decisões são tomadas através de um processo democrático no qual o profissional não assume mais o papel de "autor do plano", mas de "condutor do processo". Contrariamente a esta tendência, teóricos internacionais, como Manuel Castells, propõem o que se convencionou chamar de planejamento urbano estratégico, que procura tratar as cidades sob a lógica da guerra fiscal e de sua localização na suposta nova rede de cidades globais.