Psicologia e Simbolismo dos Personagens de "Lua Cheia"
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Os personagens de Lua Cheia são semelhantes aos do romance do século XIX: eles têm uma psicologia complexa, que é discutida em profundidade, conhecemos suas biografias, o ambiente em que viviam... Mas, ao contrário do que pretendia o naturalismo, a hereditariedade e o ambiente não explicam totalmente estas figuras, nas quais há algo incompreensível que não chegamos a entender.
Procedimentos de Caracterização
Para a construção dos personagens, são usados procedimentos diferentes, mas que não se aplicam a todos na mesma medida. A caracterização fundamental baseia-se em dois pontos de vista:
- A visão da pessoa em si. (O personagem visto por dentro.)
- Ponto de vista de outros personagens. (O personagem visto de fora.)
[Nota: IES Saturnino Montojo Língua Espanhola e Literatura]
A Visão Interior (Psicologia Complexa)
O narrador, enquanto narrador na terceira pessoa, assume, saltando de um para outro, o ponto de vista de alguns dos personagens. Não narra os acontecimentos diretamente, mas revela-nos os sentimentos, pensamentos e lembranças desses personagens. Essa visão de dentro é um dos pilares da caracterização.
Os personagens principais que vemos desta maneira são:
- O Assassino
- O Inspetor
- Susan Grey
- O Padre Orduña Ferreras
O Assassino
O Assassino, por exemplo, vive num mundo que é o inferno. É um mundo negro, de pesadelo, degradado, onde não há beleza nem bondade. Para ele, todas as mulheres são prostitutas; acredita que as mães ensinam as raparigas a fazer felação, e os seus pais são um mal antigo, cujo cheiro ou som que fazem ele não suporta. Não suporta a sua idade avançada, nem o bonito bairro Renascença em que vive, pois é uma porcaria velha que ele espera que caia. Para ele, todo mundo é corrupto e preguiçoso, exceto ele, que trabalha mais do que o relógio...
O Inspetor
O Inspetor é visto a lidar com as imagens marcadas do brutal assassinato de Fátima, com uma determinação obsessiva para prender o assassino. Mas também sabemos das suas dúvidas sobre si mesmo, do seu remorso pela situação da sua esposa e da revelação que é para ele, aos seus cinquenta e tantos anos, o amor de Susan Grey.
Susan Grey
Vemos também a fadiga de Susan, após anos de trabalho não inteiramente satisfatório numa cidade que não é a sua, onde não sabe bem o que fazer, e o ressentimento contra o seu ex-marido, tão egoísta e insolente (embora a separação a tenha libertado).
Padre Orduña Ferreras
Além disso, há as reflexões sobre a alma humana e a identidade do Padre Orduña Ferreras.
A Visão Exterior (Perspetiva dos Outros)
Esta visão interior é completada com a visão externa de outros personagens. É uma vista parcial, que muitas vezes coincide com as outras e nos dá personagens mais complexos e ambíguos.
- O Assassino: Vemo-lo através dos olhos apavorados das suas vítimas: de uma prostituta que consegue ver como a violência é causada pela sua impotência sexual; ou de Susan Grey, que lhe comprou peixe e o viu servil, ignorando completamente o ressentimento e a raiva que havia nele.
- O Inspetor: A visão que os outros personagens têm do Inspetor é contraditória, tal como a sua própria personalidade: Susan não vê nele nenhum desejo real de viver; os jornalistas veem-no como um bastardo, capaz de quebrar a câmara e, além disso, iniciou uma denúncia. Para os seus colegas, ele veio do norte com uma aura de herói, mas Paula vê-o como o herói violento que a protege e que acabará por apanhar o assassino. Para o Padre Orduña, ele é uma criança fraca e cheia de ressentimento, que precisava mais de ajuda...
- Susan: Para a mãe de Fátima, Susan é o modelo da mulher que ela gostaria de ter sido e de como gostaria que a sua filha tivesse sido...
Outros personagens, não caracterizados com a profundidade dos principais, só são conhecidos através dos olhos dos outros: o marido e a esposa do Inspetor e Susan são conhecidos apenas pelas opiniões dos seus respetivos cônjuges; os pais do Assassino (que têm pior sorte) são vistos através dos olhos distorcidos do seu filho.
Detalhes Biográficos e Ambientais
Como se observa, conhecemos muitos factos biográficos dos personagens. Embora a ação ocorra em cerca de nove meses, na década de noventa, através das memórias são dadas informações sobre a biografia dos personagens de há muito tempo.
Exemplos Biográficos
Do Inspetor, por exemplo, sabemos que o seu pai lutou do lado republicano e esteve na prisão quando enviaram os filhos para um colégio interno, no colégio dos jesuítas em Orduña. O Padre Orduña será uma espécie de segundo pai para ele. Como estudante de direito, torna-se um ativista social, revela-se um polícia camuflado a colegas que lutam contra o regime. Depois, no País Basco, torna-se um polícia corajoso, mas um pouco desequilibrado, que se casa. A sua mulher acabará num hospital psiquiátrico devido à situação no País Basco e à alienação do marido. Ele vem para a cidade onde o romance acontece porque foi transferido à força do País Basco.
Também ocorrem no romance abundantes dados biográficos de Susan, de Ferreras e do Padre Orduña.
Detalhes Significativos
Além dos dados pessoais, são-nos dados detalhes dos personagens que são importantes porque servem para os definir e entender melhor. As divisões em que vivem, por exemplo:
- Padre Orduña: É alguém que não se preocupa com o ambiente onde vive; vive no seu próprio mundo interior, onde tudo parece estar como há 20 anos, talvez um tempo melhor para ele.
- Susan Grey: Pelo contrário, é alguém que tem sensibilidade para o feio e precisa de criar um ambiente agradável.
- O Inspetor: O seu quarto parece um quarto de hotel, como alguém que está de passagem e que, após quatro meses, não tem nenhum detalhe pessoal.
O Assassino revela dados que expõem os seus problemas sexuais: o tamanho do seu pénis e a provocação que isso lhe causou no exército, o seu gosto por filmes pornográficos, a segurança que lhe dá a faca (uma protuberância nas calças justas), as suas noites sem dormir, o cheiro a peixe das suas mãos que não consegue eliminar...
A par das características, são utilizados binómios para definir alguns personagens: o compromisso e o tormento (o marido de Susan), ou o cristianismo e o marxismo (o Padre Orduña).
A Mistificação e o Simbolismo
[Nota: IES Saturnino Montoia Língua Espanhola e Literatura]
Embora, como vimos, os personagens não sejam "tipos", mas sim figuras completamente individualizadas, eles têm algumas características que lhes conferem um valor genérico e simbólico.
Os dois personagens principais, protagonista e antagonista, não têm nome (o Assassino e o Inspetor). Provavelmente, apesar da sua individualidade, a sua tipificação genérica é clara: o mal e a luta contra o mal.
Mas a figura mítica é claramente o Assassino. O Assassino é a personificação do mal e, provavelmente, são-lhe dados (embora subtilmente) traços de lobisomem:
- A sua personalidade dividida: uma suave e servil, a outra cheia de fúria, raiva e ressentimento.
- A perturbação que a lua cheia lhe causa (sempre comete violações na lua cheia).
- A quantidade de cabelo que tem por todo o corpo...
A importância desta caracterização mítica é sublinhada pelo título: Lua Cheia.