Produção Antecipada de Prova no Novo CPC
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Produção Antecipada de Prova: Conceito e Função
Em minha pesquisa sobre os artigos acima mencionados, tendo em vista as doutrinas também mencionadas ao decorrer do conceito, pude concluir, por hora, que a produção antecipada de prova é um processo autônomo que permite a tutela do direito à prova. Trata-se, assim, de um procedimento próprio para o reconhecimento do direito à prova (e consequente produção de prova antecipada), ou seja, trata-se de expediente que, em certas hipóteses previstas em lei, permite que o interessado assegure a possibilidade de utilização futura de determinada prova, mesmo antes da existência de um processo principal.
Tradicionalmente, a produção antecipada de prova era vista como medida cautelar, tendente à asseguração de prova em casos em que a prova pudesse vir a desaparecer pelo transcorrer do tempo ou algum fator, alheio à vontade do interessado, pudesse vir a impedir a produção da prova no momento previsto para tanto, ou seja, a fase instrutória do processo principal. O objetivo, portanto, seria o de não perecer a possibilidade de comprovação de uma eventual alegação de fato, em função do decurso do tempo. Nessa linha, o que efetivamente ocorre não é a produção da prova propriamente dita, mas sim a sua asseguração para que venha a ser utilizada no futuro.
Na sistemática do Código Buzaid (artigos 846 a 851), para o manejo da medida, impunha-se a demonstração de urgência na necessidade de conservação de um elemento probatório potencialmente útil em um processo futuro, na forma dos requisitos tradicionais das medidas cautelares (periculum in mora e fumus boni iuris).
Na sistemática adotada pelo novo Código de Processo Civil, a produção antecipada de prova passa a ser compreendida como processo autônomo, de cunho satisfativo (satisfaz o direito à produção de prova), cuja natureza contenciosa dependerá da existência ou não de litígio quanto ao plano de fundo em eventual (não necessário, portanto) processo futuro. Essa autonomia do processo de produção antecipada de prova impõe que se reconheça a desnecessidade de propositura de demanda futura. Ao contrário, pode funcionar inclusive como estímulo a que se evite potencial litígio (DIDIER JR, Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso de Direito Processual Civil. Teoria da prova, Direito probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória. 10ª ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 139). De qualquer forma, o artigo 382 prevê a necessidade de a parte interessada na produção da prova indicar objetivamente e com precisão os fatos sobre os quais será produzida a prova e as “razões que justificam a necessidade de antecipação da prova”, razões essas que poderão ser reconduzidas a alguma(s) das hipóteses de cabimento.
Hipóteses de Cabimento
O artigo 381 do novo Código de Processo Civil prevê as hipóteses de cabimento da produção antecipada de prova, agrupando-as em três grupos de casos:
- (a) perigo de perecimento da prova (inciso I);
- (b) produção da prova que possa viabilizar autocomposição (inciso II); e
- (c) possibilidade de que a produção da prova justifique ou evite o ajuizamento da ação.
Em verdade, o rol de hipóteses previstas, em razão da vagueza dos termos utilizados, permite que se compreenda como viável a produção antecipada de prova em todas as hipóteses (independentemente, ao contrário do que previa o Código Buzaid, da comprovação da urgência na asseguração da prova). A alteração do instituto, para além de modificar a sua natureza (não mais compreendida como medida cautelar), encampa tese defendida há algum tempo em doutrina, no sentido de existência de um direito autônomo à prova (nesse sentido, por todos, YARSHELL, Flavio Luiz.Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova. São Paulo: Malheiros, 2009).
Basta, para que seja viabilizada a produção antecipada, a demonstração de que a prova, uma vez produzida, poderá ter alguma utilidade no sentido de viabilizar ou evitar o ajuizamento de uma demanda ou incentivar que se encontre uma solução consensual para o conflito. Não há mais a necessidade de demonstração de perigo de perecimento da prova. Essa tomada de posição tem por consequência tendencial a utilização do instituto de forma muito mais ampliada, aproximando o sistema brasileiro de um modelo ligado ao prévio conhecimento do acervo probatório disponível, por ambas as partes, antes da propositura da ação.
Em última análise, serve para que as partes possam tomar conhecimento ex ante dos riscos inerentes a determinado litígio, diminuindo, assim, assimetria informacional. Nessa medida, permite aos cidadãos que façam escolhas racionais e informadas a respeito do ajuizamento ou não da ação (e da conveniência de eventual autocomposição prévia à discussão judicial). Além disso, o artigo 381 assistematicamente permite a utilização do procedimento autônomo de produção de prova para o arrolamento de bens e para a justificação, quando estes tiverem por finalidade tão somente documentar certos fatos.
Para além das hipóteses de cabimento previstas no artigo 381, pode-se cogitar de produção antecipada de prova também quando necessário o incremento da prova com vistas ao alcance de certo standard probatório necessário para a concessão de uma determinada medida ou para viabilizar a quantificação necessária à dedução de pedido líquido.
Competência
Os parágrafos segundo, terceiro e quarto do artigo 381 prevêem algumas regras de competência para a produção antecipada de prova. A primeira delas diz respeito à concorrência de foros competentes (hipótese de competência relativa): foro onde a prova deve ser produzida e foro do domicílio do réu (parágrafo segundo). Quando alude a réu, o parágrafo em verdade assume como premissa a litigiosidade a respeito do conteúdo da prova, o que não é tecnicamente correto, haja vista a possibilidade de que não haja conflito a respeito do direito à produção da prova (nem mesmo certeza a respeito de qual polo ocuparão os interessados em eventual processo futuro). O parágrafo terceiro afasta a prevenção do juízo que se ocupa da produção antecipada da prova para eventual processo futuro. A previsão encontra respaldo na Súmula 263 do extinto Tribunal Federal de Recursos e na orientação jurisprudencial majoritária na vigência do Código Buzaid. Por fim, o parágrafo quarto prevê hipótese excepcional de competência estadual para a produção de prova antecipada requerida em face da União (e autarquias e empresas públicas federais que tradicionalmente deslocam a competência para a Justiça Federal), quando não houver vara federal na localidade onde deve ser produzida a prova.
Procedimento
Ainda que não indique o requerente, deverá haver a participação de todos os interessados na produção da prova ou no fato a ser provado, mediante citação, que poderá ser ordenada inclusive de ofício, pelo juiz. A participação de todos é o que viabiliza a utilização futura da prova, pois somente a prova produzida em contraditório é aproveitável em processo judicial futuro. Sem a participação de todos os interessados, a produção da prova mostra-se potencialmente inútil. Daí porque é possível, inclusive, intervenção atípica de outros potenciais participantes do processo principal. O juiz ao receber a petição inicial deverá averiguar a aptidão da inicial e, a depender do meio de prova, estruturar a forma e o cronograma para sua realização (aprazando audiência, nomeando perito, designando data para a inspeção judicial, etc). O parágrafo quarto do art. 382 prevê que não haverá defesa ou recurso, salvo contra a decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada (por se tratar de sentença, cabe apelação – sendo viável cogitar-se de agravo de instrumento se houver pedido de mais de um meio de prova e um deles for indeferido). Quanto à defesa, deve esta ser reconhecida como viável se versar sobre matérias como competência, ilegitimidade, falta de interesse na produção da prova e, mesmo, quanto à forma como foi determinada a produção da prova. Nesses casos, não havendo prazo legal, utiliza-se analogicamente o prazo de quinze dias da contestação no procedimento comum. Apesar de não estar prevista, deve ser viabilizada a produção da prova antes da citação dos interessados, quando houver urgência na sua asseguração (ou quando houver a possibilidade de que a citação dos interessados inviabilize a asseguração). Há interessante previsão no parágrafo terceiro de “contrapedido” a ser deduzido pelo interessado, de produção de qualquer prova no mesmo procedimento, desde que relacionada ao mesmo fato. O limite a essa possibilidade está no desvirtuamento do procedimento, em caso de a produção conjunta acarretar excessiva demora. A decisão final deverá apenas homologar a prova produzida, sem qualquer juízo de valor a respeito da ocorrência ou não da alegação de fato objeto de prova. Uma vez homologada a prova (normalmente o requerente é que arcará com as custas, salvo se houver expressa oposição quanto ao pedido), os autos permanecerão em cartório para extração de cópias e/ou certidões pelos interessados por um mês e, após, serão os autos entregues ao requerente (artigo 383).