Reforma Protestante: Causas, Conflitos e Consequências
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Causas das Heresias e da Individualidade Religiosa
A longa crise do século XIV — a fome, a Peste Negra e a Guerra dos Cem Anos — abalou profundamente a mentalidade e os comportamentos dos europeus. Na religião, muitos comportamentos extremaram-se, oscilando entre uma religiosidade exagerada e apocalíptica e o ceticismo ou a heresia. A Igreja viveu um período conturbado devido à divisão (o Grande Cisma do Ocidente) entre dois papas: o de Roma e o de Avinhão. A conduta moral do clero encontrava-se afastada dos princípios do cristianismo, pois:
- Viviam rodeados de luxo;
- Papas e clérigos tinham mulheres e filhos apesar do voto de castidade (viviam em concubinagem);
- Exploravam os pobres através da cobrança da dízima;
- Usavam os bens da Igreja em proveito próprio, eram corruptos, levianos e falsos.
Os bispos, cardeais e papas geriam os assuntos da Igreja como se de um Estado laico se tratasse, envolvendo-se em guerras e disputas políticas com príncipes e reis. Face a estes acontecimentos, vários fiéis começaram a exprimir publicamente as suas críticas. Formaram-se heresias por toda a Europa, sendo as mais importantes as que surgiram em Inglaterra e na Boémia, com John Wycliffe e Jan Hus, respetivamente. Wycliffe, professor da Universidade de Oxford, traduziu a Bíblia para inglês, interpretou-a de modo pessoal, contestou a autoridade do Papa e censurou o culto dos santos e das relíquias. Hus, discípulo de Wycliffe e reitor da Universidade de Praga, opôs-se abertamente à autoridade papal e propôs o regresso aos ensinamentos da Bíblia e das Sagradas Escrituras, sem adulteração. Os Humanistas, como Erasmo de Roterdão e Lourenço Valla, criaram obras onde criticavam a corrupção, a ignorância e a hipocrisia do clero, lamentavam que a Igreja Católica se tivesse tornado um poder secular e apelavam à reforma religiosa. O movimento da Devotio Moderna, iniciado nos Países Baixos por um grupo de irmãos leigos – os Irmãos da Vida Comum –, defendia que a renovação da Igreja passava por uma menor separação entre eclesiásticos e leigos e por uma vivência mais quotidiana dos preceitos de Cristo. Este movimento teve muitos adeptos, principalmente após a divulgação das ideias expostas na obra “Imitação de Cristo”, elaborada pelo monge alemão Tomás de Kempis. O Frei Girolamo Savonarola também criticou os desvios à pureza do cristianismo pelo clero e pelo Papa Alexandre VI. Muitos destes críticos da Igreja, como Jan Hus e Savonarola, pagaram com a vida a sua frontalidade.
A Reforma Protestante
No início do século XVI, o Vaticano queria construir uma nova Basílica de São Pedro. De forma a angariar verbas para esta obra, a Igreja Católica prometeu aos fiéis que contribuíssem o perdão dos seus pecados. Este episódio ficou conhecido como a “Questão das Indulgências”. Martinho Lutero afirmava que estas não passavam da exploração dos crentes e, indignado, redigiu um corajoso documento (as 95 Teses Contra as Indulgências), criticando as indulgências e o Papa, afixando-o na porta da Catedral de Wittenberg. Após isto, Lutero foi excomungado e declarado herege. A partir daí, passou a dedicar-se à crítica de certos dogmas da Igreja, traduzindo a Bíblia para alemão e redigindo, em três obras, o essencial do seu pensamento teológico, organizando uma nova doutrina: o Luteranismo. Esta sua doutrina teve muito sucesso e foi apoiada pela nobreza alemã, que lhe deu cobertura e abrigo. Este novo pensamento deu origem a um amplo movimento de contestação à autoridade papal e de renovação da doutrina católica, que o Vaticano batizou de Reforma Protestante. Esta deu origem a novas igrejas protestantes que dividiram o cristianismo em duas doutrinas: o Catolicismo, obediente ao Vaticano, e o Protestantismo, que se subtraiu à autoridade dos papas.
A Contrarreforma e o Concílio de Trento
A Contrarreforma (ou Reforma Católica) surgiu como resposta da Igreja Católica face à expansão do protestantismo, com a criação de uma série de medidas de confronto e de controlo dos fiéis que possibilitassem a perseguição aos “reformadores” e inibissem quem os quisesse seguir. Foi a difusão do Protestantismo que tornou urgente a reforma da Igreja Católica, e essa reforma foi iniciada pelo Papa Paulo III, com a convocatória para a realização do Concílio de Trento. As principais decisões deste concílio foram:
- A condenação das doutrinas protestantes, reafirmando-se o livre-arbítrio, a graça divina como justificação da Salvação e as boas obras como meio para a sua obtenção;
- A confirmação dos sete sacramentos, do sacrifício da Missa, dos seus ritos e da existência do Purgatório;
- A reafirmação do valor das indulgências e do culto à Virgem e aos santos;
- A definição das Sagradas Escrituras, mas também da tradição da Igreja, como fontes da Fé;
- O estabelecimento de uma versão católica oficial da Bíblia, adotando-se a Vulgata de São Jerónimo;
- A publicação de um catecismo que serviria de norma para o ensino da religião;
- A reafirmação da superioridade do Papa sobre os concílios.
Diferenças entre as Igrejas Protestantes
Luteranismo
O Luteranismo foi a primeira das igrejas reformadas, constituída pelas reflexões e reformas doutrinais realizadas por Martinho Lutero e alguns dos seus discípulos. As grandes teses do Luteranismo eram: a salvação pela fé, a interpretação pessoal das Sagradas Escrituras, o sacerdócio universal, a recusa do primado teológico do Papa e a redução dos sacramentos a dois (Eucaristia e Batismo). Na sua obra “Pequeno Tratado da Liberdade Cristã”, justificava que o Homem, somente pelas suas obras, nunca conseguirá sacrificar-se de modo a obter a salvação; seria apenas pelo ato de crer, ou seja, pela Fé, que chegaria à santificação. No “Manifesto à Nobreza Alemã”, combateu a imunidade do clero quanto às leis civis e negou a exclusividade do Papa na interpretação das Escrituras; segundo ele, “as Sagradas Escrituras interpretam-se por si mesmas”, de acordo com a consciência crítica e a Fé de cada um. Em “Cativeiro Babilónico da Igreja”, Lutero reduziu os sete sacramentos a três (batismo, casamento e eucaristia) e, mais tarde, a apenas dois: o batismo e a eucaristia.
Calvinismo
O Calvinismo teve como base a doutrina reformadora de João Calvino e de outros seguidores. Influenciada pelo luteranismo, a doutrina calvinista encontrava-se formulada de modo mais lógico e claro, revestindo-se de um caráter mais austero e rigoroso. Os calvinistas consideravam Deus como senhor absoluto e fundamento de todas as coisas e, à luz do Antigo Testamento, como um ser majestático e imperioso que devemos temer. A doutrina da predestinação absoluta era a característica original e identificadora do Calvinismo: era Deus quem determinava alguns seres humanos para a vida eterna e outros para a morte eterna. Todo o ser humano que tivesse Fé poderia estar certo da sua Salvação, porque a Graça, uma vez adquirida, era definitiva. A doutrina da predestinação absoluta implicava também a negação do livre-arbítrio. Na igreja calvinista não existem hierarquias; entre os fiéis e Deus só se admite um mediador – Cristo – e, por isso, as imagens da Virgem e dos santos foram banidas das igrejas, tal como o seu culto. Ao contrário de Lutero, que defendia que a Igreja se devia sujeitar ao arbítrio do Estado, para Calvino era o Estado que devia ser absorvido pela Igreja. O Calvinismo admitia a legitimidade do lucro e valorizava o trabalho e a poupança como referências válidas para a formação do ser humano.
Anglicanismo
O Anglicanismo surgiu com a subida ao trono da rainha Isabel I. Através da Lei dos 39 Artigos, o Anglicanismo assumia-se como um compromisso entre o Catolicismo (na forma) e o Calvinismo (no conteúdo); nas relações com o Estado, contudo, aproximava-se mais do Luteranismo. Este caráter vago da Reforma em Inglaterra provocou o descontentamento de muitos reformistas. Estes desejavam “purificar” a igreja anglicana, que diziam estar cheia de “papistas”, ficando conhecidos como Puritanos.
Instrumentos da Contrarreforma
Índex
O Índex (Index Librorum Prohibitorum) era um organismo religioso que estabelecia a lista dos livros cuja leitura estava interdita aos cristãos, ajudando a cumprir os objetivos do Concílio de Trento.
Inquisição
A Inquisição ou Tribunal do Santo Ofício destinava-se a lutar contra a heresia protestante e era também usada para julgar e condenar casos de cisma, apostasia, magia, bruxaria, poligamia e outros costumes que fossem contra a moral católica, bem como na perseguição dos cristãos-novos, acusados de prática do judaísmo.
Companhia de Jesus
A Companhia de Jesus foi a grande ordem religiosa da Reforma Católica. Foi fundada por Inácio de Loyola e aprovada pelo Papa Paulo III. A preocupação de Loyola era separar a Companhia da autoridade episcopal, a fim de que os seus membros pudessem dedicar-se a tempo inteiro à difusão da Fé, à pregação e ao ensino.
Impacto Global e Trocas Culturais
Continente Africano
No continente africano, os europeus encontraram civilizações de raça negra que viviam em regime tribal, eram seminómades e, na perspetiva europeia, tinham um aspeto físico "bárbaro". Os europeus sentiram a necessidade de os “civilizar” ou cristianizar, pois consideravam-nos uma população atrasada. A fixação europeia em África foi muito reduzida, por isso o maior impacto cultural realizou-se através da escravatura, cujo tráfico começou logo no século XV.
Ásia
Na Ásia, as relações iniciaram-se na Idade Média. Os europeus encontraram terras densamente povoadas, com uma grande variedade étnica e cultural e muito fechadas às influências estrangeiras, que consideravam “bárbaras”. Por isso, a penetração dos valores ocidentais no Oriente foi escassa, e até a missionação foi extremamente difícil. Neste caso, o Ocidente ficou a ganhar: para além dos produtos do comércio e da influência que estes tiveram na economia europeia, há a registar a adoção de inventos técnicos e a importação de alguns saberes no campo das ciências, medicina, filosofia e artes.
Américas
Nas Américas, foi encontrada uma grande diversidade populacional que, aos olhos dos europeus, se assemelhava ao final do Neolítico. Por isso, portugueses e espanhóis, sentindo-se superiores, promoveram um processo de europeização que se processou, muitas vezes, de modo violento.
Evangelização, Escravatura e Direitos Humanos
Nesta época, alguns povos pareciam aos europeus mais próximos da natureza animal do que da humana. No processo de expansão comercial e colonização, foi feita a evangelização dos povos e, muitas vezes, a sua escravização. Mais tarde, os padres jesuítas iniciaram um discurso em defesa dos direitos humanos dos índios, que, na sua opinião, eram criaturas selvagens, mas boas e dóceis e, como tal, não deviam ser escravizadas.