A Razão Estética e o Homo Aestheticus: Corpo e Sentidos
Classificado em Filosofia e Ética
Escrito em em português com um tamanho de 11,53 KB
O Surgimento da Razão Estética e o Homo Aestheticus
O corpo é a criação mais notável, sensível e delicada, que tem o poder de se manifestar visivelmente na carne e no mundo concreto, e na carne do meu corpo senciente. É, portanto, natural. É importante que o corpo seja luz, pois através dele podemos ver o mundo. O ser humano é o único animal estético; ele não apenas experimenta o prazer estético (característica de outros animais), mas também cria valores estéticos. De fato, os animais também apreciam o mundo através da percepção pura, sem qualquer finalidade biológica ou prática. Os animais prepararam o caminho para o *Homo aestheticus* (homem estético ou artístico), caracterizado por ser o reconhecedor e criador de valores estéticos. Para o homem, o mundo só começou a existir verdadeiramente quando ele se tornou detentor de valores estéticos, quando ele percebeu a beleza.
Não há homem até que sua razão se desenvolva, e essa razão não é a razão estética. O ser humano tem a capacidade de separar o prazer da satisfação das necessidades. O prazer estético no homem (natureza humana) é um prazer em *patiencia*, não uma consciência de responsabilidade ou um mero prazer físico. O homem não vive apenas para a sobrevivência, mas da sobrevivência. O sentimento é colocado em um corpo que é libidinal e espiritual. Fala-se do corpo como algo externo ao indivíduo, algo que não *se tem*, mas que *se é*. No entanto, isso muda quando o corpo está doente, pois é o corpo que se torna o sujeito; o que acontece com o corpo, acontece com o sujeito, e seu destino é o destino do sujeito.
Gênese Antropológica, Social e Histórica da Consciência
A força motriz do corpo é o ponto de partida para o desenvolvimento da compreensão, imaginação, memória e linguagem. A vida só faz sentido através do corpo, à medida que suas habilidades motoras amadurecem e, consequentemente, as intelectuais. A *apreensão* é a primeira forma de conhecimento *háptico* dos seres humanos. O mundo começa a fazer sentido ao introduzir o corpo nele. Portanto, o corpo é o túmulo dos deuses (Alain) e o corpo humano *mundaniza-se*. Assim, se o corpo é o túmulo dos deuses, para mim ele é o Olimpo.
A Atitude Estética: Fonte de Maravilha, Filosofia e Religião
O mundo é o espaço que o corpo tem para sentir e agir. Meu corpo é o parceiro do mundo, não eu. Eu não *o tenho*, nem *me tenho* se meu corpo não tem sequer o seu próprio. Apreciar a vida será, para o homem, apreciar o mundo. A vida deixa de ser apenas uma fase de luta pela sobrevivência, tornando-se um lugar onde existem belos objetos com formas e cores bonitas. A admiração é o que nos distingue dos animais. Portanto, a capacidade de admiração estética é o que nos torna humanos e é a causa da arte, da cultura e da religião. A presença do sagrado (o divino) manifesta-se através do divino no mundo: o mundo é sagrado, glorioso e maravilhoso através dos grandes eventos que o homem *observa* e *ama*, o que desperta seu impulso religioso e estético.
Razão Estética no Homem Primitivo: Saber Ver e Saber Fazer
O homem primitivo era sensível à beleza, graças aos poucos objetos que construía (esculturas de osso e chifre, cerâmica decorada, figuras de animais e humanas pintadas, anéis, brincos). Por milhares de anos, construiu sepulturas, jarros amassados e outros objetos com um propósito pragmático, capazes de responder a uma necessidade vital. Mas o homem primitivo também demonstrava uma preocupação estética. Portanto, as obras dos homens respondiam a uma preocupação vital, mas sempre com um *aspecto* estético. Assim, o *Homo faber* foi e continua sendo um *Homo aestheticus*. Ele criou objetos úteis, sempre tentando que fossem objetos bonitos. A criação de um objeto necessita dar forma a uma *matéria*, o que permite que a função desse objeto seja *atendida*. A palavra "bonito" está diretamente ligada à palavra "forma", vindo da palavra latina "*formosus*", ou seja, "bela forma". No entanto, o utilitário sempre prevalece sobre a beleza. *Sacrifica-se* a razão para a *função* em detrimento da beleza, o benefício estético em detrimento do valor prático ou de uso. Ele sempre executa uma função que traz um benefício (a seta para a caça, uma faca de corte, etc.).
Atitude Estética e a Proposta de Beleza dos Cinco Sentidos
A criação da beleza é um luxo *para o* animal; o trabalho e o tempo para criá-la não contam (nunca é tarde demais, se o trabalho é bom). A arte vem da economia e da diversão. A única utilidade que a obra de arte exige é *o prazer*. Isso é ir "*às coisas mesmas*". Na experiência estética, o original deve ser retomado imediatamente, tornando-a uma experiência que apela aos sentidos, para desfrutar a obra com todo o corpo. É todo o corpo que está envolvido na operação de cada sentido; o sentido estético do objeto é percebido não apenas por um sentido corporal. Uma experiência estética demanda estar instalada nos cinco sentidos, com uma prioridade do visual (o que torna a experiência estética uma experiência *asséptica* adequada). O destinatário da obra foi e continua a ser *privado* de todos os direitos sobre seu corpo quando entra em uma sala de exposições ou museu; não se espera que ele tenha apenas o ponto de vista do convidado.
Portanto, essa arte deve ser condenada por sua distância, por ser uma arte "fria", uma arte para observadores e espectadores, que só promove a frieza estética, a deficiência ou a incapacidade de desfrutar, de apreciar a obra, de vivenciá-la. Uma arte que nos convida a olhar e não a agir, a manter uma distância para não entrar em contato com a obra. A Modernidade tem fomentado um espectador imparcial e independente, acreditando que a objetividade da experiência perceptiva e da compreensão é alcançada a partir de um olhar *objetificador*. A experiência estética também caiu sob os efeitos *nocivos* de uma relação com o mundo que criou e espalhou essa cultura *abstrata e objetificadora*, que convida a uma interação com obras de arte baseada mais no ensaio (a *hermenêutica*) do que no prazer (*catarse*). Portanto, o sentimento estético é um sentimento erótico, no qual todos os cinco sentidos devem se envolver. A obra de arte atualmente *convida o espectador à participação*. Quando se vai a um museu, deve-se ir *com a obra*, pois ela deve ser *vivenciada* em sua plenitude de corpo e espírito. Desde os tempos antigos, os sentidos que operam à distância, visão e audição, têm reinado hegemonicamente. Os demais, apenas o contato, têm sido considerados inferiores pela nossa cultura e, assim, expulsos da experiência estética.
A *exclusão* dos três sentidos da epiderme resultou na lógica excomunhão da repressão do desejo, do prazer libidinal, físico e sexual, a partir do exercício desses sentidos táteis. A supremacia cultural dos sentidos de distância e das artes a eles conectadas está ligada ao poder exercido por grupos sociais dominantes e à ideologia que eles transmitem. O corpo foi despojado de qualquer capacidade de conhecer. Algo mudou na consideração que temos do nosso corpo. O corpo está na vanguarda quando se trata de responder à pergunta de Kant: "O que é o Homem?". E para Nietzsche, há mais razão em nosso corpo, em nossa sabedoria.
A Atitude Estética e a Demanda por um Olhar Inocente
A sabedoria do corpo é o que deverá permitir-nos superar a ideia de que a experiência estética foi introduzida na vida humana para o prazer e a dedicação dos sábios. A experiência estética não deve ser apenas inteligível (delimitada pelos sábios), mas também sensível (universal). Uma maneira sensível, apreendida pelos sentidos, opõe-se à forma inteligível, à Ideia, apreendida pelo intelecto. Perceber a obra de arte não é apenas uma questão de entendimento, nem se trata apenas do inteligível; é permitir que o corpo e os poderes que são estranhos para a maioria se manifestem: sensibilidade, sensação, carinho. Percepções e julgamentos são dois atos separados e visivelmente diferentes. Husserl aponta que a arte, como expressão, revela um mundo de expressão. É o objeto expressivo por excelência; essa expressão está ligada principalmente à sensibilidade. Um senso de expressão que é experimentado no cerne da percepção não precisa ser amplamente cultivado e iluminado; uma percepção ingênua ou "selvagem" pode simpatizar com o sensível. O objetivo é recuperar um olhar "em branco" sobre o mundo. Nós inserimos nosso corpo no corpo das coisas para *compreendê-las*. Eles tentam fazer com que as coisas sejam apenas objetos *pristinos*. Basta olhar para o mundo com um olhar desinteressado, quando somos meros espectadores. O espectador tem o prazer de ver; esse é o seu interesse único e exclusivo. Para ele, o mundo inteiro é um espetáculo. O olho recupera sua *natureza* original: o prazer de observar. No corpo dos animais, é um prazer sentir o nascimento do mundo.
Os animais apreciam o mundo através da percepção pura, um sentimento, sem qualquer finalidade prática. Fazemos o que sentimos. O sentimento necessita de uma prática ou exercício de arte, um exercício, uma purificação para remover os *apegos* insalubres da consciência, para que se possa tomar posse das coisas em si. A percepção precisa ser limpa, removendo as antigas opiniões que temos sobre as coisas e que as escondem de nós. Arte e fenomenologia são escolas nas quais aprendemos a ver o mundo. Tornar-se um artista é tornar-se cada vez mais sensível ao sensível. Nossa consciência é, antes de tudo, *pele*, um lugar de encontro com o sensível e o real, que tem a potencialidade de ser um corpo vivo e sensível paradoxal, a luz natural.
Poiesis como Arte: Atividade Criativa e Natura Naturans
A arte recria um encontro entre o corpo e o mundo. É um encontro carnal que estabelece o evento sublime da fenomenalidade, o que torna possível que algo se *fenomenize* diante de nós, esteja em nós e por nós. O artista não reproduz o que é visto, mas *dá a ver*; não *recria* o mundo, mas cria um mundo ainda não visto. Ele cria o que é visível através da forma fenomenal de seu estilo, dessa forma corporal e pessoal que cada artista tem, tão sensível quanto o significado. É aqui, a *Natura* (*physis*), que estabelece o fundamento último de toda a criação artística. Isso não é propor uma realidade metafísica, mas é o próprio cosmos como instância fundamental que tem o tempo, espaço e movimento como um de seus poderes originais, e a secularização das entidades, o surgimento de novas formas, como expressão sensível de seu poder *poiético*. A estética fenomenológica estaria aberta a uma fenomenologia construtiva que especula racionalmente sobre as raízes de tudo o que é humano nesta natureza primordial e imemorial, uma natureza que não pode ser experimentada direta ou intuitivamente e, talvez, só pode ser percebida pelo ser humano por meio de fenômenos nos quais o poder é expresso como origem poiética. Há eventos que expressam a presença do original, a força e a vida são as epifanias da realidade última, *às quais se acrescenta a morte, em terceiro lugar*. A Natureza não é apenas *Natura naturans*, força *naturante* ou poder vivificante, mas também o poder e a força *denaturante*, *destruidora*. A natureza dá tudo e tudo *remove*; a ela também pertencem a vida e a morte. A energia primária no homem não só cria, mas *destrói*. Assim, a vida e a morte alternam-se no mundo.