Princípios da Natureza para o Ensino Eficaz
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Estes são os princípios em que se funda a facilidade de ensinar e de aprender, baseados na observação da natureza:
1. A Natureza Inicia pela Privação.
- A formação da juventude deve começar cedo.
- Para cada aluno, a mesma matéria deverá ser ensinada por uma só pessoa.
- Que primeiramente sejam harmonizados os costumes sob o comando do educador.
Segue-se, primeiro, que as mentes jovens, ainda não habituadas à distração das outras preocupações, absorvem perfeitamente o estudo do saber. E quanto mais tarde o processo educativo for iniciado, mais cansativo será, pois a mente já estará ocupada por outra coisa. Segundo, que uma criança não pode ser instruída com algum resultado por vários preceptores ao mesmo tempo, pois é quase impossível que todos tenham o mesmo método, provindo daí a distração dos espíritos ainda tenros e obstáculos à formação. Terceiro, que mostram ser inexperientes os que, assumindo a tarefa de educar crianças já crescidas e adolescentes, não iniciam logo pela moral, para, uma vez domadas as paixões, predispô-las para o resto. Os domadores, por exemplo, primeiro tornam o cavalo obediente, sujeitando-o com o freio, e depois o ensinam a andar de tal ou qual maneira. Bem disse Sêneca: “Primeiro aprende a moral e depois o saber, visto que aprende mal quem aprende sem moral.” E Cícero: “A filosofia moral prepara os homens para receber a boa semente” etc.
2. A Natureza Predispõe a Matéria a Desejar a Forma.
- É imprescindível despertar nas crianças o amor pelo saber e pelo aprender.
- Um bom método de ensino diminui o cansaço do aprendizado; por isso, que nada sirva de obstáculo aos alunos nem os impeça de continuar os estudos.
- Erram na educação das crianças aqueles que as obrigam a estudar a contragosto.
- Os pais conseguirão levar os filhos a aceitar com amor o ensino e o mestre se louvarem frequentemente a cultura e as pessoas cultas diante deles.
- As coisas todas só atraem a juventude quando adequadas à sua idade e quando as explicações são muito claras e intercaladas com algumas amenidades ou com assuntos menos sérios, mas sempre aprazíveis. É isso que significa unir o útil ao agradável.
- O próprio método, para estimular o amor ao estudo, deve ser sobretudo natural, pois o que é natural progride espontaneamente.
3. A Natureza Extrai Tudo de Princípios Pequenos, mas Válidos pela Virtude.
- Toda arte deve encerrar-se em regras brevissímas, mas absolutamente exatas.
- Toda regra deve ser concebida com palavras brevissímas, mas muito claras.
- Toda regra deve ser exemplificada com muitíssimos exemplos que esclareçam todas as variações no uso dessa regra.
Por exemplo, tudo o que deverá formar o pássaro é reunido numa gota e circundado por uma casca, para que seja fácil a sua gestação no útero e o seu aquecimento ao ser chocado. No entanto, esta contém em si virtualmente todo o pássaro, já que o corpo do passarinho é depois formado pelo espírito que ali dentro está contido.
4. A Natureza Passa das Coisas Mais Fáceis às Mais Difíceis.
As escolas contrariam essa ordem quando ensinam o desconhecido por meio do próprio desconhecido, como acontece:
- Quando a principiantes são ensinadas, em latim, regras da língua latina, que é como explicar hebraico com regras em hebraico, árabe com regras em árabe, etc.
- Quando também a principiantes é oferecido como auxiliar um léxico latino-vulgar, quando deveria ser o contrário; isso porque eles não aprendem o vernáculo através do latim, mas precisam aprender o latim através da língua materna, que já conhecem.
- Quando se confia um aluno a um mestre estrangeiro, que não conhece a língua materna do aluno; pois, se não dispõem de um instrumento comum para conversarem e só podem discutir através de sinais e conjeturas, o que edificariam senão a torre de Babel?
- Quando se instrui a juventude de todas as nações com as mesmas regras gramaticais, ao passo que cada língua tem sua relação própria e peculiar com a língua latina, que deve ser descoberta se quisermos que as crianças conheçam perfeitamente a natureza própria do latim.
Esses defeitos poderiam ser corrigidos:
- Se o mestre e o discípulo falarem a mesma língua materna.
- Se todas as explicações das coisas forem dadas na língua já conhecida.
- Se qualquer gramática ou léxico for adaptado à língua mediante a qual se deve ensinar a língua nova, por exemplo, a língua latina à materna, a grega à latina, etc.
- Se o estudo da nova língua se processar gradualmente, de tal modo que o aluno antes se acostume a entender, depois a escrever e finalmente a falar.
- Se, ainda que o ensino da língua latina seja conjugado ao das línguas nacionais, o estudo da língua materna, que é mais conhecida, deve sempre preceder o da língua latina.
- Se as coisas forem sempre coordenadas de tal modo que antes sejam conhecidas as mais próximas, depois as menos próximas, a seguir as mais distantes e finalmente as longínquas. Por isso, quando ensinadas pela primeira vez, as regras deverão ser ilustradas com exemplos não muito distantes da compreensão dos alunos, tais como os extraídos da teologia, da política, da poesia etc., mas sim com os extraídos do uso cotidiano. Caso contrário, não entenderão nem a regra nem seu uso.
- Se forem exercitados antes os sentidos das crianças, depois a memória, o intelecto e, finalmente, o juízo. Essas coisas devem suceder-se gradualmente, pois a ciência começa a partir dos sentidos e, através da imaginação, passa para a memória; depois, pela indução das particularidades, constitui-se a inteligência dos universais; finalmente, com base em coisas bem entendidas forma-se o juízo, para chegar à certeza da ciência.
Por exemplo, a formação do ovo não se inicia pela parte mais dura, que é a casca, mas pela parte mole, que antes é envolvida por uma membrana e depois pela casca mais dura. Assim também, o pássaro que quer sair para voar apoia antes as patas, depois abre as asas, agita-se e finalmente, vibrando-as com maior força, eleva-se e acostuma-se a entregar-se ao ar livre.
5. A Natureza Nunca Excede, mas Contentar-se com Pouco.
Por exemplo, não exige que de um nasçam 2 passarinhos, mas fica satisfeita se dele nascer bem 1 só.
- Constitui distração para os espíritos ensinar várias coisas ao mesmo tempo, como gramática, dialética e talvez retórica no mesmo ano.
6. A Natureza Não se Apressa, mas Anda com Vagar.
É uma tortura para os jovens:
- Ficar ocupados durante 6, 7, 8 horas por dia com aulas e exercícios coletivos e depois também solitários.
- Ter de fazer ditados, exercícios e aprender de cor o maior número possível de coisas, até a náusea e a loucura, como com frequência ocorre.
Se alguém quisesse encher à força um frasco de boca estreita, em vez de pôr líquido gota a gota, o que obteria? A maior parte do líquido cairia fora e entraria quantidade bem menor do que se ele fosse posto gota a gota. Portanto, mostra ser muito inepto quem se põe a ensinar aos alunos o que lhe apraz, e não o que eles entendem, pois as forças devem ser ajudadas, e não oprimidas, e o educador, assim como o médico, é apenas um ministro, e não senhor da cultura.
Tornará mais fácil e agradável o estudo para os alunos:
- Quem os obrigar durante pouquíssimas horas (não mais de 4) a fazer lições coletivas, reservando outras, em igual medida, para os exercícios solitários.
- Quem lhes sobrecarregar o mínimo possível a memória, e só para as coisas muito importantes, deixando que as outras se escoem.
- Quem ensinar tudo de modo proporcional à capacidade dos alunos, que com o progresso da idade e dos estudos aumentará por si mesma.
7. A Natureza Só Produz o que Deseja Vir à Luz.
As mentes são forçadas:
- Sempre que submetidas a coisas superiores à idade e à capacidade.
- Sempre que obrigadas a aprender de cor ou a fazer coisas que não foram antes explicadas, esclarecidas ou ensinadas.
- Só se deve submeter os jovens àquilo que, por idade e capacidade, não só podem como também desejam apreender.
- Só se deve pretender que aprendam de cor aquilo que o intelecto já domina. E só se deve pedir à criança que repita de memória aquilo que, com certeza, ela entendeu bem.
- Só se peça para a criança fazer aquilo cuja forma e cuja regra foram exaustivamente mostradas, para que possam ser imitadas.
8. A Natureza Ajuda-se Sozinha de Todos os Modos Possíveis.
É insensível o preceptor que, atribuindo uma tarefa aos alunos, não lhes explica do que se trata nem de que modo deva ser feita; muito menos, ao contrário, os obriga a suar e a agitar-se, enfurecendo-se quando não fazem bem alguma coisa. O que é isso senão tortura para os jovens? É como se uma aia quisesse obrigar a andar depressa uma criancinha que ainda não se sustentasse com segurança sobre as pernas, e, se ela não fosse capaz, a obrigasse à força de chicotadas. O que a natureza nos ensina é bem diferente, ou seja, que devemos tolerar a fraqueza enquanto o vigor não chega.
- Para ensinar não se deve aplicar nenhuma chicotada (se não se aprende, a culpa é só do preceptor, que não consegue ou não quer tornar o aluno dócil).
- Tudo que se queira ensinar ao aluno deve ser exposto e mostrado de modo claríssimo, como se fossem os 5 dedos da mão.
- Para que todas as coisas sejam impressas mais facilmente, é preciso fazer o máximo uso dos sentidos.
Os ouvidos devem estar sempre unidos aos olhos, e a língua às mãos. Ou seja: o que deve ser aprendido não só deve ser contado para que impressione os ouvidos, mas também pintado, para que, através dos olhos, se imprima na imaginação. Os alunos, por sua vez, devem aprender logo a expor as ideias com a palavra e a expressá-las com os gestos: portanto, não se deve abandonar um assunto enquanto ele não estiver bem impresso nos ouvidos, nos olhos, na mente e na memória. Para esse fim, é útil que todos os assuntos costumeiramente tratados em determinada classe sejam representados nas paredes da respectiva sala, sejam eles teoremas ou regras, imagens e símbolos da matéria que se ensina. Se isso for feito, fornecerá inacreditável auxílio ao aprendizado. A isso está estreitamente ligado o hábito de transcrever nos cadernos pessoais ou de classe tudo o que é ouvido ou lido nos livros, porque assim se ajuda a imaginação e também se educa mais facilmente a memória.
9. A Natureza Só Produz Aquilo Cujo Uso se Manifesta.
Facilitará o estudo do aluno quem lhe mostrar como usar na vida cotidiana aquilo que está sendo ensinado. Essa utilidade deve estar sempre muito clara, em gramática, dialética, aritmética, geometria, física, etc., pois se não for percebida, tudo o que for ensinado parecerá um monstro de um novo mundo, e a criança que não se perguntar se e como existe na natureza, aprenderá por fé, e não por ciência. Mas se esclareceres a finalidade de cada coisa e, se possível, puseres tal coisa nas mãos da criança, esta sentirá que a conhece e desejará utilizá-la.
- Nada deve ser ensinado que não tenha uso imediato.
10. A Natureza Faz Tudo com Uniformidade.
A diversidade do método didático confunde os jovens e torna os estudos intrincados demais porque não só autores diferentes ensinam as artes de modos diferentes, como também um mesmo autor utiliza modos diferentes. Por exemplo, utiliza um método na gramática e outro na dialética, enquanto poderia ensiná-las de modo uniforme, beneficiando-se da harmonia universal e da relação e do nexo comum que há entre as coisas e as palavras.
Razão por que doravante será preciso atentar para:
- Que todas as ciências sejam ensinadas com um único e mesmo método, ensinando-se com um único e mesmo método todas as artes e todas as línguas.
- Que numa mesma escola a ordem e o modo sejam idênticos para todos os exercícios.
- Que as edições dos livros para uma mesma matéria sejam, na medida do possível, as mesmas.
Assim tudo ocorrerá com facilidade e sem transtornos.