Preâmbulo da Constituição Federal: Entenda sua Importância

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As Constituições normalmente possuem um texto introdutório, uma espécie de apresentação, conhecida como preâmbulo. Mas qual a sua finalidade?

O preâmbulo tem por finalidade retratar os principais objetivos do Texto Constitucional, enunciando os princípios constitucionais mais valiosos, assim como as ideias essenciais que alimentaram o processo de criação da Constituição.

Invocando a metáfora de um livro e comparando-o a uma Constituição, podemos dizer que o preâmbulo seria uma espécie de prefácio, já que explica a essência dos pontos centrais do Texto principal.

O Preâmbulo da Constituição Federal de 1988

Vejamos, então, o preâmbulo da Constituição Federal de 1988:

PREÂMBULO

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Análise de Pontos Chave do Preâmbulo da CF/88

Gostaria de chamar a atenção para dois pontos, em especial, do Preâmbulo:

  1. A Importância da Consideração do Povo como Titular da Constituição

    Costuma-se dizer que o povo é titular do Poder Constituinte Originário, ou seja, do Poder de criação de uma nova Constituição.

    Chega-se a tal conclusão porque a importante tarefa de criação de uma nova Constituição ocorre a partir dos representantes do povo, que, reunidos em uma grande Assembleia, chamada de Assembleia Nacional Constituinte, discutem e definem o seu Texto final.

    O mais importante é registrar que todo o poder emana do povo, como pode ser evidenciado no parágrafo único do artigo da Constituição Federal de 1988.

  2. A Invocação Divina e o Estado Laico

    Além disso, há outra passagem muito interessante no final do preâmbulo, que diz ter sido criada a Constituição “sob a proteção de Deus”.

    Embora louvável para muitos, a referência à Divindade poderia entrar em choque com a separação entre Estado e Religião.

    Devemos lembrar que o Brasil adota o chamado Estado Laico, já que a própria Constituição Federal consagra a liberdade de manifestação religiosa e a necessidade de garantia, pelo Estado, da livre manifestação de pensamento. Neste sentido, são exemplos os incisos VI e VIII do artigo da Constituição Federal.

    Para resolver o problema, o Supremo Tribunal Federal construiu (STF, ADI 2076/AC, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 08.08.2003) uma solução bem interessante: entendeu que o preâmbulo não tem força normativa, ou seja, representa um texto situado muito mais no terreno da Política do que do Direito.

    Logo, o que possui teor obrigatório são as demais partes da Constituição, respeitando o Estado Laico presente na Lei Maior.

Conceituando o Preâmbulo

O presente artigo tem por objetivos uma reflexão acerca do preâmbulo das Constituições, sejam elas federais ou estaduais. Tecer algumas considerações sobre os elementos que a compõem, como, por exemplo, a declaração referente à sua origem de Constituição, definição de seus princípios públicos, invocação divina, etc.

A priori, antes de qualquer menção, é necessário conceituar, com a devida atenção, pois este ato precede toda uma discussão envolvendo os catedráticos da crítica, que postulam o não à plenitude do conhecimento do objeto, mas sim, reflexos de interpretações de determinado assunto, objeto, interesse. Pois bem, a origem da palavra substantiva preâmbulo é do latim, precedida de um prefixo, ou seja, pre + ambulare, que significa um relatório que antecede uma lei ou decreto, ou parte preliminar em que se anuncia a promulgação de uma lei ou decreto; enfim, é algo que precede, que vem antes.

Finalidade do Preâmbulo Constitucional

O preâmbulo tem por finalidade revelar os fundamentos filosóficos, políticos, ideológicos, sociais e econômicos, esclarecedores de uma nova ou reformada Constituição. É a manifestação expressa pelo Poder Constituinte, que é o poder que constitui poderes, seja ele originário ou derivado.

O Preâmbulo na Visão de Especialistas

Salienta o professor e desembargador Kildare Gonçalves Carvalho que o “preâmbulo é criação do poder constituinte, da mesma forma que o é o articulado normativo da Constituição: o preâmbulo e as normas jurídicas constitucionais são aprovados segundo o mesmo processo, passando a integrar materialmente a Constituição”. [1]

O Poder Constituinte Originário ou primário é um poder inicial, pois se funda na nova ordem do Estado; é também ilimitado, por não encontrar limites no Direito positivo; é soberano, pois acima deste não há outro; é incondicionado, no entanto, é independente, ou seja, não há regras a serem seguidas e, por fim, é permanente, por certo não se exaure ou não se encerra. Enfim, é um poder que tem por titularidade o povo e que não há barreiras para fundar uma determinada Constituição. Normalmente, este poder constituinte é resultado de revoluções e manifestações que se efetivam em pleno exercício do direito, legitimados pela vitória justa, amparados pela justiça da conveniência.

Nesse sentido, o Poder Constituinte Derivado, também denominado secundário, e o próprio nome já o deduz, é aquele que é proveniente de algo já existente, ou seja, é derivado por retirar sua força no Poder Constituinte Originário. Posto isso, é subordinado e condicionado, pois há toda uma observância de regras, preceitos e métodos a serem seguidas. Este poder subdivide-se em Poder Constituinte Reformador e Decorrente, onde ambos têm como função adaptar a Constituição Federal aos novos tempos ou realidades convencionais. Aquele se embasa na faculdade da edição de ementas, este na elaboração das Constituições Estaduais, adequando-se à realidade regional, respeitando os princípios da simetria e as próprias limitações formais vedatórias e mandatórias, conforme artigos 35 e 37 da Constituição Federal.

Em comentário de Jorge Miranda, sobre a sua origem, seja quanto ao seu conteúdo, diz:

“A sua forma e a sua extensão aparecem extremamente variáveis, desde as sínteses lapidares de estilo literário aos longos arrazoados à laia de relatórios preliminares ou exposições de motivos; desde a invocação do nome de Deus ou do título de legitimidade do poder constituinte ao conspecto histórico; desde a alusão a um núcleo de princípios filosóficos-políticos à prescrição de determinados objetivos programáticos”. [2]

Nos ditames de João Barbalho, o preâmbulo “enuncia por quem, em virtude de que autoridade e para que fim foi estabelecida a Constituição. Não é uma peça inútil ou de mero ornato na sua construção". [3]

O professor Paulo Nader, comentando a respeito dos atos legislativos, salienta que o preâmbulo é parte preliminar, introdutória ao contexto, possuindo valor relativo, porque é parte não normativa do texto. Mas, em caso de conflito de disposições, decorrente de atos distintos, diz que é indispensável verificar na epígrafe de cada preâmbulo a espécie a que pertencem, a fim de definir a primazia, com base na hierarquia das fontes criadoras do Direito. [4]

Sobre o projeto de Constituição, em pronunciamento, o Instituto dos Advogados de Minas Gerais divulgou relatório elaborado pelo Prof. Raul Machado Horta, dando ênfase ao preâmbulo:

"A redação inicial do Preâmbulo deveria conferir primazia ao Povo, alterando, neste aspecto, a fórmula consagrada nas Constituições Republicanas, que têm conferido ênfase aos representantes do Povo, como preferiu o Projeto. Considerando que o Povo é o fundamento primário do Poder Constituinte Democrático, bastaria que se alterasse a redação, adotando a seguinte: O Povo Brasileiro, reunido em Assembleia Nacional Constituinte, por meio de seus representantes, invocando a proteção de Deus...". [5]

Em uma breve codificação, os principais autores constitucionais posicionam-se sobre o preâmbulo, alegando, em princípio, que formalmente aquele não faz parte do texto constitucional. Já outros dizem que, sob o ponto de vista normativo e perceptivo, o preâmbulo não faz parte do texto constitucional, apesar de que, do ponto de vista material, a Constituição não estaria completa sem ele; ou, embora não seja parte integrante da lei básica, serve para determinar os fins para os quais foi elaborada, contribuindo para interpretar os pontos duvidosos.

Comparando-o ao constitucionalismo francês, Laferrière expõe que, apenas enquanto uma conotação material, o preâmbulo é parte integrante da Constituição, sendo que seria injusto e paradoxal, ao votar essa parte da Constituição, que o mesmo poder constituinte renunciasse momentaneamente ao exercício de seu poder na Assembleia Constituinte, deixando de lado o preâmbulo. [6]

O Valor Jurídico do Preâmbulo: Teorias Doutrinárias

Enfim, o problema que se opera em torno de toda a problemática será o que as teorias atuais de discussões doutrinárias se propõem a entender sobre o valor jurídico do preâmbulo, sejam elas:

  • Tese da Irrelevância Jurídica;
  • Tese da Eficácia do Preâmbulo Idêntica à de Qualquer Norma Constitucional;
  • Tese da Relevância Jurídica Específica ou Indireta. [7]

Tese da Irrelevância Jurídica

A tese da irrelevância jurídica conserva a ideia de que o preâmbulo não adentra o universo jurídico constitucional, alegando ter apenas um valor meramente de ordem política. O fato é que os institutos filosóficos do Direito contribuíram para a racionalidade política, induzindo ao saber que, se é do próprio preâmbulo que se retira sua força constituinte, como ter meramente um valor literário e simbólico? Isso, para os que sustentam o ideal do Estado Democrático de Direito, pois às Constituições outorgadas não teriam nenhuma relação de importância.

Tese da Eficácia Jurídica

Pela tese da eficácia jurídica, iguala-se o preâmbulo a uma norma contínua da Constituição, com todas as suas aderências e consequências, até mesmo no que se refere à declaração de inconstitucionalidade dos princípios garantidores expressos no próprio preâmbulo.

Tese da Relevância Jurídica Específica ou Indireta

Já a tese da relevância jurídica indireta concorre para a integração da Constituição, embora se tenha o cuidado de não o confundir com a norma constitucional. Sendo assim, os princípios declarados no preâmbulo poderão ser usados como suprimento para a explicação do que não ficou satisfatoriamente claro. Daí que procede a ideia de que os princípios consubstanciados no preâmbulo terão relevância jurídica quando invocados para esclarecer ou interpretar. Contudo, haverá momentos em que não terá relevância jurídica, nos casos em que a própria Constituição é auto-suficiente e abrange todas as afirmações nela já contidas.

É importante ressaltar a distinção do preâmbulo e dos preceitos normativos constitucionais, para que não se faça confusão, sejam eles pela eficácia ou pela função desempenhada [8]. Oportuno observar o professor Sérgio Luiz Souza Araújo:

“As normas do preâmbulo não consagram direitos imediatamente aplicáveis, mas que constituem, por sua vez, uma espécie de orientação e, sob este ponto de vista, possuem o caráter de compromisso jurídico e político para o legislador do futuro. (...)
Uma vez que emanam de um poder estatal que, por sua natureza, nunca faz declarações teóricas. O que boa parte da doutrina demonstra é que o preâmbulo não é numerado em artigos, não tendo caráter dispositivo, e assim não formando parte do texto estritamente normativo do instrumento constitucional”.

Elementos Básicos do Preâmbulo

Dessarte, em quase todas as Constituições escritas, via de regra, o preâmbulo apresenta três dados básicos:

  1. Declaração da Origem da Constituição

    Na declaração referente à origem da Constituição, como explicado acima, o legislador tem a preocupação em esclarecer de onde emana a Carta Magna, ou seja, qual sua origem: seja ela promulgada, outorgada, fruto de uma vontade unipessoal, autocrática, e assim por diante.

  2. Definição dos Princípios Públicos

    Da definição de seus princípios públicos, entra em cena mais uma vez o legislador, instruindo suas ideias políticas, inspiradoras do próprio conteúdo da Constituição. Para exemplificar, eis três notáveis elementos intrínsecos no preâmbulo da Constituição da Espanha: o tipo de Estado, a ideologia e o liberalismo. Observe:

    La Nación española, deseando establecer la justicia, la libertad y la seguridad y promover el bien de cuantos la integran, en uso de su soberanía, proclama su voluntad de: Garantizar la convivencia democrática dentro de la Constitución y de las leyes conforme a un orden económico y social justo. Consolidar un Estado de Derecho que asegure el imperio de la ley como expresión de la voluntad popular. Proteger a todos los españoles y pueblos de España en el ejercicio de los derechos humanos, sus culturas y tradiciones, lenguas e instituciones. Promover el progreso de la cultura y de la economía para asegurar a todos una digna calidad de vida. Establecer una sociedad democrática avanzada, y Colaborar en el fortalecimiento de unas relaciones pacíficas y de eficaz cooperación entre todos los pueblos de la Tierra.”[9]

  3. A Excepcional Invocação Divina

    E, por último, a excepcional invocação divina, que, por obséquio, se faz presente em quase todos os preâmbulos, como também em quase todas as cartas políticas brasileiras. Mas o fato interessante a constatar é que a invocação divina se faz revelar por um dado sociológico: a religiosidade de um povo, bem como indica a salutar tendência do homem para a realização no plano espiritual. É importante ressaltar que esta invocação não contraria a regra normativa de separação entre Igreja e Estado, visto que o próprio Supremo Tribunal Federal, em decisão de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), proposta pelo Partido Social Liberal, no tocante ao preâmbulo da Constituição Estadual do Acre, em que se alegava a inconstitucionalidade por omissão da expressão “sob a proteção de Deus”, entendeu que não tem força normativa, afastando a alegação de que a expressão seria norma de reprodução obrigatória pelos Estados-Membros. [10]

    Enfim, encontrada a expressão “de Deus”, fica pré-confirmado que a sociedade em questão é teísta, ou seja, crê em uma inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas.

Para concluir, cabe destacar que o preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi escolhido, dentre outros, e votado em Assembleia Constituinte, o que pode justificar ou mesmo eliminar sua legitimidade democrática e sua força normativa de caráter vinculativo, hauridas do respaldo da elaboração e aprovação pelos representantes do povo para tanto reunidos.

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