Princípios do Dever de Fundamentação e da Liquidez da Decisão

Classificado em Direito

Escrito em em português com um tamanho de 13 KB

490- Dever de fundamentação. O aprimoramento do dever de fundamentação impõe a retirada da parte final da norma anteriormente inserta no art. 459 do CPC/1973. Com efeito, a fundamentação não deve ser concisa, mas adequada, conforme os limites da lide e a profundidade das questões analisadas. Até mesmo porque, como já afirmado neste comparativo, sentenças que extinguem o processo sem resolver o mérito são dotadas, ainda assim, de imutabilidade.


491- Liquidez da decisão. Nas hipóteses em que o autor propõe ação para pleitear o cumprimento de obrigação de pagar quantia, esta normalmente já está discriminada na petição inicial, restando ao juiz fixar o montante de juros e os índices de correção, se for o caso. Entretanto, tratando-se de ação relativa à obrigação de pagar quantia na qual o autor formula pedido genérico, ainda assim é possível que o juiz, desde logo, condene o réu ao cumprimento da obrigação. Nesse caso, a sentença deve fixar a extensão do dano, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial e a periodicidade das prestações, se for o caso. O cumprimento da sentença far-se-á independentemente de liquidação, bastando a apresentação do cálculo pelo credor (art. 509, § 2º). Por outro lado, se não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido ou se este depender da produção de prova demorada e excessivamente dispendiosa, o juiz deverá reconhecer a existência da obrigação e determinar a liquidação da sentença na forma do art. 509, I ou II, do CPC


492- Princípio da adstrição ou congruência. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte (art. 141). Sendo assim, é vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado (art. 492). O limite da sentença é o pedido, com a sua fundamentação. É o que a doutrina denomina de princípio da adstrição, princípio da congruência ou da conformidade, que é desdobramento do princípio do dispositivo (art. 2º). O afastamento desse limite caracteriza as sentenças citra petita, ultra petita e extra petita, o que constitui vícios e, portanto, acarreta a nulidade do ato decisório. Sentença citra petita. É aquela que não examina em toda a sua amplitude o pedido formulado na inicial (com a sua fundamentação) ou a defesa do réu. Exemplos: (1) o autor pediu indenização por danos emergentes e lucros cessantes. O juiz julgou procedente o pedido com relação aos danos emergentes, mas não fez qualquer referência aos lucros cessantes; (2) por meio de mandado de segurança, o funcionário pleiteou a nulidade do ato punitivo sob a alegação de que não cometeu a falta disciplinar e que não lhe foi dada oportunidade de defesa. O juiz denegou a segurança ao fundamento de que a análise da falta disciplinar envolve matéria fática insuscetível de discussão no âmbito da segurança, e não apreciou o segundo fundamento; (3) na ação reivindicatória, o réu se defende, arguindo prescrição aquisitiva. O juiz aprecia os fundamentos do pedido, mas se esquece da usucapião. Saliente-se que não constitui decisão citra petita o fato de o juiz julgar parcialmente o pedido. Voltando ao exemplo anterior: ocorre o julgamento citra petita se o juiz não cogitar dos lucros cessantes, hipótese em que a decisão é passível de anulação; ao contrário, se o juiz procede à análise dos lucros cessantes e chega à conclusão de que não há prova para a condenação em tal verba, a sentença é válida. Sentença ultra petita. O defeito é caracterizado pelo fato de o juiz ter ido além do pedido do autor, dando mais do que fora pedido. Exemplo: se o autor pediu indenização por danos emergentes, não pode o juiz condenar o réu também em lucros cessantes. A sentença ultra petita, em vez de ser anulada pelo tribunal, deve, por este, ser reduzida aos limites do pedido. Vale lembrar que não constitui decisão ultra petita a que concede correção monetária ou que condena ao pagamento dos juros legais, das despesas e honorários de advogado ou das prestações vincendas (art. 322, § 1º). Em ação de rescisão de promessa de compra e venda, também não é extra petita a sentença que determina a restituição das prestações pagas (art. 12, § 1º, do Decreto-lei nº 58/1937). Trata-se de hipóteses de pedido implícito. Sentença extra petita. Ocorre quando a providência jurisdicional deferida é diversa da que foi postulada; quando o juiz defere a prestação pedida com base em fundamento não invocado; quando o juiz acolhe defesa não arguida pelo réu, a menos que haja previsão legal para o conhecimento de ofício (art. 337, § 5º). Note-se que no julgamento ultra petita o juiz foi além do pedido. Exemplo: além dos danos emergentes pleiteados, deferiu também lucros cessantes. Já no julgamento extra petita a providência deferida é totalmente estranha não só ao pedido, mas também aos seus fundamentos. Exemplo: o autor pede proteção possessória e o juiz decide pelo domínio, reconhecendo-o na sentença. Sentença condicional. A sentença deve expressar uma providência jurisdicional certa e incondicionada. Nenhum juiz decidirá desta forma: “Julgo procedente o pedido, desde que...”. A eficácia da decisão não pode estar condicionada a cláusula. Não se admite que o autor pleiteie direito, condicionando-o à ocorrência de um evento futuro e incerto. Exemplo: pedido de condenação do réu a pagar determinada importância desde que seja instituído herdeiro no testamento de uma pessoa que sequer faleceu. Igualmente é defeso ao juiz deferir direito cuja existência dependa de comprovação futura. Exemplo: condeno o réu a pagar lucros cessantes desde que demonstrada a existência desses na liquidação da sentença. Tal como o pedido, excepcionalmente a sentença não é determinada no que tange ao montante da condenação, relegando essa apuração para outra fase. Todavia, o bem jurídico objeto do provimento jurisdicional (a condenação, v.g.) deve ser certo. Em suma, o que o dispositivo veda é que o conteúdo da sentença esteja sujeito a evento futuro e incerto. Entretanto, nada impede que a relação jurídica apreciada na decisão seja condicionada. Nesse caso, “não há por assim dizer, procedência do pedido, desde que se realize determinada condição. Pode haver pedido julgado procedente, com efeito declaratório da existência ou inexistência da relação jurídica, sujeita a condição (art. 121 do CC).” A propósito, o art. 514 estabelece o requisito para execução da sentença que decidiu relação jurídica sujeita a condição ou termo: “Quando o juiz decidir relação jurídica sujeita a condição ou termo, o cumprimento da sentença dependerá de demonstração de que se realizou a condição ou de que ocorreu o termo”. Condição é a cláusula que subordina o efeito do negócio jurídico, oneroso ou gratuito, a evento futuro e incerto (art. 121 do CC). Será suspensiva a condição se o direito decorrente do negócio for adquirido com a ocorrência do evento; será resolutiva se o direito se extinguir com a verificação da condição. Termo é a cláusula que subordina os efeitos do ato negocial a um acontecimento futuro e certo.


493-Sentença e fato superveniente. A rigor, a sentença deve compor a lide tal como se apresenta do confronto da inicial com a contestação, isto é, deve apreciar o pedido com sua fundamentação, bem como os fundamentos da defesa. Todavia, a sentença deve refletir o estado de fato da lide no momento da decisão, devendo o juiz levar em consideração fato ou direito superveniente que possa influir no julgamento da lide. Por fato superveniente entende-se a circunstância relevante para o julgamento do mérito que somente surgiu após a fase de saneamento ou de instrução (se houver), ou que, apesar de já existente, só foi apurada no curso do processo. O fato superveniente que o juiz pode considerar na sentença é apenas aquele que não altera a causa de pedir. No momento da propositura da ação de usucapião, o lapso temporal necessário à aquisição da propriedade ainda não se havia completado. Pode o juiz, no momento da sentença, levar em conta a ocorrência da prescrição aquisitiva e julgar procedente o pedido, sob o fundamento de que o lapso temporal foi obtido no decorrer do processo. Ao contrário, se a rescisão do contrato é pleiteada com fundamento na simulação de um dos contratantes, não pode o juiz levar em conta inadimplemento ocorrido no curso da demanda. O conhecimento dos novos fatos alegados por uma das partes independe do consentimento da outra. Porém, em qualquer caso, sempre que um novo fato for trazido aos autos, deverá ser assegurado o exercício da ampla defesa e do contraditório à parte contrária (art. 493, parágrafo único). O fato ou direito superveniente pode ser arguido no âmbito dos Tribunais, desde que seja oportunizado previamente o contraditório. Vejamos, nesse sentido, posicionamento do STJ: “[...] O fato novo de que trata o art. 462 do CPC [art. 493/CPC/2015] refere-se àqueles supervenientes à instrução e que devem ser levados em conta pelo magistrado quando da prolação da sentença. Por construção doutrinária e jurisprudencial, entende-se que o fato novo deve ser apreciado não apenas pelo juízo monocrático, de primeira instância, mas também pelo Tribunal respectivo, a quem cabe a cognição mais abrangente de todos os elementos do feito. Todavia, não é possível a alegação de fato novo exclusivamente em sede de recurso especial por carecer o tema do requisito indispensável de prequestionamento e importar, em última análise, em supressão de instância [...]” (STJ, Embargos de Declaração no Agravo do AREsp 115.883/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 04.04.2013).


494-Princípio da inalterabilidade da decisão judicial. Uma vez publicada a sentença (ou apenas proferida, no caso de ter sido prolatada em audiência), pouco importa a sua natureza, incide o princípio da inalterabilidade da decisão judicial, que se aplica também aos acórdãos e, de forma mitigada, até às decisões interlocutórias. A rigor, constitui erro procedimental a alteração, fora dos casos previstos em lei, de qualquer decisão judicial. O próprio CPC, no entanto, prevê os casos em que se admite alteração da sentença ou do acórdão. Exceções ao princípio da inalterabilidade. Permite-se que a sentença seja alterada para fins de correção de inexatidões materiais ou retificação de erro de cálculo (art. 494, inciso I). Por inexatidão material entende-se o erro, perceptível sem maior exame, que traduz desacordo entre a vontade do julgador e a expressa na decisão. Omitiu-se, por exemplo, o nome de uma das partes. Erro de cálculo passível de correção é o que resulta de equívocos aritméticos, por exemplo, inclusão de parcela devida e não constante do cálculo por equívoco. Em caso de inexatidão ou erro, a correção pode ser feita por despacho retificador (que não altera a substância do julgado e, portanto, não tem qualquer reflexo sobre o prazo recursal), a qualquer tempo, mesmo depois de transitada em julgado a sentença. Ressalte-se, no entanto, que os critérios de cálculo e os seus elementos não podem ser alterados após o trânsito em julgado. Nesse sentido: STF, AI 851.363/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 20.04.2012). A alteração também pode ocorrer, de acordo com o inciso II do art. 494, em virtude de interposição de embargos de declaração, quando a sentença ou acórdão contiver obscuridade, contradição, for omisso com relação a questão suscitada pelas partes ou contiver algum erro material. Os embargos de declaração, espécie de recurso dirigido ao próprio juiz ou órgão prolator da decisão, e por ele julgado, são opostos no prazo de 5 (cinco) dias, interrompendo-se o prazo para interposição de outros recursos (arts. 1.022 e seguintes). O acolhimento dos embargos é feito com a prolação de decisão complementar, de natureza idêntica à decisão embargada, e que a esta se integra. Afora os incisos do art. 494, outros dispositivos constantes do Código autorizam a alteração da sentença. O arts. 331, § 1º, e 332, § 3º, também constituem exceção ao princípio da inalterabilidade, na medida em que facultam ao juiz retratar-se, mediante interposição de recurso de apelação, no caso de indeferimento da petição, bem como no de improcedência liminar do pedido. O princípio da inalterabilidade das decisões judiciais não retira do juiz a competência para atuar no feito depois da publicação da sentença. Compete ao juiz de primeiro grau, por exemplo, deferir o desentranhamento de documentos, exercer o juízo de admissibilidade da apelação, determinar o cumprimento do julgado e homologar acordo celebrado pelas partes, mesmo que o processo esteja em grau de recurso.

Entradas relacionadas: