Processo Penal: Notícia do Crime, Inquérito e Sumário

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Notícia do Crime e o Papel dos OPCs

Os Órgãos de Polícia Criminal (OPCs) têm um papel central na obtenção e transmissão da notícia do crime ao Ministério Público (MP), para que este possa promover o procedimento criminal, conforme disposto nos artigos 48.º e 52.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP) e no artigo 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP). Para que o MP possa iniciar um procedimento, é necessário que tenha conhecimento da eventual prática de um crime, ou seja, a notitia criminis. Essa notícia pode ser adquirida de diferentes maneiras, conforme o artigo 241.º do CPP: por conhecimento próprio, por intermédio dos OPCs ou por meio de denúncia. O conhecimento próprio refere-se à obtenção direta da notícia por meio da perceção sensorial ou outros meios, enquanto a denúncia pode ser feita por terceiros, sendo obrigatória ou facultativa. Quando os OPCs recebem a notícia do crime, seja por conhecimento próprio ou por denúncia, eles têm a obrigação de transmitir essa informação ao MP, conforme estabelecido no artigo 248.º do CPP. O prazo para essa transmissão é de até 10 dias, podendo, em situações urgentes, ser feita por qualquer meio de comunicação, mas sempre acompanhada de comunicação escrita. Mesmo que a notícia do crime seja infundada, ela deve ser transmitida ao MP, que será responsável por avaliar a credibilidade da denúncia e decidir se deve ou não dar início ao procedimento criminal. Em relação às denúncias obrigatórias, o artigo 242.º do CPP impõe que as entidades policiais devem comunicar ao MP todos os crimes públicos de que tomarem conhecimento, seja por perceção própria ou por denúncia de terceiros. Essa obrigação estende-se também aos funcionários públicos que tomem conhecimento de crimes no exercício das suas funções. A omissão de denúncia, quando obrigatória, configura um crime, conforme o artigo 367.º do Código Penal, desde que se verifiquem os elementos constitutivos do crime de favorecimento pessoal. Por outro lado, as denúncias facultativas podem ser feitas por qualquer pessoa, sendo que, para o MP abrir o procedimento, é necessário que a denúncia contenha elementos que justifiquem a sua relevância. Quando um crime é presenciado pelas entidades policiais, estas devem levantar ou mandar levantar um auto de notícia (art. 243.º do CPP). Este documento não prova a prática do crime, mas tem valor de documento autêntico e serve como base para que o MP tenha conhecimento da situação. O auto de notícia deve conter informações detalhadas sobre os factos, as circunstâncias, os envolvidos e qualquer outra prova relevante, sendo enviado ao MP no prazo máximo de 10 dias.

Medidas Cautelares Urgentes e Relatórios dos OPCs

Além disso, os OPCs têm o dever de realizar medidas cautelares urgentes para assegurar os meios de prova, mesmo antes de autorização judicial, conforme o artigo 249.º, n.º 1, do CPP. Essas medidas podem incluir a identificação de suspeitos, conforme o artigo 250.º, que permite que qualquer pessoa seja identificada se houver suspeitas fundadas sobre sua possível participação em crimes. A identificação pode ocorrer em locais públicos ou sob vigilância policial, sendo que, caso o suspeito não apresente documentos, a identificação pode ser realizada por outros meios, como o reconhecimento por terceiros ou deslocação aos locais onde os documentos se encontram. Em situações de crimes graves, como terrorismo ou criminalidade organizada, as autoridades podem realizar revistas e buscas sem a necessidade de autorização judicial, desde que haja risco iminente para a vida ou integridade de pessoas, conforme o artigo 174.º do CPP. Porém, em casos normais, é necessário que haja uma autorização judicial. Além disso, a apreensão de correspondência e dados de localização celular só pode ocorrer com autorização judicial, salvo em situações de urgência, quando os OPCs podem suspender a remessa de correspondência por até 48 horas ou obter dados de localização celular para proteger a vida ou integridade física de uma pessoa. Por fim, os OPCs são obrigados a elaborar relatórios sobre as diligências realizadas nas medidas cautelares e de polícia, conforme o artigo 253.º, n.º 9, do CPP. Esses relatórios devem ser enviados ao MP ou ao juiz competente, dependendo da fase do procedimento, sendo que em certos casos, como a realização de buscas, a autorização judicial pode ser necessária para validar os atos praticados. Assim, a atuação dos OPCs deve seguir rigorosamente a legislação processual para garantir que as provas sejam obtidas de forma legítima e que o procedimento criminal seja corretamente iniciado.

O Inquérito: Conceito, Finalidade e Direção

O inquérito tem um duplo sentido: fase processual preliminar e atividade de investigação e recolha de provas sobre a existência de um crime e seus agentes em ordem à decisão sobre a acusação. Enquanto fase processual, é a primeira fase do processo penal comum e tem por finalidade essencial o esclarecimento da notícia do crime em ordem à decisão sobre a acusação. Enquanto atividade, é o conjunto de diligências processuais que, sob a direção do MP, tem lugar na fase cronológica do inquérito e visa investigar a eventual prática de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles, e descobrir as provas em ordem à decisão sobre a acusação. O inquérito, nos termos do art. 262.º, n.º 2, é constituído por um conjunto de diligências destinadas a investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles, bem como descobrir e recolher as provas necessárias para fundamentar a decisão sobre a acusação. Visa esclarecer a notícia do crime e recolher as provas dos factos apurados, determinando se o crime se confirma, em que termos foi praticado, quem são os seus autores e a respetiva responsabilidade. É o MP que detém a competência exclusiva para a sua direção, conforme o art. 53.º, n.º 2, alínea b) do CPP. Embora o MP possa delegar algumas diligências investigatórias a Órgãos de Polícia Criminal, ele mantém a autoridade sobre o processo, com competências indelegáveis, como o recebimento de denúncias, a direção do inquérito e a dedução da acusação. O juiz de instrução pode intervir em casos específicos, especialmente para garantir os direitos fundamentais dos envolvidos, mas não pode interferir na direção do inquérito, exceto quando necessário para a proteção de direitos constitucionais, conforme o art. 268.º, n.º 2. O objeto do inquérito é definido principalmente pelo artigo 262.º, n.º 1, que estabelece que o inquérito visa investigar a existência de um crime, identificar os seus agentes, apurar a sua responsabilidade e reunir as provas necessárias para fundamentar a decisão sobre a acusação. A notícia de crime, que é a base para o início do inquérito, deve ser de um facto que, em tese, configure um crime conforme o artigo 1.º, n.º 1, alínea a) do CPP.

O Inquérito e a Natureza dos Crimes

No caso de crimes públicos (art. 262.º, n.º 1), o Ministério Público (MP) tem a competência exclusiva para dirigir o inquérito (art. 53.º, n.º 2, alínea b)) e deve reunir provas suficientes para sustentar a acusação. O inquérito visa, assim, esclarecer os factos noticiados, apurar quem são os autores do crime e a responsabilidade de cada um. Nos crimes públicos, o MP deve, de acordo com o princípio da legalidade (art. 283.º), acusar sempre que haja indícios suficientes da prática do crime, salvo as exceções previstas na lei. Nos crimes semipúblicos (art. 243.º, n.º 1, alínea a)), o inquérito depende de queixa apresentada pelo titular do direito, que será o pressuposto para a investigação ser iniciada. A queixa deve descrever os factos e pode ser seguida de acusação pelo MP, desde que o processo tenha sido regularmente constituído. No entanto, o MP só pode proceder à acusação se a queixa for válida. O assistente, em casos de crimes semipúblicos, pode também acusar, mas só em relação aos factos acusados pelo MP ou outros factos que não alterem substancialmente a acusação do MP (art. 284.º, n.º 1). Nos crimes particulares (art. 243.º, n.º 1, alínea a)), o inquérito segue o mesmo princípio de investigar a existência do crime e identificar o responsável, mas depende de uma queixa do assistente. O assistente, após a conclusão do inquérito, tem a possibilidade de deduzir a acusação particular (art. 285.º, n.º 1). A acusação do assistente não precisa ser fundamentada nas provas recolhidas no inquérito, mas, se o inquérito não apresentar provas suficientes para sustentar a acusação, o assistente pode requerer a intervenção hierárquica para que a investigação seja completada. O MP pode também acusar, mas subordinadamente, pelos mesmos factos da acusação do assistente ou por outros que não impliquem alteração substancial da acusação inicial (art. 285.º, n.º 3). Portanto, o objeto do inquérito é sempre investigar os factos noticiados, identificar os responsáveis e reunir as provas necessárias para fundamentar a acusação, sendo que, em função da natureza do crime (público, semipúblico ou particular), há diferentes requisitos legais e participações de outras partes, como o assistente. A legitimidade do MP para acusar depende da natureza do crime investigado. Nos crimes públicos, o MP tem sempre a legitimidade para acusar, sem precisar de autorização ou manifestação de vontade da vítima, conforme o art. 24.º do CPP. Nos crimes semipúblicos, o MP pode também acusar, mas depende da apresentação de uma queixa pela vítima, conforme o art. 243.º, n.º 1, alínea a). Nos crimes particulares, por sua vez, a acusação é realizada principalmente pelo assistente, sendo o papel do MP subordinado, ou seja, ele pode acusar pelos mesmos factos ou por outros que não alterem substancialmente a acusação inicial feita pelo assistente, conforme o art. 285.º, n.º 3. Em relação aos crimes públicos, o MP é o único legitimado para acusar, e se o inquérito reunir indícios suficientes de crime e de autoria, o MP deve sempre deduzir a acusação, salvo nos casos de arquivamento ou suspensão do processo, conforme os arts. 280.º e 281.º. Já nos crimes semipúblicos, a legitimidade do MP para acusar está condicionada à queixa apresentada pela vítima. Quando a queixa é apresentada, o MP pode prosseguir com a acusação, desde que existam indícios suficientes para tanto. Nos crimes particulares, o assistente, ou seja, a vítima, possui o papel predominante na acusação, mas o MP pode atuar de forma subordinada, acusando pelos mesmos factos ou por outros que não alterem substancialmente a acusação inicial do assistente. O assistente não pode requerer a abertura da instrução, sendo o seu papel limitado a realizar a acusação. Se as provas recolhidas no inquérito não forem suficientes, o assistente pode requerer a intervenção hierárquica para completar a investigação.

O Processo Sumário: Pressupostos e Tramitação

O processo sumário está regulado nos arts. 381.º a 391.º do CPP e é uma forma especial de processo. As formas especiais de processo previstas no CPP (processo sumário, processo abreviado, processo sumaríssimo) distinguem-se do processo comum não pela natureza dos crimes, mas pela ocorrência de circunstâncias especiais (por exemplo, a detenção em flagrante delito, no processo sumário) que determinam formas de tramitação mais simplificadas (princípio da celeridade processual). O processo sumário é aplicável quando o arguido tenha sido detido em flagrante delito por crime punível com pena de prisão cujo limite máximo não seja superior a cinco anos:

  • a) Quando a detenção tiver sido efetuada por qualquer autoridade judiciária ou entidade policial [art. 381.º, n.º 1, alínea a)], ou
  • b) Quando a detenção tiver sido efetuada por outra pessoa e, num prazo que não exceda duas horas, o detido tenha sido entregue a uma das entidades referidas na alínea anterior, tendo esta redigido auto sumário [art. 381.º, n.º 1, alínea b)].

São ainda julgados em processo sumário os detidos em flagrante delito por crime punível com pena de prisão de limite máximo superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infrações, quando o Ministério Público, na acusação, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a cinco anos (art. 381.º, n.º 2). Para que o processo sumário seja aplicável é, pois, necessário que o arguido tenha sido detido em flagrante delito por autoridade judiciária ou entidade policial ou, sendo a detenção efetuada por qualquer outra pessoa, o detido tenha sido entregue no prazo máximo de duas horas a autoridade judiciária ou policial, tendo esta redigido auto sumário de entrega, e a audiência se possa iniciar no máximo de quarenta e oito horas após a detenção (art. 387.º, n.º 1). A audiência em processo sumário há de iniciar-se no máximo de quarenta e oito horas após a detenção, salvo se o seu início for adiado pelos prazos e com algum dos seguintes fundamentos (art. 387.º, n.º 2):

  • a) Até ao limite do 5.º dia posterior à detenção, quando houver interposição de um ou mais dias não úteis nas quarenta e oito horas seguidas à detenção;
  • b) Até ao limite de 30 dias, se o arguido solicitar esse prazo para preparação da sua defesa ou se o tribunal, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, considerar necessário que se proceda a quaisquer diligências de prova essenciais à descoberta da verdade.

Se a audiência for adiada, o juiz adverte o arguido de que esta prosseguirá na data designada, mesmo que não compareça, sendo representado por defensor (art. 386.º, n.º 2). Se faltarem testemunhas de que o Ministério Público, o assistente ou o arguido não prescindam, a audiência não é adiada, sendo inquiridas as testemunhas presentes pela ordem indicada nas alíneas b) e c) do art. 341.º, sem prejuízo da possibilidade de alterar o rol de testemunhas. Neste caso, a audiência será depois interrompida para continuar noutro dia. A lei apenas exige que a audiência se inicie dentro de certo prazo. No processo sumário, uma vez verificados os pressupostos, o Ministério Público não pode optar pela forma comum, devendo seguir o procedimento sumário, exceto quando a sanção for passível de ser aplicada em processo sumaríssimo. Caso o Ministério Público estime que os prazos de julgamento no processo sumário não podem ser cumpridos, ele pode determinar, por si, a tramitação sob outra forma processual, sem necessidade de intervenção judicial (art. 382.º, n.º 3). O tribunal só pode reenviar o processo para outra forma processual quando verificar a inadmissibilidade do processo sumário ou a impossibilidade de realização de diligências no prazo de 30 dias, conforme art. 390.º. O reenvio também pode ocorrer quando a complexidade do processo o justifique, especialmente quando envolver múltiplos arguidos ou um crime altamente organizado. As decisões do Ministério Público e do juiz com base nos artigos 382.º, n.º 3, e 390.º não podem ser impugnadas judicialmente. Além disso, no processo sumário, apenas é admissível recurso da sentença ou despacho que ponha termo ao processo, conforme o art. 391.º. Se o processo for reenviado para a forma comum, o recurso pode ser inviabilizado, pois o julgamento não ocorreria no prazo estabelecido. Quanto ao detido em flagrante delito, este deve ser apresentado imediatamente ao Ministério Público, que pode interrogar o detido e decidir se o arquiva, suspende o processo ou o submete ao julgamento em processo sumário. Se o Ministério Público decidir pelo arquivamento ou suspensão, deve apresentar o arguido ao juiz de instrução. Caso contrário, se não houver indícios de crime, o detido é libertado e o processo arquivado. O julgamento em processo sumário segue as disposições do processo comum, com uma tramitação simplificada. A acusação, contestação e o pedido de indemnização civil podem ser feitos verbalmente e registados na ata. O julgamento também pode ser verbal e a sentença, proferida na audiência, pode ser registada diretamente na ata.

Quanto à libertação do arguido detido, ele será libertado se não for apresentado a juiz no prazo de 48 horas, conforme o art. 385.º. Em caso de libertação, o arguido será notificado para comparecer ao julgamento ou a um primeiro interrogatório judicial. No entanto, a libertação imediata não se justifica se houver risco de continuação da atividade criminosa, embora a legislação seja alvo de críticas, principalmente em relação à falta de juízos permanentes para situações de detenção.

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