Portugal, 25 de Abril e a Nova Ordem Mundial (1968-1991)
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A Transição para a Democracia em Portugal (1968-1974)
A Primavera Marcelista: Reformismo Político Não Sustentado
Em 1968, perante a intensificação da oposição interna e das denúncias internacionais do colonialismo português, o afastamento de Salazar por doença parecia finalmente abrir as portas do regime à liberalização democrática. A presidência do Conselho de Ministros foi entregue a Marcello Caetano, que subordinou a sua ação política a um princípio original de renovação na continuidade. Pretendia o novo governante conciliar os interesses políticos dos setores conservadores com as crescentes exigências de democratização do regime. Continuidade para uns, renovação para outros. Numa primeira fase da sua ação governativa, Marcello Caetano empreendeu alguma dinâmica reformista ao regime:
- Permissão do regresso de alguns exilados, como o Bispo do Porto e Mário Soares;
- Abrandamento na repressão policial e na censura;
- Abertura da União Nacional, rebatizada, na década de 70, Ação Nacional Popular (ANP);
- A PIDE muda de nome para Direção-Geral de Segurança (DGS);
- Direito ao voto da mulher alfabetizada;
- Legalização de movimentos políticos opositores ao regime;
- Permissão de consulta dos cadernos eleitorais e fiscalização das mesas de voto;
- Reforma democrática do ensino.
Foi neste clima de mudança, que ficou conhecido como «Primavera Marcelista», que se prepararam as eleições legislativas de 1969, onde a oposição pura e simplesmente não elegeu qualquer deputado. As eleições acabaram por constituir mais uma fraude. A Assembleia Nacional continuava dominada pelos eleitos na lista do regime, incluindo apenas uma ala liberal de jovens deputados cuja voz era abafada pelas forças conservadoras, acabando por abandonar a Assembleia. Acabadas as esperanças de uma real democratização do regime, Marcello Caetano viu-se sem o apoio dos liberais, e alvo da hostilidade dos núcleos mais conservadores, que imputavam à política liberalizadora a onda de instabilidade que, entretanto, assolara o País. Desta forma, Marcello Caetano começa a dar sinais de esquecer a evolução e privilegia a continuidade:
- Movimento de contestação estudantil, reprimido pelo regime;
- Intensificação novamente da censura e repressão policial (nova vaga de prisões);
- Alguns opositores, como Mário Soares, são novamente remetidos ao exílio;
- Américo Tomás (77 anos e conotado com a ala ultraconservadora) é reconduzido novamente ao cargo de Presidente da República, por um colégio eleitoral restrito.
Alvo de todas as críticas, incapaz de evoluir para um sistema mais democrático, o regime continuava, ainda, a debater-se com o grave problema da guerra colonial.
O Impacto da Guerra Colonial
A política de renovação tentada por Marcello Caetano também teve reflexos na questão colonial:
- A presença colonial nos territórios africanos deixa de ser afirmada como uma “missão histórica” ou questão de “independência nacional” para ser reconhecida por questões de defesa dos interesses das populações brancas que há muito aí residiam;
- No seguimento deste novo caráter da colonização portuguesa, já se admite o princípio da “autonomia progressiva” e concede-se o título honorífico de Estado às províncias de Angola e Moçambique – “Estados Honoríficos” – que são dotadas de governos, assembleia e tribunais próprios, ainda que dependentes de Lisboa.
Apesar deste novo estatuto vir a ser consagrado na Constituição, em 1971, pouco ou nada mudava para os movimentos independentistas e para a conjuntura internacional que lhes era favorável. Assim, a guerra prossegue à medida que se acentua o isolamento internacional de Portugal, evidenciado:
- Pela receção dos principais dirigentes dos movimentos de libertação pelo Papa Paulo VI, em 1970, traduzida numa humilhação sem paralelo da administração colonial portuguesa;
- Pelas manifestações de protesto que envolveram a visita de Marcello Caetano a Londres, em 1973, em consequência do conhecimento internacional dos massacres cometidos pelo Exército Português em Moçambique;
- Pela declaração unilateral da independência da Guiné-Bissau, ainda em 1973, e seu reconhecimento pela Assembleia Geral da ONU.
Entretanto, também internamente, apesar da atuação da censura, são conhecidas as denúncias da injustiça da Guerra Colonial e os apelos à solução do conflito:
- Os deputados liberais começam, em sinal de protesto, a abandonar a Assembleia Nacional, proliferando os grupos oposicionistas de extrema-esquerda, crescendo a contestação dos católicos progressistas;
- O General António de Spínola, herói da guerra da Guiné, publica a obra Portugal e o Futuro, onde, segundo relata, Marcello Caetano proclamou abertamente a inexistência de uma solução militar para a guerra de África, que, por outras palavras, a guerra estava perdida, e que ele mesmo se deu conta que o golpe militar era inevitável.
O Movimento das Forças Armadas e a Eclosão da Revolução
Em 1974, enquanto o regime agonizava, o problema da guerra colonial continuava por resolver. Na Guiné, onde o PAIGC ocupava parte significativa do território e já tinha declarado a independência unilateral, a guerra estava perdida. A situação em Angola e Moçambique continuava num impasse. Entretanto, intensificava-se a condenação internacional da política colonial do regime à medida que cresciam os apoios políticos e militares aos movimentos independentistas. Perante a recusa de uma solução política pelo Governo marcelista, os militares entenderam que se tornava urgente pôr fim à ditadura e abrir o caminho para a democratização do país. Tanto mais que a esta conjuntura política se viria a juntar:
- A Guerra Colonial;
- O livro Portugal e o Futuro de Spínola, que influencia os jovens oficiais (contestava a política colonial, defendia a liberalização do regime, a adesão de Portugal à CEE e o fim da guerra colonial, com a constituição de uma federação de Estados);
- A questão da promoção na carreira de jovens oficiais portugueses;
- A formação do movimento dos capitães (1973);
- A manutenção da guerra colonial (Marcello Caetano faz ratificar pela Assembleia Nacional a política colonial);
- A convocação dos generais das Forças Armadas para uma sessão solene em que seria reiterada a sua lealdade ao governo. Costa Gomes e Spínola não compareceram, resultando na exoneração dos seus cargos;
- A formação do MFA (Movimento das Forças Armadas).
O 25 de Abril de 1974
São as Forças Armadas, assim organizadas, que vêm para a rua na madrugada de 25 de Abril de 1974 e conseguem levar a cabo uma ação revolucionária que pôs fim ao regime de ditadura que vigorava desde 1926. A ação militar, sob coordenação do Major Otelo Saraiva de Carvalho, teve início cerca das 23 horas do dia 24 com a transmissão, pela rádio, da canção “E Depois do Adeus”, de Paulo de Carvalho. Era a primeira indicação aos envolvidos no processo de que as operações estavam a decorrer com normalidade. Às 0:20 do dia 25 de Abril, era transmitida a canção “Grândola, Vila Morena”, de José Afonso. Estava dado o sinal de que as unidades militares podiam avançar para a ocupação dos pontos considerados estratégicos para o sucesso do ato revolucionário, como as estações de rádio e da RTP, os aeroportos civis e militares, as principais instituições de direção político-militar, entre outros. Com o fim da resistência do Regimento de Cavalaria 7, a única força que saiu em defesa do regime em confronto com o destacamento da Escola Prática de Cavalaria de Santarém comandado pelo Capitão Salgueiro Maia, no Terreiro do Paço, e com a rendição pacífica de Marcello Caetano, que dignamente entregou o poder ao General Spínola, terminava, ao fim da tarde, o cerco ao quartel da GNR, no Carmo, e terminava, com êxito, a operação “Fim do Regime”. Entretanto, já o golpe militar era aclamado nas ruas pela população portuguesa, cansada da guerra e da ditadura, transformando os acontecimentos de Lisboa numa explosão social por todo o país, uma autêntica revolução nacional que, pelo seu caráter pacífico, ficou conhecida como a «Revolução dos Cravos».
Desmantelamento das Estruturas do Estado Novo
A adesão pacífica da população ao ato revolucionário dos agora chamados Capitães de Abril constituiu um poderoso estímulo para que, imediatamente e sem quaisquer reservas, se desse início ao processo de desmantelamento do regime deposto. Para garantir a normalidade governativa possível, foi prontamente nomeada uma Junta de Salvação Nacional, com António Spínola, na qualidade de representante do MFA, na presidência, a quem foram entregues os principais poderes do Estado, até à formação de um Governo Provisório civil. A esta instituição coube levar a cabo o processo de desmantelamento do regime, previsto no programa do MFA:
- Exílio do Presidente da República e Primeiro-Ministro;
- Desmantelamento da PIDE, DGS, Legião Portuguesa, Censura, etc.;
- Amnistias aos presos políticos, bem como aos exilados políticos;
- Formação de partidos políticos e sindicatos livres (direito à greve);
- Promessa de eleições constituintes no prazo mínimo de um ano, bem como passar o poder para as mãos dos civis;
- Em 15 de maio, para normalizar a situação política, António de Spínola é nomeado Presidente da República e o advogado Adelino da Palma Carlos é convidado para presidir à formação do I Governo Provisório.
Tensões Político-Ideológicas e o Processo Revolucionário
O Período Spínola
Poucos dias passados sobre o golpe militar, os anseios de justiça social, longamente reprimidos, tinham já explodido numa onda de reivindicações laborais, greves, manifestações constantes. Embora influenciada pelos partidos de esquerda, esta efervescência social era, em grande parte, espontânea e, por isso, dificilmente controlável. Carente de autoridade e incapaz de assumir uma efetiva liderança do País, o I Governo Provisório demitiu-se menos de dois meses após a tomada de posse. De facto, o poder político fracionara-se já em dois polos opostos: de um lado, o grupo afeto ao General Spínola; do outro, a comissão coordenadora do MFA e os seus apoiantes. Spínola idealizou um projeto federalista para a África portuguesa, no entanto, progressivamente foi perdendo terreno face às forças esquerdistas do MFA, adeptas da «independência pura e simples» dos territórios ultramarinos e da revolução social. É com a nomeação do Brigadeiro Vasco Gonçalves para chefiar o II Governo Provisório (primeiro-ministro) e com a presença reforçada dos militares no elenco governativo que se consagra a perda de influência do presidente, e é com o direito dos povos africanos à independência, que Spínola reconhece a contragosto, que se acaba por demitir a 30 de setembro, na sequência do fracasso de uma manifestação em seu apoio, eficazmente boicotada pelas forças de esquerda. A Junta de Salvação Nacional, que o impacto da demissão de Spínola reduzira a três membros (o General Costa Gomes, os Almirantes Pinheiro de Azevedo e Rosa Coutinho), indigita Costa Gomes para a Presidência da República.
A Radicalização do Processo Revolucionário (PREC)
A partir deste momento a Revolução tende a radicalizar-se. Otelo Saraiva de Carvalho, o estratega do 25 de Abril, aparece cada vez mais afeto à extrema-esquerda. À frente do Comando Operacional do Continente (COPCON), assina uma série de ordens de prisão de elementos moderados. O primeiro-ministro Vasco Gonçalves, que chefiará quatro governos provisórios (do II ao V), evidencia uma forte ligação ao Partido Comunista, que adquire crescente protagonismo no aparelho do Estado. Numa derradeira tentativa de contrariar esta inflexão, no dia 11 de março do ano seguinte, os militares afetos a Spínola e sob tutela política, correspondendo às crescentes preocupações das forças políticas mais conservadoras sobre o rumo do processo revolucionário, tentam levar a cabo um golpe com o objetivo de travar o ímpeto revolucionário das forças de esquerda. Este golpe foi facilmente dominado pelo MFA (que obrigou Spínola a exilar-se em Espanha), daí a criação da Junta de Salvação Nacional, como forma de evitar novos golpes. Em consequência, numa Assembleia das Forças Armadas, forma-se o Conselho da Revolução, que passa a funcionar como órgão executivo do MFA, tornando-se o verdadeiro centro do poder, visto que a Junta de Salvação Nacional e do Conselho do Estado extinguem-se, entretanto. Evidenciando uma ligação clara ao ideário e ao programa do Partido Comunista, o Conselho da Revolução propõe-se orientar o Processo Revolucionário em Curso (PREC) que, assumidamente, conduziria o País rumo ao socialismo. Entretanto, a agitação social cresceu a olhos vistos, orientando-se por uma filosofia igualitária e pela miragem do poder popular. Por todo o país se procede a saneamentos sumários de quadros técnicos e outros funcionários considerados de «direita»; nas empresas privadas, as comissões de trabalhadores destituindo os corpos gerentes; nas cidades e vilas constituem-se «comissões de moradores» e «comités de ocupantes», que levam a cabo a ocupação de vagas (do Estado ou de particulares), quer para fins habitacionais, quer para a instalação de equipamentos sociais de iniciativa popular; no sul, a Reforma Agrária toma uma feição extremista com a ocupação das grandes herdades pelos trabalhadores rurais, que as transformaram em «unidades coletivas de produção». Este ambiente anárquico gerou um clima de opressão e medo nas classes média e alta que levou milhares de Portugueses a abandonarem o País. Tudo parecia, nesta altura, encaminhar Portugal para a adoção de um modelo coletivista, sob a égide das Forças Armadas.
As Eleições de 1975 e a Inversão do Processo Revolucionário
A inversão do processo deveu-se, em grande parte, ao forte impulso dado pelo Presidente Socialista à efetiva realização, no prazo marcado, das eleições constituintes prometidas pelo programa do MFA.
Estas eleições, as primeiras em que funcionou o sufrágio verdadeiramente universal (puderam votar os cidadãos com mais de 18 anos, independentemente do sexo e do grau de escolaridade) realizaram-se no dia 25 de Abril de 1975, marcando a vida cívica e política portuguesa. Acorreram às urnas 91,7% dos eleitores, tendo sido o maior universo eleitoral de sempre na História do País, e tanto a campanha como o ato eleitoral decorreram dentro das normas de respeito e de pluralidade democrática. Nestas eleições, sai vencedor o Partido Socialista que, por essa razão, passa a reclamar maior intervenção na atividade governativa. Todavia, a preponderância política continuou a ser detida pelo Partido Comunista com o apoio do setor mais radical do MFA e do Conselho da Revolução, que se constituem como os verdadeiros detentores do poder, provocando o abandono do Governo pelos socialistas. Viviam-se os tempos do Verão Quente de 1975, em que esteve iminente o confronto entre os partidos conservadores e os partidos de esquerda. Este verão de 1975 ficou marcado pelas gigantescas manifestações de rua, assaltos a sedes partidárias e pela proliferação de organizações armadas revolucionárias de direita e de esquerda. É em pleno «Verão Quente» que um grupo de nove oficiais do próprio Conselho da Revolução, encabeçados pelo Major Melo Antunes, critica abertamente os setores mais radicais do MFA. Esta atuação hábil destas forças moderadas levou à:
- Destituição do primeiro-ministro Vasco Gonçalves;
- Formação de novo Governo (o VI, chefiado por Pinheiro de Azevedo);
- Nomeação do Capitão Vasco Lourenço (um dos «nove») para o comando da região militar de Lisboa, em substituição de Otelo (24 de novembro).
Estas alterações são o rastilho para um último golpe militar, desferido em 25 de novembro pelos paraquedistas de Tancos, em defesa de Otelo e do processo revolucionário. Este golpe que por pouco não colocou o País numa guerra civil, acabou por se malograr e, com ele, as tentativas da esquerda revolucionária para tomar o poder. Ficava aberto o caminho para a implantação de uma democracia liberal.
Política Económica Antimonopolista e Intervenção do Estado
A onda de agitação social que se desencadeou após o 25 de Abril foi acompanhada de um conjunto de medidas que alargou a intervenção do Estado na esfera económica e financeira. Tomadas em parte sob a pressão das forças político-sociais de esquerda, estas medidas tiveram como objetivo a destruição dos grandes grupos económicos, considerados monopolistas, a apropriação, pelo Estado, dos setores-chave da economia e o reforço dos direitos dos trabalhadores. A intervenção do Estado em matéria económico-financeira encontrava-se já prevista no Programa do I Governo Provisório, que referia a nacionalização dos bancos emissores. Estas intenções foram concretizadas em setembro e pouco depois (novembro), o Estado considera-se no direito de intervir nos bancos cujo funcionamento não contribuísse «normalmente para o desenvolvimento económico do país» (D.-L. 660/74). À luz deste decreto, sobretudo durante o IV e V Governos, os corpos gerentes de numerosas empresas (muitos sob a acusação de sabotagem económica) foram substituídos por comissões administrativas nomeadas pelo Governo.
A intervenção do Estado também se fez sentir nas seguintes áreas:
- Reforma Agrária com a expropriação institucional das grandes herdades e a organização da sua exploração em Unidades Coletivas de Produção (UCP) sob controlo do Partido Comunista, no seguimento das primeiras ocupações de terras nos latifúndios do Ribatejo e do Alentejo.
- Grandes campanhas de dinamização cultural promovidas pelo MFA com o objetivo de explicar às populações do interior rural o significado da revolução, o valor da democracia e a importância do voto popular nos diversos sufrágios em curso, bem como os direitos dos trabalhadores.
- Grandes conquistas dos trabalhadores que viram a sua situação social e económica muito beneficiada: A conquista do direito da greve e da liberdade sindical juntou-se a instituição do salário mínimo nacional, o controlo dos preços dos bens de primeira necessidade, a redução do horário de trabalho, a melhoria das pensões e das reformas, a generalização de subsídios sociais e a publicação de medidas legislativas tendentes a promover as garantias de trabalho pela criação de dificuldades aos despedimentos, sem olhar às reais capacidades económicas e financeiras das empresas.
A Constituição de 1976: O Documento Fundador da Democracia
A 2 de junho de 1975 abriu, em sessão solene, a Assembleia Constituinte. Era a primeira que se reunia desde a elaboração da Constituição de 1911 e, tal como acontecera, os seus trabalhos decorreram num ambiente pós-revolucionário. Apesar de eleitos democraticamente, os deputados não possuíam total liberdade de decisão. Como condição para que se realizassem as eleições, o MFA impusera, aos partidos concorrentes, a assinatura de um compromisso que preservava as conquistas revolucionárias (13 de abril). Este documento, conhecido como Primeiro Pacto MFA-Partidos, foi substituído por um segundo pacto, mais moderado mas igualmente condicionador da capacidade legislativa da Constituinte. Fruto destes compromissos, das convicções dos deputados eleitos e também do ambiente de pressão política que então se viveu, a Constituição reitera a via de «transição para o socialismo» já encetada e considera «irreversíveis» as nacionalizações e as expropriações de terras efetuadas. Mantém, igualmente, como órgão de soberania, o Conselho da Revolução, considerado o garante do processo revolucionário. Para além disso, a Constituição define Portugal como «um Estado de direito democrático», reconhece o «pluralismo» partidário e confere a todos os cidadãos «a mesma dignidade social». Esta opção liberalizante vê-se reforçada pela adoção dos princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem, pela eleição direta, mediante sufrágio universal, da Assembleia Legislativa e do Presidente da República, pela independência dos tribunais, entre outras disposições. O respeito pela vontade popular exprimiu-se ainda na concessão de autonomia política às regiões insulares dos Açores e da Madeira e na instituição de um modelo de poder local descentralizado e eleito por via direta. A nova constituição entrou em vigor no dia 25 de Abril de 1976, exatamente dois anos após a «Revolução dos Cravos». O seu texto resultou do compromisso das diferentes conceções ideológicas defendidas pelos partidos da Assembleia e congregou ainda medidas de exceção revolucionária. No entanto, e apesar de todas as críticas e alterações de que foi alvo, a Constituição de 1976 foi, sem dúvida, o documento fundador da democracia portuguesa.
O Processo de Descolonização e o Reconhecimento Nacionalista
O outro processo imediatamente iniciado foi a descolonização. Logo na noite do 25 de Abril, por pressão do General Spínola, a afirmação do «claro reconhecimento do direito à autodeterminação» dos territórios africanos, que constava do programa previamente elaborado pelo MFA, foi eliminada. Em seu lugar declarava-se, apenas, a intenção de implementar «uma política ultramarina que conduza à paz». O país dividiu-se no caminho a tomar. Como o próprio Spínola reconheceria mais tarde, o tempo em que teria sido possível adotar o modelo federalista que advogara em Portugal e o Futuro tinha, há muito, passado. Ainda no rescaldo do golpe militar, as pressões internacionais começam a fazer-se sentir. A 10 de maio, a ONU e a OUA (Organização da União Africana) apelam à Junta de Salvação Nacional para que, inequivocamente, consagre o princípio da independência das colónias. Durante os meses que se seguiram, a OUA interferiu no processo negocial exigindo a independência de todos os territórios. Os movimentos de libertação unem-se no mesmo sentido. A nível interno, a «independência pura e simples» das colónias colhia o apoio da maioria dos partidos que se legalizaram depois do 25 de Abril e também nesse sentido se orientavam os apelos das manifestações. É nesta conjuntura que o Conselho de Estado aprova a Lei 7/74, reconhecendo o direito das colónias à independência, decisão que o Presidente da República comunica aos Portugueses, a 27 de julho, numa declaração considerada «histórica». Intensificam-se, então, as negociações com o PAIGC (para a Guiné e Cabo Verde), a FRELIMO (para Moçambique) e o MPLA, a FNLA e a UNITA (para Angola), únicos movimentos aos quais Portugal reconhece legitimidade para representarem o povo dos respetivos territórios. As negociações decorreram sem dificuldades de maior, exceto com Angola, dada a existência de três movimentos de libertação, mas, em janeiro de 1975, assinava-se, no Alvor, o acordo que marcava a independência desta nossa antiga colónia para 11 de novembro do mesmo ano. Com a exceção da Guiné, cuja independência foi efetivada logo em 10 de setembro de 1974, os acordos institucionalizavam um período de transição, em que se efetuaria a transferência de poderes. Neste período, estruturas conjuntas de Portugal e dos movimentos de libertação assegurariam o respeito pela legalidade e pela ordem. No entanto, Portugal encontrava-se numa posição muito frágil, quer para impor condições, quer para fazer respeitar os acordos: o slogan da extrema-esquerda «Nem mais um soldado para as colónias», a desmotivação generalizada do exército, a deterioração das relações entre os militares africanos e os comandos europeus e a instabilidade política que se vivia na metrópole retiraram ao nosso país a capacidade necessária para fazer face aos conflitos que, naturalmente, surgiram.
Desta forma, não foi possível assegurar, como previsto, os interesses dos Portugueses residentes no Ultramar. Em Moçambique, os confrontos, que rapidamente tomaram um cariz racial, iniciaram-se quase de imediato, desencadeando a fuga precipitada da população branca. Mas o caso mais grave foi, naturalmente, o de Angola. Os três movimentos mostraram-se incapazes de ultrapassar os seus antagonismos; o Governo de transição nunca funcionou e acabou por ser abandonado pela FNLA e pela UNITA, o que obrigou o nosso país a decretar a suspensão do Acordo de Alvor; também não chegou a proceder-se, como previsto, à constituição de forças armadas mistas. Em vez disso, MPLA, FNLA e UNITA reforçaram as suas fileiras próprias, munindo-se de armamento estrangeiro e mobilizando todos os seus efetivos. Em março de 1975, a guerra civil em Angola era já um facto e nos meses de setembro e outubro, uma autêntica ponte aérea evacua de Angola os cidadãos portugueses que pretendem regressar. Em 10 de novembro (vésperas da data acordada para a independência), depois de demoradas consultas aos órgãos de soberania e de diligências na ONU, o Presidente da República decide, na impossibilidade de cumprir os Acordos do Alvor, transferir o poder para o povo angolano, não reconhecendo qualquer estrutura governativa afeta aos movimentos de libertação. Fruto de uma descolonização tardia e apressada e vítimas dos interesses de potências estrangeiras, os territórios africanos não tiveram um destino feliz.
- A Guiné, tornada república popular (tal como Angola e Moçambique), foi o palco de violência política e golpes de Estado militares.
- Moçambique, que arvorou em paz a bandeira da independência, foi depois sacudido por uma sangrenta guerra civil.
Em Angola, o Governo do MPLA acabou por ser reconhecido internacionalmente mas nem por isso a paz voltou ao território. A despeito de todos os esforços, as forças da UNITA e do MPLA confrontaram-se até 2002, quando o líder daquele movimento, Jonas Savimbi, foi assassinado. O povo de Angola viveu, pois, desde 1961, um clima de guerra permanente.
A Revisão Constitucional de 1982 e as Instituições Democráticas
Com a Constituição de 1976 ficaram garantidos os direitos de todos os cidadãos:
- Foi instituído em Portugal um regime democrático pluripartidário descentralizado;
- Foram definidas eleições livres por sufrágio universal;
- A estrutura económica acentuava-se na transição para o socialismo;
- Foi definido um período de 4 anos de transição entre o poder militar e o poder político.
Após este período, o pacto MFA/Partidos é substituído por um acordo entre o PS, PSD e CDS que acusavam a constituição de ser demasiado socialista, propondo uma revisão constitucional que termina em setembro de 1982 com as seguintes alterações. Ao nível da economia suavizaram os princípios socializantes das nacionalizações e da reforma agrária mas, foi ao nível dos órgãos de soberania que as alterações foram mais evidentes:
- Aboliram o Conselho da Revolução que passou a ser substituído pelo Conselho de Estado, assistindo este o Presidente da República em todas as decisões de importância nacional;
- Na justiça, os juízes passam a ser nomeados pelos conselhos superiores de magistratura e não pelo Ministro da Justiça como pela Constituição de 1976;
- Limitaram os poderes do Presidente da República em favor da Assembleia da República e devido a isto o regime passa a estar entregue à sociedade civil e aos partidos, assumindo-se assim como uma democracia parlamentar com os seguintes órgãos:
Órgãos de Soberania:
- Presidente da República: eleito por sufrágio, tem um mandato de 5 anos, tem o poder de veto suspensivo das leis, elege o Primeiro-Ministro, pode demitir o governo, pode dissolver a Assembleia da República;
- Assembleia da República: constituída pelos deputados eleitos, é um órgão legislativo, representa a constituição e a manutenção dos governos, aprovam o orçamento de estado, interpelam o governo;
- Governo: é um órgão executivo, conduz a política geral do país, é representado pelo Primeiro-Ministro;
- Tribunais: são nomeados pelo conselho da magistratura, veem o seu poder verdadeiramente autónomo, nasce o Tribunal Constitucional, registam os partidos políticos.
Com esta revisão constitucional Portugal dá mais um passo evolutivo na instalação de uma democracia pluralista baseada na vontade do seu povo. Com isto espera ver reforçada a sua posição no âmbito das Nações Unidas, dando por terminado todo um período marcado por um regime fascista. A democracia em Portugal baseia-se em devolver ao povo a dignidade perdida e na criação de melhores condições de vida. Assim, fruto deste estado de espírito serão iniciados os processos de descolonização dos territórios sob administração portuguesa.
O Significado Internacional da Revolução Portuguesa
O derrube da mais velha ditadura da Europa mereceu, na comunidade internacional, rasgados elogios, quer pela forma contida e não-violenta como foi conduzido o golpe de Estado, quer pelo programa liberalizador que lhe esteve subjacente. A revolução de abril contribuiu, pois, para quebrar o isolamento e a hostilidade de que Portugal tinha sido alvo, recuperando o País a sua dignidade e a aceitação nas instâncias internacionais. Para além desse reencontro de Portugal com o Mundo, o fim do Governo marcelista teve uma influência apreciável na evolução política espanhola. Os ventos democráticos que, na primavera de 1974, sopraram de Portugal, alimentaram os desejos de mudança e permitiram algumas reformas no seio do próprio regime, contribuindo para endurecer o último ano do franquismo. No entanto, os espanhóis retiraram dela proveitosos ensinamentos, que os ajudaram a evitar o défice de autoridade e a desorientação que se verificou no nosso país. A influência da revolução portuguesa estendeu-se também a África, onde a independência das nossas colónias contribuiu para o enfraquecimento dos últimos bastiões brancos da região, como a Rodésia e a África do Sul. A descolonização portuguesa e a viragem política na Rodésia puseram em maior evidência a desumanidade do regime sul-africano, que, no entanto, em 1994, com as primeiras eleições, fizeram um homem negro como primeiro presidente da África do Sul.
Artes, Letras, Ciência e Técnica no Pós-Guerra
A Importância dos Polos Culturais Anglo-Americanos
Quando a Segunda Guerra Mundial termina, o Mundo não é o mesmo. Muito em particular a Europa não se encontrava em condições de liderar a política internacional nem o próprio processo civilizacional. A guerra destruíra-a como nunca, deixando-a absolutamente arrasada. Aos Estados Unidos, uma das cabeças do mundo bipolar que se desenhou em 1945, coube assumir uma condução do Oriente. Em Nova Iorque produzir-se-ão as alterações mais significativas e as grandes polémicas no mundo da arte. Nos EUA, um generoso mecenato privado irrompia e patrocinava a fundação de galerias e de grandes museus. A Europa devastada pela guerra não fornecia um cenário estimulante para a produção cultural e, por isso, muitos foram os intelectuais que a América anglo-saxónica acolheu e incentivou. Aos artistas europeus emigrados juntaram-se os talentos americanos, particularmente ativos. Do seu encontro brotou aquela que é designada por Escola de Nova Iorque, a grande responsável pela dinamização das artes no pós-guerra. A ela se deveram as experiências vanguardistas do expressionismo abstrato.
O Progresso Científico e a Inovação Tecnológica
Os avanços científicos, fruto de equipas interdisciplinares de sábios, traduzem-se em avanços tecnológicos que se universalizam e massificam. A Física, a Química e a Biologia foram as ciências em que se processam maiores investigações teóricas. Os seus efeitos tecnológicos mais marcantes fizeram-se sentir na produção e na utilização da energia nuclear, na eletrónica, na informática e na cibernética e, finalmente, nos progressos médicos e alimentares que cuidaram da vida.
Energia Nuclear
Sabemos bem como foi trágica e sinistra a sua primeira aplicação, com as bombas atómicas. Na década de 50, a energia nuclear conheceu fins pacíficos. Desde 1956, a produção de eletricidade por processos nucleares tornou-se tecnicamente possível. Posteriormente, construíram-se submarinos e navios alimentados a partir de energia nuclear.
Eletrónica, Informática e Cibernética
A invenção do transístor (1948) permitiu a miniaturização dos materiais. Uma década depois passou-se à utilização do chip. Estes inventos permitiram o aperfeiçoamento da rádio, televisão, computadores, telefones, eletrodomésticos e automóveis. O laser viria a ser uma das maravilhas eletrónicas do futuro, com aplicações na medicina, no lar e na guerra. Pelo seu impacto civilizacional, o computador merece uma referência especial. A informática registou notáveis avanços e revolucionou todos os domínios da atividade humana. Os computadores aceleram os cálculos, o armazenamento, a recuperação e a distribuição da informação. Os progressos da eletrónica e da informática interligaram-se com a expansão da cibernética e as pesquisas sobre a inteligência artificial. Surgem os robôs, que penetraram na indústria e transformaram profundamente a organização das empresas e as condições do trabalho humano. A automatização assim conseguida contribuiu fortemente para a terciarização da sociedade.
Progressos na Medicina e na Alimentação
Às pesquisas bioquímicas do século XX devem-se grandes progressos na medicina e na alimentação, que preservaram a vida e a prolongaram. A penicilina foi produzida industrialmente na década de 40, permitindo salvar imensas vidas. Efeito semelhante tiveram as vacinas. Os transplantes cardíacos, iniciados em 1967, registaram uma taxa razoável de sucesso, suscitando a confiança progressiva na medicina cirúrgica. Surge a primeira criança cuja conceção ocorreu fora do corpo humano – “fertilização in vitro”. Em 1953 descobre-se a estrutura do ADN e do código genético. As informações genéticas contidas nos filamentos de ADN auxiliaram nas pesquisas patológicas e imunitárias. Resultado de avanços na agronomia, nas técnicas reprodutivas e na genética viria a iniciar-se, em 1962, a chamada “Revolução Verde”. O cultivo de variedades de trigo, milho e arroz, de grandes rendimentos e resistência às pragas, converteu-se num auxiliar precioso para os agricultores empobrecidos, solucionando muitas carências alimentares. Mais bens de consumo foram prodigalizados, a esperança média de vida aumentou e a humanidade ficou, como nunca, interligada por uma rede de comunicações que fez da Terra uma aldeia global.
Media e Hábitos Socioculturais
Os Novos Centros de Produção Cinematográfica
O cinema converteu-se num grande espetáculo de massas, após 1945. A sua magia viu-se perpetuada no esplendor dos filmes a cores, projetados em ecrãs panorâmicos. Surgem superproduções musicais que atraíram multidões e evitaram a decadência dos estúdios. Ao mesmo tempo, Hollywood investia em temáticas socioculturais mais próximas do novo público que frequentava os cinemas. Entretanto, novos centros de produção cinematográfica irrompiam no Mundo. Apesar do seu poder apelativo, que retira espectadores às salas de cinema, a televisão não “mata” a magia do grande ecrã e o cinema, seja espetáculo de entretenimento ou obra séria, preserva o estatuto digno de Sétima Arte.
O Fim da Guerra Fria e a Nova Ordem Mundial
O Fim do Modelo Soviético
Uma Nova Política: Perestroika e Glasnost
Em março de 1985, Mikhail Gorbatchev é eleito secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética. Gorbatchev enceta uma política de diálogo e aproximação ao Ocidente, propondo aos Americanos o reinício das conversações sobre o desarmamento. O líder soviético procura assim criar um clima internacional estável que refreie a corrida ao armamento e permita à URSS utilizar os seus recursos para a reestruturação interna. Neste contexto, Gorbatchev anunciou o seu programa de reformas designado Perestroika. Este programa previa a alteração do modelo de planificação económica em vigor desde Estaline, [descentralizar a economia], através da concessão de mais autonomia às empresas, criação de um setor privado com maior grau de flexibilidade para responder às solicitações do mercado e uma abertura social e política (glasnost, transparência), de modo a incentivar a participação dos cidadãos e na viabilização da realização de eleições livres e pluripartidárias – abertura democrática.
Perestroika: Reestruturação profunda do funcionamento do modelo soviético empreendida por M. Gorbatchev, a partir de 1985.
O Colapso do Bloco Soviético
A contestação ao regime imposto por Moscovo alastrou e endureceu, começando a abalar as estruturas do poder. Gorbatchev passou a olhar as democracias populares como uma “obrigação” pesada, da qual a URSS só ganhava em libertar-se. No ano de 1989, uma vaga democratizadora varre o Leste: os partidos comunistas perdem o seu lugar de “partido único” e realizam-se as primeiras eleições livres do pós-guerra. Neste processo, a “cortina de ferro” que separava a Europa levanta-se finalmente: as fronteiras com o Ocidente são abertas e, em 9 de novembro, cai o Muro de Berlim. Depois de uma ronda de negociações entre os dois Estados alemães e os quatro países que ainda detinham direitos de ocupação, a Alemanha reunifica-se. No mês seguinte é anunciado, sem surpresa, o fim do Pacto de Varsóvia e, pouco depois, a dissolução do COMECON. Nesta altura, a dinâmica política desencadeada pela Perestroika tornara-se já incontrolável, conduzindo, também, ao fim da própria URSS.
O extenso território das Repúblicas Soviéticas desmembra-se, sacudido por uma explosão de reivindicações nacionalistas e confrontos étnicos. O processo começa nas Repúblicas Bálticas. Gorbatchev, que nunca tivera em mente a destruição da URSS ou do socialismo, tenta parar o processo pela força, intervindo militarmente nos Estados Bálticos. Esta situação faz com que o apoio da população se concentre em Boris Ieltsin, que é eleito presidente da República da Rússia, em junho de ’91. O novo presidente toma a medida extrema de proibir as atividades do partido comunista. No outono de ’91, a maioria das repúblicas da União declara a sua independência. Em 21 de dezembro, nasce oficialmente a CEI – Comunidade de Estados Independentes, à qual aderem 12 das 15 repúblicas que integravam a União Soviética. Ultrapassado pelos acontecimentos e vencido no seu propósito de manter unido o país, Mikhail Gorbatchev abandona a presidência da URSS.
Os Problemas da Transição para a Economia de Mercado
A transição da economia de direção central ou planificada para uma economia de mercado implicou profundas perturbações. Por um lado, muitas empresas, desprovidas dos subsídios estatais, foram à falência, provocando o aumento do desemprego. Ao mesmo tempo, a continuada escassez dos bens de consumo, a par da liberalização dos preços, estimulou uma inflação galopante. A falta de recursos financeiros do Estado não permitiu apoiar os desempregados, enquanto os pensionistas viram as suas pensões degradar-se perante a inflação. Em contrapartida, a liberalização económica enriqueceu um pequeno grupo que, em pouco tempo, acumulou fortunas fabulosas. A privatização das empresas foi efetuada de um modo tão obscuro que um reduzido número de empresários pouco escrupulosos se apropriou dessas empresas, adquirindo rapidamente grandes fortunas, enquanto a restante população se tornava cada vez mais pobre. Os países de Leste viveram também, de forma dolorosa, a transição para a economia de mercado. Privados dos importantes subsídios que recebiam da União Soviética, sofreram uma brusca regressão económica. De acordo com o Banco Mundial “a pobreza espalhou-se e cresceu a um ritmo mais acelerado do que em qualquer lugar do mundo”. A percentagem de pobres elevou-se de 2 para 21% da população total.
Os Polos do Desenvolvimento Económico Global
Profundamente desigualitário, o mundo atual concentra a maior parte da sua riqueza e da sua capacidade tecnológica em 3 polos de intenso desenvolvimento: os Estados Unidos, a União Europeia e a zona da Ásia-Pacífico.
A Hegemonia dos Estados Unidos
A Prosperidade Económica
Os E.U.A. são a 1ª potência económica mundial. A “livre empresa” continua no centro da filosofia económica do país e o Estado incentiva-a, assegurando-lhe as condições de uma elevada competitividade: a carga fiscal é ligeira, os encargos com a segurança social diminutos e as restrições ao despedimento ou à deslocação da mão de obra quase não existem.
Os Setores de Atividade
Marcadamente pós-industrial, a economia americana apresenta um claro predomínio do setor terciário. Em conformidade, a América é, atualmente, o maior exportador de serviços do Mundo. Altamente mecanizadas, sabendo rentabilizar os avanços científicos, as unidades agrícolas e pecuárias americanas têm uma elevadíssima produtividade. Assim, e apesar de algumas dificuldades geradas pela concorrência externa, os E.U.A. mantêm-se os maiores exportadores de produtos agrícolas. A agricultura americana inclui ainda um vasto conjunto de indústrias, desde a produção de sementes e maquinaria agrícola até à embalagem, comercialização e transformação dos seus produtos. Um verdadeiro complexo agroindustrial. Responsável por um quarto da produção mundial, a indústria dos E.U.A. sofreu, nos últimos 30 anos, uma reconversão profunda. Os setores tradicionais, como a siderurgia e o têxtil, entraram em declínio e, com eles, decaiu também a importância económica da zona nordeste.
Novos Laços Comerciais
Numa tentativa de contrariar o predomínio comercial da União Europeia, Clinton procurou estimular as relações económicas com a região do Sudeste Asiático, revitalizando a APEC – Cooperação Económica Ásia-Pacífico, criada em 1989. No mesmo sentido, o presidente impulsionou a criação da NAFTA - Acordo de Comércio Livre da América do Norte, que estipula a livre circulação de capitais e mercadorias entre os EUA, o Canadá e o México.
A Hegemonia Político-Militar
A libertação do Kuwait (conhecida como Guerra do Golfo) iniciou-se em janeiro de 1991 e exibiu, perante o mundo que a seguiu “em direto” pela televisão, a superioridade militar dos Estados Unidos. O exército iraquiano, o 4º maior do Mundo, com quase um milhão de homens, nada pôde fazer contra as sofisticadas tecnologias de guerra americanas. Este 1º conflito pós-Guerra Fria inaugurou oficialmente a época da hegemonia mundial americana. Assim, o poder americano afirmou-se apoiado pelo gigantismo económico e pelo investimento maciço no complexo industrial militar. Os E.U.A. têm sido considerados os “polícias do Mundo”, devido ao papel preponderante e ativo que têm desempenhado na geopolítica do Globo. Assim:
- Multiplicaram a imposição de sanções económicas como recurso para punir os “infratores”;
- Reforçaram o papel da OTAN – função de velar pela segurança da Europa, recorrendo, sempre que necessário, à intervenção militar armada.
Assumiram um papel militar ativo, encabeçando numerosas intervenções armadas pelos motivos mais díspares.
O Dinamismo Científico-Tecnológico
A capacidade de inovar é determinante para o desenvolvimento e prestígio de um país. Liderando a corrida tecnológica, os E.U.A. asseguram a sua supremacia económica e militar. Os Estados Unidos são, hoje, a nação que mais gasta em investigação científica. O Estado Federal tem um papel decisivo no fomento da pesquisa privada, quer através do seu financiamento, quer das gigantescas encomendas de sofisticado material militar e paramilitar. O avanço americano fica também a dever-se à precoce criação de parques tecnológicos – os tecnopolos – que associam universidades prestigiadas, centros de pesquisa e empresas, que trabalham de forma articulada.
A União Europeia
A construção europeia foi uma história de altos e baixos. Com períodos de grande entusiasmo e outros de grande ceticismo. Etapa a etapa, o projeto tem, no entanto, progredido, orientando-se por 2 vetores principais: o aprofundamento das relações entre os Estados e o alargamento geográfico da União.
A Consolidação da Comunidade: Do Ato Único à Moeda Única
O primeiro grande objetivo da CEE foi a união aduaneira, que só se concretizou em 1968, depois de uma cuidada preparação. Concebida como uma estrutura aberta, a CEE foi criando um conjunto de instituições progressivamente mais elaboradas e atuantes. Apesar destes avanços, a Comunidade enfrentava, no início dos anos 80, um período de marasmo e descrença nas suas potencialidades e no seu futuro. Só em 1985 a Comunidade reencontra a dinâmica perdida. Verdadeiramente decidido a relançar o projeto europeu, Delors concentrou-se no aspeto que oferecia, então, maior consenso: o avanço da união económica. Os esforços do novo presidente conduziram, em 1986, à assinatura do Ato Único Europeu, que previa, para 1993, o estabelecimento de um mercado único onde, para além de mercadorias, circulassem livremente pessoas, capitais e serviços. O Tratado da União Europeia [assinado na cidade holandesa de Maastricht em 1992] que entra em vigor em 1993, ao mesmo tempo que o mercado único, estabelece uma União Europeia (UE) fundada em três pilares: o comunitário, de cariz económico (o mais desenvolvido); o da política externa e da segurança comum (PESC) e o da cooperação nos domínios da justiça e dos assuntos internos. Maastricht representou um largo passo em frente no caminho da União, quer pelo reforço dos laços políticos, quer, sobretudo, por ter definido o objetivo da adoção de uma moeda única. A 1 de janeiro de 1999, onze países, inauguram oficialmente o euro. Na mesma altura começa também a funcionar um Banco Central Europeu que define a política monetária da União. O euro completou a integração das economias europeias. A CE tornou-se a maior potência comercial do mundo, com um PIB conjunto semelhante ao dos Estados Unidos. No entanto, no fim do século, a Comunidade Europeia mostrou-se menos pujante que os Estados Unidos.
Alargamento Geográfico da UE
- Fundadores (1957): França, Alemanha, Benelux, Itália.
- 1973: Dinamarca, Reino Unido, Irlanda.
- 1981: Grécia.
- 1986: Portugal, Espanha.
- 1995: Áustria, Finlândia, Suécia.
- 2004: Chipre, República Checa, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta, Polónia, Eslovénia.
- 2007: Bulgária, Roménia.
- 2013: Croácia.
As Dificuldades da Construção de uma Europa Política
O tratado de Maastricht estendeu o entendimento europeu à harmonização de políticas comuns para a justiça e os assuntos internos, a política externa e de segurança, a cidadania europeia (Criada pelo tratado da União Europeia (Maastricht), a cidadania europeia coexiste com a cidadania nacional tradicional, conferindo aos cidadãos da União, designadamente, o direito de circular e de residir em qualquer território da União, ter proteção diplomática, apresentar petições ao Parlamento Europeu e votar (e ser eleito) em eleições para o Parlamento Europeu e em eleições autárquicas na sua área de residência (mesmo o cidadão emigrado em país “estrangeiro”).) Todos estes assuntos interferem com as políticas nacionais, logo, a polémica instalou-se. Alguns países (Reino Unido, Dinamarca, Suécia) recusaram adotar a moeda única (euro). A forma relutante como muitos europeus veem a União resulta, em parte, da fraca implantação popular do sentido europeísta. A vontade de que os cidadãos dos estados-membros da União Europeia se identifiquem com o projeto europeu nem sempre tem sido bem-sucedida. O resultado da união política europeia seria um Governo europeu comum e um presidente europeu, porém, este projeto transnacional colide com a figura do Estado-Nação que, embora esteja em crise, ainda é válido para os europeus contemporâneos.
Novas Perspetivas e o Projeto de Constituição Europeia
As dificuldades de uma união política viram-se substancialmente acrescidas pelos sucessivos alargamentos da Comunidade, que obrigam a conjugar os interesses de países muito diferentes e a rever o funcionamento das instituições. O Conselho Europeu de Laeken decidiu convocar, para 2002, uma Convenção para o Futuro da Europa. Desta convenção resultou um projeto de Constituição Europeia que prevê, entre outras soluções inovadoras, a criação de um ministro dos Negócios Estrangeiros da Europa e o prolongamento do mandato do presidente do Conselho Europeu.