Plano Trienal: A Crise de 1963 e o Caminho para o Golpe

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A Apresentação do Plano Trienal (1963)

Em 31 de dezembro de 1962, uma semana antes da realização do plebiscito que consagraria a vitória do presidencialismo e a confirmação de João Goulart na Presidência, foi apresentado à nação o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, coordenado pelo economista Celso Furtado, nomeado ministro extraordinário para Assuntos do Desenvolvimento Econômico em janeiro. Diante de uma crise política ultrapolarizada e acirrada por uma inflação de 50% ao ano, o plano propunha combate ortodoxo à carestia, mas não era exclusivamente "monetarista". Mais do que um ajuste fiscal para estabilizar a economia, Furtado propôs uma estratégia de "reformas de base" para mudar o país.

Durou seis meses. Essa foi a maior chance perdida de se evitar o Golpe de 1964. Torpedeado pela direita, pela esquerda e por seu irrealismo, o Plano Trienal naufragou em junho de 1963, quando Goulart afastou Furtado, extinguiu seu ministério e demitiu o Ministro da Fazenda, Francisco San Tiago Dantas. No lugar de Dantas assumiu o secretário da Fazenda de São Paulo, Carlos Alberto Carvalho Pinto, convocado para a missão improvável de equilibrar a economia, à qual renunciou em seis meses. No fim do ano, a inflação passou de 80%. Três meses depois, veio o golpe.

A Irredutibilidade Política e a Crise de Prioridades

Fiel à tradição de acomodação inflacionária dos conflitos distributivos, a liderança política mostrou-se irredutível na aversão à escolha entre os objetivos contraditórios de conter os déficits e de impulsionar o crescimento econômico — tal como se verifica em 2016. A sociedade não conseguiu estabelecer prioridades para adotar uma política de contenção da crise.

Em junho de 1962, San Tiago Dantas advertira que chegara "o momento em que certas necessidades se tornam imperativas", porque "quem não dispõe de recursos ilimitados e tem diante de si problemas que os ultrapassam, tem necessidade de planejar para criar uma ordem de prioridades". O problema era ninguém estar disposto a negociar a sua prioridade.

O Contexto Econômico Pré-Plano Trienal

Após a expansão econômica do Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek, marcado por farto ingresso de capital estrangeiro e investimentos em energia, transporte, alimentação, indústria de base e educação, o déficit das contas públicas se agravara. A diminuição das receitas de exportação provocada pela queda dos preços internacionais do café e o financiamento inflacionário do custo da construção de Brasília, jamais contemplado no Plano de Metas — cerca de 3% do PIB —, produziram deterioração da balança de pagamentos, indisciplina fiscal, emissão de moeda e aceleração inflacionária. A dívida externa passou de US$ 2,3 bilhões em 1960 para US$ 3 bilhões no fim de 1962.

Em 1961, o governo Jânio Quadros tentou estabilizar a economia desvalorizando o cruzeiro, unificando o mercado cambial e renegociando a dívida externa. Mas o desarranjo gerado pela renúncia, em agosto, provocou efeito inverso, produzindo descontrole monetário, fiscal e creditício. Em nove meses, o governo emitiu Cr$ 87 bilhões, Cr$ 58 bilhões nas duas semanas entre a rebelião militar contra a posse de Goulart e a vitória da Campanha da Legalidade. O país entrou em transe de guerra civil e só escapou porque os políticos "inventaram" a saída parlamentarista.

Metas e Contradições do Plano Trienal

Em 1963, o Plano Trienal tinha a seu favor a vitória do presidencialismo no plebiscito (9 milhões de votos contra 2 milhões) e o primeiro ministério do governo Goulart, moderado e de alto nível intelectual, teoricamente em condições de apoiar as reformas. O contexto, entretanto, era inflamado pela radicalização da Revolução Cubana e pela Guerra Fria. A política externa independente desde Jânio agravara as divergências com os EUA. A curto prazo, Furtado propôs ajuste anti-inflacionário ortodoxo que deflagraria recessão atenuada, com correção de preços defasados, redução do déficit público e controle da expansão do crédito e dos salários. Em longo prazo, o plano previa metas ambiciosas para três anos:

  • Redução da inflação de 1963 para 25%;
  • 10% em 1964;
  • 7% de expansão do PIB;
  • 60% de redução do déficit público.

A ditadura militar posterior, com amplos poderes, só conseguiu atingir esses objetivos em dez anos.

Além disso, o programa pretendia:

  • Abolir subsídios;
  • Refinanciar a dívida externa em colaboração com o FMI;
  • Orientar o desenvolvimento;
  • Reduzir disparidades sociais e regionais;
  • Implantar as reformas agrária e administrativa;
  • Investir em educação, saúde, ciência e tecnologia.

Na época, muitos viam na arquitetura do Plano Trienal a pressão de forças políticas antagônicas, às quais o governo pretendia atender tentando dar tudo a todos, sem que os contemplados concordassem em pagar o ônus correspondente. As escolhas conflituosas eram difíceis de conciliar. Compatibilizar crescimento com contenção de inflação não é fácil. Apertar a liquidez e os salários dificulta a correção de desajustes sociais e regionais.

"A questão consistia em saber de que lado se cortaria a carne", escreveu Luiz Alberto Moniz Bandeira num livro clássico sobre o período, O Governo João Goulart: As Lutas Sociais no Brasil, 1961-1964 (1977). "Ou o governo completava as medidas de estabilização monetária, de acordo com o figurino do FMI, comprimindo os salários etc., ou reorientava o desenvolvimento no sentido da redistribuição de renda, mediante crescente intervenção do Estado na economia, com limitação dos lucros extraordinários, controle de remessas para o exterior, tabelamento de preços, reforma agrária, enfim, medidas drásticas e transformações de base, de caráter democrático e nacional. Qualquer das duas opções ultrapassava a força do governo para exigir um governo de força."

A Resistência Política e o Desmantelamento do Plano

O que não faltou foi força para acelerar a crise. Logo na largada, vários ministérios resistiram à reforma administrativa e à transformação do Ministério do Planejamento num "superministério" encarregado da execução do Plano Trienal. Goulart conciliou passando a coordenação do plano ao Ministério da Fazenda, contrariando Furtado. Em janeiro, subsídios foram abolidos e aumentos no trigo, nos derivados do petróleo e no aço foram anunciados, assim como um reajuste nas tarifas de transportes urbanos.

O Congresso abriu o esperado debate sobre a reivindicação de 80% de aumento para o funcionalismo civil e militar, que Furtado e Dantas queriam limitar a 40%. Diante da preparação de uma greve nacional, aprovou-se um reajuste de 60%. Por sua vez, a indústria automobilística, com a Ford e a Willys à frente, ameaçou encerrar as atividades no país se o governo não aumentasse suas linhas de crédito, levando o Ministério da Fazenda a reconsiderar os limites do plano.

Em março, Dantas foi a Washington para reescalonar o pagamento da dívida externa, obter ajuda e contornar os problemas decorrentes da alteração da lei de remessa de lucros do capital estrangeiro e da estatização das empresas americanas Amforp e ITT, de energia e telefone, pelo governador gaúcho, Leonel Brizola, em 1962.

A percepção de esforço anti-inflacionário claudicante não ajudou. Dos US$ 398 milhões concedidos como empréstimos novos, só US$ 84 milhões seriam desembolsados, sendo US$ 30 milhões para compensar a ITT. Inconformado, Brizola foi à TV classificar o acordo como "crime de lesa-pátria" e pedir a demissão de Dantas. Em abril, o subsídio às importações de trigo e petróleo foi reintroduzido. O salário mínimo foi reajustado em 56%. As restrições do plano foram criticadas pelo Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), o Pacto de Unidade e Ação (PUA), o Foro Sindical e os Conselhos Permanentes das Organizações Sindicais (CPOS), que denunciaram o seu caráter recessivo e a "submissão" dos interesses nacionais aos EUA.

O Fim do Plano e a Ruptura Constitucional

Em junho, as contas públicas deterioraram com o anúncio de que o déficit governamental crescera 30%. A inflação subiu 30% nos primeiros seis meses. Encurralado e sob constantes acusações de "vacilação", Goulart desistiu de conciliar reformas de base com estabilização econômica, afastou Furtado e Dantas e promoveu reforma ministerial mais favorável à esquerda. Para contrabalançar, nomeou o relutante Carvalho Pinto para a tarefa de impedir o descarrilamento.

A insegurança aumentou com a revolta dos sargentos, em Brasília, em setembro, e o pedido de Estado de Sítio, por Goulart, em outubro, rechaçado pela esquerda e pela direita. Líderes "centristas" que haviam apoiado a Campanha da Legalidade em 1961 — como os governadores Magalhães Pinto, Adhemar de Barros, Ney Braga e Mauro Borges e generais como Peri Bevilaqua e Amaury Kruel — passaram a aderir à coligação conservadora do status quo e à conspiração militar pregada pela Cruzada Democrática e pelo governador Carlos Lacerda. Na prática, o governista PSD inclinou-se para a oposicionista UDN.

Em 19 de dezembro de 1963, Carvalho Pinto pediu demissão informando o presidente não haver "mínimas condições necessárias à obtenção de qualquer resultado útil". Descartado o ajuste, o déficit previsto de Cr$ 300 bilhões chegou a Cr$ 500 bilhões. A emissão de moeda, prevista para Cr$ 111 bilhões, ultrapassou Cr$ 380 bilhões. Em janeiro de 1964, a inflação passou de 81% e as famílias passaram a armazenar alimentos. Em meio a ameaças, provocações e medo, a crise entrou em fase terminal até a ruptura constitucional, em março.

A Autocrítica de Celso Furtado

Um ano após o colapso da democracia — que perdurou por 21 anos —, Furtado apresentou uma autocrítica, em Londres, em fevereiro de 1965, na conferência Obstacles to Change in Latin America, realizada no Royal Institute of International Affairs. Na ocasião, afirmou que o Plano Trienal só daria certo em uma sociedade que houvesse "tomado plena consciência de seus problemas, formulado um projeto com respeito ao seu futuro e criado um sistema de instituições capaz de operar no sentido da realização desse projeto". Sem instituições legítimas e sólidas, "evidentemente, o Brasil está longe de reunir as condições requeridas para a formulação de uma política de desenvolvimento concebida nesses termos", admitiu.

Isso foi há 50 anos.

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