Princípio da Legalidade Penal: Conceito e Sub-Princípios
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Princípio da Legalidade ou da Reserva Legal
O Princípio da Legalidade parte do pressuposto de que “Ninguém será punido por um fato que, ao tempo da ação ou da omissão, não era definido como infração penal”.
Origens
No período do Antigo Regime (século XVIII), havia grande severidade no estabelecimento de penas. Os juízes passaram a usar seu poder discricionário para amenizar a situação, o que levou a um arbítrio judicial. O princípio, então, surgiu da necessidade de limitar o poder dos juízes.
Montesquieu trouxe, então, a ideia de que os juízes são “a boca da lei”.
Base Legal do Princípio
O Artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal de 1988 (CF/88) e o Artigo 1º do Código Penal estabelecem que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Este postulado é aplicável a qualquer intervenção penal, incluindo contravenções penais e medidas de segurança.
Funções do Princípio (Sub-Princípios)
- A) Proibir a retroatividade da lei penal (nullum crimen nulla poena sine lege praevia). A pessoa deve ser julgada pela lei vigente ao tempo do fato. A lei deve ser anterior à prática das infrações penais nela previstas, como condição de sua validade. Caso contrário, a norma incidiria sobre comportamentos que, à época, não constituíam ilícito penal ou eram punidos de forma menos severa.
- B) Proibir a criação de crimes e penas pelos costumes (nullum crimen nulla poena sine lege scripta). Somente lei federal, devidamente aprovada pelo Poder Legislativo, pode criar crimes e cominar penas (embora haja discussão doutrinária sobre a possibilidade de lei complementar tratar de matéria penal).
- C) Proibir o emprego de analogia para criar crime, fundamentar ou agravar penas (nullum crimen nulla poena sine lege stricta). Em matéria penal, não se pode suprir uma lacuna legislativa por meio da analogia para criar crimes ou agravar penas.
- D) Proibir incriminações vagas e indeterminadas (nullum crimen nulla poena sine lege certa). Impõe-se a proibição de leis penais indeterminadas, o que configura o princípio da taxatividade ou da certeza.
Observações Importantes
A. Irretroatividade da Lei Penal (Lex Praevia)
A lei penal não pode retroagir para prejudicar o réu; ela é prospectiva, ou seja, aplica-se a fatos futuros. É vedada a retroatividade in malam partem (para prejudicar o réu). A lei aplicável é a vigente ao tempo do fato. Se a lei posterior for mais gravosa, não retroage. Contudo, se for mais benéfica ao réu (lex mitior), ela retroagirá.
Isso pode significar a diminuição da pena ou a descriminalização da conduta (abolitio criminis). Por exemplo, no caso do adultério ou da sedução (crimes revogados), se uma pessoa estivesse cumprindo pena e a lei mudasse, a pena poderia ser reduzida ou extinta, levando à soltura do indivíduo.
Atualmente, debate-se a irretroatividade da jurisprudência. Alguns doutrinadores defendem que a garantia da irretroatividade também se estende às mudanças jurisprudenciais prejudiciais ao réu. Súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal (STF) possuem natureza distinta das decisões judiciais isoladas. A reiteração de decisões judiciais dos tribunais sobre um mesmo tema forma a jurisprudência (orientação predominante dos julgadores). Quando a jurisprudência se consolida, estabelece uma orientação que pode esclarecer o sentido da lei penal. Para alguns, a jurisprudência consolidada adquire um caráter de generalidade. A lei penal, por vezes, apresenta lacunas e demanda interpretação, papel no qual a jurisprudência atua como complemento. Se reiterada e consolidada, pode adquirir força semelhante à da lei. Argumenta-se que, se a lei descriminalizante retroage para beneficiar, a jurisprudência mais favorável também deveria, especialmente se sumulada.
Se uma lei nova cria um tipo penal inexistente à época do fato, ela é prejudicial e não pode ser aplicada retroativamente. Por outro lado, se uma lei nova descriminaliza uma conduta (abolitio criminis), cessam todos os seus efeitos penais, inclusive os desfavoráveis. Se uma lei posterior modifica a pena de um crime, tornando-a mais severa (ex: de multa para detenção), essa nova pena não pode ser aplicada a fatos anteriores, por ser prejudicial.
B. Proibição de Costumes como Fonte de Crimes e Penas (Lex Scripta)
- Decretos (em grande parte substituídos por medidas provisórias) e resoluções não são fontes idôneas para criar tipos penais ou cominar sanções penais.
- Medidas provisórias não podem tratar de matéria penal (criação de crimes ou penas) nem de matéria processual penal, conforme entendimento consolidado.
- Leis delegadas (Art. 59, CF/88), atos normativos do Presidente da República, não podem versar sobre direitos individuais, o que abrange a matéria penal.
- Leis complementares: Embora complementem a Constituição Federal, há debate se podem tratar de matéria penal. Alguns doutrinadores (como Odone, citado no texto original) entendem que não. Sua aprovação exige quórum qualificado, diferentemente da lei ordinária (maioria simples), o que dificulta sua alteração. Exemplos de matérias reservadas à lei complementar incluem quebra de sigilo bancário e a organização da magistratura.
- Tratados internacionais: Podem versar sobre crimes e penas (ex: tráfico internacional de pessoas). No entanto, para que alguém seja processado no Brasil, é necessária uma lei federal interna que tipifique a conduta. Tratados de direitos humanos, contudo, podem ter status supralegal ou constitucional e ser invocados para garantir direitos fundamentais.
- Costumes: Não são fonte de Direito Penal para criar crimes ou cominar penas. O costume é uma prática social reiterada, com convicção de obrigatoriedade ou licitude. A lei penal pode, contudo, fazer referência a costumes para integrar o tipo penal (ex: a definição de 'ato obsceno' pode depender dos costumes locais). O costume pode auxiliar na interpretação (costume secundum legem ou praeter legem), mas não pode criar tipos penais (costume contra legem incriminador) nem revogar leis pelo desuso (ex: o fato de ser comum dirigir em alta velocidade não torna a conduta lícita).
C. Proibição de Analogia Incriminadora (Lex Stricta)
A aplicação da lei penal deve ser estrita. Se a lei não previu determinada hipótese como criminosa, não cabe ao intérprete fazê-lo por analogia. A correção ou ampliação da lei é tarefa do legislador, garantindo a anterioridade da lei penal.
Distingue-se da analogia a interpretação extensiva, que é permitida. Esta busca apenas o real alcance e sentido da norma, sem extrapolar seus limites e de acordo com o 'espírito da lei'.
A analogia proibida em Direito Penal é a in malam partem (ou in pejus partem), ou seja, aquela que prejudica o réu, seja para criar crimes, fundamentar ou agravar penas. Já a analogia in bonam partem, que beneficia o réu, é geralmente admitida (fundamentada, por exemplo, no Art. 3º do Código de Processo Penal). Existem também as chamadas 'cláusulas legais de analogia' no próprio Código Penal, onde o legislador expressamente autoriza a aplicação analógica (ex: em certas hipóteses do Art. 171 do CP). Estas são válidas.
A doutrina majoritária admite a analogia benéfica, argumentando que: a) as normas penais não incriminadoras (permissivas, exculpantes, etc.) não são consideradas de direito excepcional, podendo ser estendidas; b) a vedação à analogia visa proteger o cidadão contra o arbítrio estatal, o que não ocorre quando ela o beneficia, desde que não crie figuras delitivas, em respeito ao princípio da reserva legal.