Reforma Constitucional e Estados de Exceção no Chile

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Processo de Reforma Constitucional

1. Iniciativa:

  • Para promover o debate parlamentar sobre uma reforma constitucional, o Presidente da República pode escolher qualquer câmara para iniciar o processo, sem exceção.
  • Os Deputados só podem apresentar projetos na Câmara dos Deputados, e os Senadores, no Senado.

2. Quórum de Aprovação:

  • A regra geral de quórum é de 3/5 dos membros em exercício de cada câmara.
  • Excecionalmente, este quórum é aumentado para 2/3 dos membros em exercício de cada câmara quando a reforma visa matérias dos seguintes capítulos da Constituição Política da República (CPR):
    • Cap. 1º - Bases da Institucionalidade
    • Cap. 3º - Direitos e Deveres Constitucionais
    • Cap. 8º - Tribunal Constitucional
    • Cap. 11º - Forças Armadas, de Ordem e Segurança Pública
    • Cap. 12º - Conselho de Segurança Nacional
  • Este quórum mais elevado é necessário porque esses capítulos definem o perfil fundamental da Constituição.
  • O projeto deve ser aprovado em ambas as câmaras pelo quórum de 3/5 ou 2/3, respetivamente. Não há possibilidade de aprovação por insistência nesta fase.

3. Tramitação e Sanção Presidencial:

  • Antes da reforma de 2005, após a aprovação separada pelas duas câmaras, existia um procedimento de ratificação pelo Congresso Pleno, 40 dias depois. Este passo foi eliminado por ser considerado desnecessário. A sua filosofia era promover a reflexão dos parlamentares sobre a conveniência da alteração.
  • Após a reforma de 2005, o projeto aprovado vai diretamente para o Presidente da República, sem a etapa de ratificação pelo Congresso Pleno.
  • O Presidente tem um prazo de 30 dias para decidir se sanciona ou veta o projeto (sanção pode ser tácita ou expressa).
    • Sanção Tácita: Se o Presidente não se manifestar em 30 dias, deve promulgar a reforma nos 10 dias seguintes ao término desse prazo.
    • Sanção Expressa: Se o Presidente anunciar a intenção de aprovar, deve promulgar nos 10 dias seguintes a essa comunicação ao Congresso.

4. Veto Presidencial:

  • Caso o Presidente vete o projeto, o veto pode ser total ou parcial.
  • Veto Total: O Presidente opõe-se a todo o projeto. O projeto é arquivado, a menos que ambas as câmaras insistam no projeto original com um quórum de 2/3 dos membros em exercício.
    • Se houver insistência, o Presidente tem duas alternativas:
      1. Promulgar o projeto insistido no prazo de 10 dias.
      2. Não promulgar e convocar um plebiscito para que o povo decida sobre a reforma constitucional. A convocação deve ocorrer em 30 dias após a insistência, incluindo o texto da reforma. Se o prazo de 30 dias expirar sem convocação, o Presidente é obrigado a promulgar o projeto nos 10 dias seguintes.
  • Veto Parcial: O Presidente aprova o projeto, mas introduz modificações (vetos supressivos, aditivos ou substitutivos). O projeto retorna ao Congresso para análise dos vetos.
    • Os vetos são considerados aprovados se ambas as câmaras os aprovarem separadamente, com o quórum correspondente à matéria reformada (3/5 ou 2/3). Neste caso, o Presidente promulga em 10 dias.
    • Se alguma das câmaras não atingir o quórum para aprovar os vetos, estes são considerados rejeitados. Em princípio, a parte do projeto afetada pelos vetos rejeitados morre, a menos que ambas as câmaras, numa segunda votação conjunta, alcancem 2/3 dos membros em exercício para insistir na totalidade ou parte do projeto original aprovado pelo Congresso.
    • Diante da insistência das câmaras sobre o projeto original (total ou parcial), o Presidente tem novamente duas opções:
      1. Promulgar o projeto insistido no prazo de 10 dias.
      2. Convocar um plebiscito no prazo de 30 dias após a insistência, incidindo apenas sobre as questões em que há desacordo entre o Presidente e o Congresso. Se não convocar o plebiscito no prazo, é obrigado a promulgar nos 10 dias seguintes.

5. Plebiscito:

  • O decreto de convocação do plebiscito deve indicar a data da sua realização.
  • A Constituição estabelece que o plebiscito não pode ocorrer antes de 30 dias nem depois de 60 dias, contados da publicação do decreto no Diário Oficial.
  • O Tribunal Qualificador de Eleições (TRICEL) proclama solenemente os resultados e apresenta-os imediatamente ao Presidente.
  • O Presidente deve promulgar a reforma (conforme o resultado do plebiscito) no prazo de cinco dias.

6. Incorporação da Reforma e Leis Interpretativas:

  • A partir do momento em que a lei de reforma constitucional entra em vigor, o seu texto é incorporado diretamente ao texto da Constituição. As edições futuras da CPR refletirão essa alteração.
  • Isto difere das leis interpretativas da Constituição, que não se incorporam fisicamente ao texto constitucional, permanecendo como leis separadas (geralmente referenciadas em notas de rodapé).
  • Consequência: Se uma matéria não está incorporada diretamente na Constituição (como uma lei interpretativa), a sua modificação não exige uma nova reforma constitucional, mas sim a aprovação de outra lei interpretativa, que, segundo o Art. 66 da CPR, requer um quórum de 3/5 dos membros em exercício para ser aprovada, modificada ou revogada.

Poderes Políticos do Presidente: Estados de Exceção Constitucional (Art. 32º nº 5 e nº 20 CPR)

O Artigo 32º nº 5 da Constituição confere ao Presidente o poder de declarar estados de exceção constitucional. Estes são mecanismos jurídicos que o Presidente pode ativar para enfrentar situações anormais de calamidade pública ou perturbação política.

  • São essencialmente transitórios. A sua permanência indefinida indicaria instabilidade no sistema político e questionaria a sua legitimidade (como ocorreu durante o regime militar, que manteve o país em estado de exceção por 17 anos).
  • A mera declaração de um estado de exceção não afeta automaticamente os direitos das pessoas, mas autoriza o Presidente a suspender ou restringir certos direitos, conforme a Constituição e a lei permitam para cada estado específico.
  • A suspensão ou restrição de direitos deve ser considerada adequada e necessária para restaurar a normalidade institucional ou a ordem pública. O Presidente não pode suspender ou restringir quaisquer direitos indiscriminadamente.
  • Exemplos de restrições: proibição de reuniões para fins políticos, limitações à liberdade de informação, restrições ao direito de propriedade.
  • A Constituição estabelece o quadro geral, e a Lei Orgânica Constitucional (LOC) 18.415 regula os estados de exceção (embora algumas das suas disposições tenham sido tacitamente revogadas pela reforma constitucional de 2005).

Distinção entre Suspensão e Restrição (segundo a LOC):

  • Suspensão: Privação temporária do exercício de um direito. Ex: Proibição total de reuniões em locais públicos durante a vigência do estado.
  • Restrição: Limitação ao exercício de um direito, que ainda pode ser exercido, mas com condicionantes. Ex: Proibição de publicar certas informações (como fotografias de atos terroristas na primeira página de jornais, como ocorreu no regime militar), mas permitindo informar sobre outros assuntos.

Importante: A Constituição especifica quais direitos podem ser suspensos ou restringidos em cada estado de exceção. Se o Presidente exceder esses limites, o ato é inconstitucional e pode ser contestado judicialmente (ex: recurso de proteção, amparo).

Exemplo Histórico: Durante o regime militar, o estado de emergência só permitia restringir a liberdade de informação. Quando o governo impôs censura prévia (exigindo aprovação do Ministério do Interior antes da publicação), levantou-se a questão se isso era uma restrição (permitida) ou uma suspensão (inconstitucional). O tribunal concluiu que era uma suspensão, pois impedia a liberdade de informação enquanto a verificação não ocorresse, sendo, portanto, inconstitucional.

Tipos de Estados de Exceção e Causas Justificativas

A declaração de um estado de exceção requer a ocorrência prévia de uma situação fática específica que o justifique, conforme definido na Constituição:

  1. Estado de Assembleia:
    • Causa: Guerra externa (declarada ou de facto).
  2. Estado de Sítio:
    • Causa: Guerra interna ou comoção interior grave.
      • Guerra Interna: Confronto violento entre setores da comunidade nacional pelo poder ou confronto entre a autoridade legítima e forças rebeldes organizadas militarmente.
      • Comoção Interior: Situação grave de instabilidade que ameaça o colapso do sistema institucional (ex: situação pré-1973 no Chile, caracterizada por desrespeito à Constituição, supressão de direitos, colapso económico, etc.).
  3. Estado de Emergência:
    • Causa: Casos graves de alteração da ordem pública ou grave dano para a segurança nacional. A diferença com a comoção interior é a menor gravidade e o caráter mais localizado ou isolado dos eventos, sem ameaça iminente à estabilidade do Estado.
  4. Estado de Catástrofe:
    • Causa: Calamidade pública (desastres naturais como terramotos, inundações, secas, epidemias, ou desastres decorrentes de ação humana).

Declaração, Duração e Controlo dos Estados de Exceção

  • Estado de Emergência e Estado de Catástrofe:
    • Declaração: O Presidente da República declara por decreto próprio.
    • Duração (Emergência): Máximo de 15 dias, prorrogáveis por mais 15 dias pelo Presidente. Prorrogações sucessivas requerem o acordo do Congresso Nacional. O Congresso tem 5 dias para se pronunciar; o silêncio implica acordo.
    • Duração (Catástrofe): Pelo tempo que durar a calamidade. Se o Presidente pretender declarar por mais de um ano, necessita do acordo do Congresso (prazo de 5 dias para pronunciamento, silêncio implica acordo).
    • Controlo do Congresso: O Congresso pode, por iniciativa própria, pôr fim ao estado de catástrofe ou emergência se considerar que as causas cessaram, mas apenas após 180 dias da declaração presidencial.
    • Autoridade Militar: O decreto presidencial deve designar uma autoridade militar (Chefe da Defesa Nacional) para assumir o comando nas zonas afetadas, com o dever de manter a ordem pública. O Presidente deve informar periodicamente o Congresso sobre as ações militares.
  • Estado de Sítio e Estado de Assembleia:
    • Declaração: O Presidente só pode declarar com o acordo prévio do Congresso Nacional. O Congresso tem 5 dias para decidir (sim ou não, sem condicionantes). Se o acordo for negado, o Presidente não pode declarar o estado.
    • Declaração Temporária: Enquanto o Congresso delibera, o Presidente pode declarar temporariamente o estado de sítio ou de assembleia por conta própria.
    • Duração (Sítio): Máximo de 15 dias, prorrogáveis por mais 15 dias pelo Presidente. A Constituição não é explícita, mas entende-se que as prorrogações sucessivas também requerem acordo do Congresso.
    • Duração (Assembleia): Pelo tempo que durar a guerra externa.
    • Nota (Pré-Reforma 2005): Anteriormente, a LOC estabelecia um prazo máximo inicial de 90 dias para todos os estados, passível de prorrogação.

Distinção entre Prorrogação e Renovação:

  • Prorrogação (Extensão): Continuação do mesmo estado de exceção, devendo ser solicitada antes do término do prazo vigente. As medidas adotadas permanecem em vigor.
  • Renovação: Declaração de um novo estado de exceção após o término do anterior. As medidas do estado anterior extinguem-se, sendo necessário decretá-las novamente, se for o caso. Embora a Constituição mencione prorrogação, entende-se que a renovação também é possível.

Direitos Afetados (Art. 43 e seguintes da CPR)

A Constituição especifica quais direitos podem ser afetados em cada estado. Se o Presidente afetar direitos não permitidos para aquele estado específico, o ato é inconstitucional.

  • Direitos Afetados no Estado de Assembleia:
    • Pode-se suspender ou restringir a liberdade pessoal, o que inclui:
      • Prender pessoas: Em suas casas ou em locais que não sejam prisões (não se trata de detenção por crime, mas de medida de segurança contra indivíduos considerados perigosos para a segurança nacional). A ordem é dada pelo Ministro do Interior, por decreto presidencial. A LOC 18.415 exige que a transferência ocorra para uma área urbana. (Diferente de desterro, que é pena judicial).
      • Expulsar do território nacional: Por ordem presidencial, não como pena por crime (diferente de estranhamento).
      • Proibir o ingresso ou saída do país.
      • Restringir a liberdade de locomoção (ex: toque de recolher).
    • Pode-se restringir o exercício do direito de associação e a liberdade de informação.
    • Pode-se restringir o direito de reunião.
    • Nota sobre Terminologia: "Prisão" neste contexto refere-se à privação de liberdade por razões de segurança ou medidas disciplinares, distinta de "detenção" ou "reclusão" associadas a processos criminais.
  • Direitos Afetados no Estado de Sítio:
    • Pode-se restringir a liberdade de locomoção.
    • Pode-se prender pessoas em suas próprias casas ou em locais que não sejam cárceres.
    • Pode-se suspender ou restringir o direito de reunião.
    • Pode-se restringir a liberdade de informação e de opinião.
  • Direitos Afetados no Estado de Emergência:
    • Pode-se restringir a liberdade de locomoção.
    • Pode-se restringir o direito de reunião.
  • Direitos Afetados no Estado de Catástrofe:
    • Pode-se restringir a liberdade de locomoção.
    • Pode-se restringir o direito de reunião.
    • Podem ser estabelecidas limitações ao exercício do direito de propriedade.
    • Podem ser adotadas medidas administrativas extraordinárias para agilizar a resposta à calamidade, simplificando procedimentos legais e burocráticos.
  • Requisições de Bens (Apenas nos Estados de Assembleia, Sítio e Catástrofe):
    • São empréstimos forçados de bens (móveis ou imóveis, consumíveis ou não) impostos pelo Estado (geralmente autoridades militares) para atender às necessidades da emergência.
    • O Estado deve devolver o bem ou pagar uma indemnização adequada. O valor é acordado entre a autoridade e o afetado; na falta de acordo, é determinado pelos tribunais.
  • Limitações ao Domínio (Apenas nos Estados de Assembleia, Sítio e Catástrofe):
    • São obrigações impostas ao proprietário, sem privação do bem.
    • No entanto, se a limitação privar o proprietário de atributos essenciais do domínio (uso, gozo), corresponde indemnização.

Controlo Judicial

As medidas tomadas pelo Presidente que afetem os direitos das pessoas durante os estados de exceção podem ser contestadas nos tribunais através das ações constitucionais pertinentes, como o recurso de proteção e o recurso de amparo (habeas corpus).

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