Regime Jurídico do Casamento em Portugal: Guia Completo
Convenção Antenupcial (Art.º 1698.º e ss. CC)
É o contrato acessório ao contrato de casamento, celebrado entre os nubentes, destinado a fixar o seu regime de bens. Visa escolher o regime de bens, as dívidas dos cônjuges e a administração dos bens. Só pode ser celebrado até à data da celebração do casamento, caso os nubentes o pretendam.
Se não celebrarem a convenção e não escolherem nenhum regime de bens, não ficarão sem um regime patrimonial atribuído ao seu casamento. A ordem jurídica portuguesa não permite o vazio de efeitos patrimoniais a vigorar após a celebração do casamento, de modo que, nos termos do Artigo 1717.º do CC, se não fixarem, é aplicado o regime da Comunhão de Adquiridos.
Princípios Dominantes da Convenção Antenupcial
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O da Liberdade: Os nubentes podem fixar, dentro dos limites da lei, os regimes de bens do casamento, quer escolhendo um dos regimes previstos no Código, quer estipulando o que a esse respeito lhes aprouver. Esta liberdade permite-lhes incluir quaisquer negócios de natureza patrimonial ou não.
Qualquer cláusula fica sujeita a uma apreciação, nos termos gerais, acerca da sua validade. Não poderão ser consideradas válidas as estipulações que violem normas imperativas, a ordem pública ou os bons costumes. Por exemplo: não é lícito convencionar um certo aspeto atinente à educação dos filhos, ou quem leva o lixo ou quem lava a louça. Os limites da lei estão aludidos no Artigo 1699.º do CC, que constitui restrições ao princípio da liberdade.
- O da Imutabilidade: O Artigo 1714.º do CC dispõe que, fora dos casos previstos na lei, não é permitido alterar, depois da celebração do casamento, nem as convenções antenupciais nem os regimes de bens legalmente fixados.
A convenção antenupcial só é imutável a partir do momento da celebração do casamento, sendo livremente revogável ou modificável até essa data, nos termos prescritos no Artigo 1712.º do CC.
Casamento por Procuração
O casamento por procuração é uma exceção ao princípio da pessoalidade, ou seja, ao facto de o nubente ter de estar presente para dar o seu consentimento. Contudo, o consentimento em si continua a ter de ser puro e simples, pois quem representa tem de dar esse consentimento.
É admitido apenas relativamente a um dos nubentes, e não em relação aos dois (Artigo 1619.º do CC). Se a procuração for passada para os dois nubentes, o casamento é declarado inexistente.
Requisitos e Forma da Procuração
A procuração é um ato formal que exige forma legal, sob pena de nulidade (Artigos 1628.º e 220.º do CC):
- Deve ser escrita e em documento autenticado ou público;
- Ou em documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial de assinaturas.
Exige também que sejam indicados poderes especiais de representação para casar e indicar o nome de quem representa, sob pena de nulidade (Artigo 1620.º, n.º 2, e Artigo 1628.º, alínea d), do CC). Se a procuração for nula, o casamento celebrado é inexistente.
Extinção da Procuração e Responsabilidade
A procuração é sempre revogável a todo o tempo até ao momento da celebração do casamento. O casamento celebrado após a revogação é inexistente (Artigos 1618.º a 1621.º do CC).
A procuração pode extinguir-se por:
- Caducidade: Caduca se, após emitida, o casamento não for celebrado no prazo de 1 ano. Caduca também pela morte do nubente ou do procurador.
- Revogação: Livremente revogável a todo o tempo até ao momento do ato da celebração do casamento.
O nubente que se faz representar pode ser responsável pelos prejuízos que causar se não proceder à revogação da procuração a tempo de evitar a celebração do casamento, mesmo que proceda à revogação no último instante, devendo indemnizar pelos danos que eventualmente tenha provocado.
Promessa de Casamento (Art.º 1591.º CC)
A promessa de casamento não confere o direito de exigir o seu cumprimento, ao contrário do que acontece num contrato-promessa propriamente dito. Isto deve-se ao facto de o casamento ter normas imperativas, nomeadamente a exigência de que o consentimento seja puro e simples, livre de qualquer condição. Neste caso, existe apenas uma garantia jurídica precária.
Responsabilidade Civil por Incumprimento
O incumprimento da promessa gera responsabilidade civil, que leva a uma indemnização limitada ao que está expressamente previsto no Artigo 1594.º do CC, desde que o incumprimento seja culposo e sem justo motivo.
Os pressupostos para aferir da responsabilidade civil são:
- Incumprimento culposo;
- Ausência de justo motivo.
A indemnização prevista no Artigo 1594.º do CC abrange o dano patrimonial e as despesas feitas na expectativa do contrato futuro. Exemplo: Se uma pessoa tiver demência que a impede de casar e ocultar essa informação, está a agir com dolo.
Não se admite que seja fixada uma cláusula penal, pois esta poderia extravasar os limites do Artigo 1591.º do CC. Contudo, a doutrina entende que nada impede que as partes, ao celebrarem o contrato-promessa, possam previamente estipular o limite indemnizatório dentro dos limites do Artigo 1594.º do CC.
Prazo de Caducidade
Existe um regime de caducidade para propor a ação destinada a exigir a restituição dos donativos ou as indemnizações previstas no Artigo 1594.º do CC: 1 ano a contar do momento do incumprimento (Artigo 1595.º do CC).
Fases do Casamento: Processo Preliminar, Celebração e Registo
Processo Preliminar de Casamento
O processo inicia-se com a declaração prevista no Artigo 135.º do Código do Registo Civil (C. Reg. Civ.). Quem pretende contrair casamento deve declará-lo pessoalmente ou por intermédio de procurador em qualquer conservatória do registo civil e requerer a instauração do processo.
Compete ao conservador verificar a identidade e capacidade matrimonial dos nubentes. Após todas as diligências, o conservador deve, no prazo de um dia a contar da última diligência efetuada, proferir despacho a autorizar os nubentes a celebrar o casamento ou a mandar arquivar o processo.
Incidentes do Processo
Podem existir incidentes durante o processo:
- Dispensa de Impedimentos: Pode tornar-se necessária a obtenção de dispensa de algum impedimento impediente que, nos termos do Artigo 1609.º do CC, pode ser dispensado.
- Denúncia de Impedimentos: A existência de um impedimento pode ser declarada por qualquer pessoa até ao momento da celebração. O procedimento deve ser suspenso até que o impedimento cesse. Os nubentes têm 20 dias para impugnarem o impedimento, sob pena de, não o fazendo, este se considerar confessado. Para além disso, o juiz profere despacho a considerar o impedimento procedente e manda arquivar o processo de casamento (Artigo 248.º do C. Reg. Civ.).
Celebração do Casamento
Após o despacho de autorização, o casamento deve realizar-se nos 6 meses seguintes (Artigo 1614.º do CC).
O casamento civil não está vinculado a um determinado lugar. O conservador pode deslocar-se ao local escolhido (ex: praia) para celebrar o casamento (Artigo 153.º do C. Reg. Civ.).
A presença de ambos os nubentes é obrigatória em qualquer modalidade, sob pena de inexistência, devido ao caráter pessoal do consentimento. Só pode faltar um dos nubentes se for casamento por procuração; caso contrário, ambos têm de estar presentes (Artigo 1628.º do CC).
A presença de testemunhas ou padrinhos não é obrigatória, exceto se o conservador não puder aferir a identidade dos nubentes com a ajuda do cartão de cidadão.
Registo (Obrigatório)
Após a celebração, o conservador procede oficiosamente à emissão do registo no prazo de um dia (Artigo 211.º, n.º 1, do C. Reg. Civ.). O registo é a única prova legalmente admitida do casamento.
Casamento Religioso
No casamento religioso, após o processo preliminar, o conservador emite e envia o despacho de autorização (ou não) ao respetivo ministro religioso para que este celebre o casamento segundo as regras da sua religião. Após a celebração, o ministro religioso remete a informação ao conservador para que este proceda ao registo.
Casamento Urgente (Exceção)
O casamento urgente é a exceção às formalidades da celebração. Admite a dispensa do processo preliminar e, inclusive, a dispensa da presença do conservador, podendo ser celebrado perante testemunhas (que, neste caso, são obrigatórias).
As testemunhas devem informar o conservador para que este o registe. Este regime só é permitido quando haja receio de morte próxima de algum dos nubentes ou na iminência do parto.
Os Deveres Conjugais Mútuos
Dever de Fidelidade (Art.º 1672.º CC)
Este dever exige respeito pela relação construída. A violação abrange não só as relações sexuais consumadas, mas também a tentativa de adultério, a conduta licenciosa ou desregrada de um dos cônjuges nas suas relações com terceiros, a ligação sentimental e a correspondência amorosa. Constitui uma negação da comunhão de vida em que se traduz o casamento.
O dever de fidelidade corporiza outros deveres, como o dever de dedicação e o dever de boa-fé.
Dever de Assistência (Art.º 1675.º CC)
Possui um caráter eminentemente patrimonial e compreende duas obrigações principais:
- Obrigação de prestar alimentos: Só se aplica quando os cônjuges vivem separados.
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Obrigação de contribuição para os encargos da vida familiar (Art.º 1676.º CC): Aplica-se quando vivem juntos. Este dever incumbe a ambos os cônjuges nos mesmos termos e pode ser cumprido de duas formas:
- Pela afetação dos seus recursos;
- Através do trabalho despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos.
A violação deste dever é um sinal de rutura do casamento, nos termos da alínea d) do Artigo 1781.º do CC.
Dever de Coabitação (Art.º 1672.º CC)
Regendo-se pelo princípio da igualdade dos cônjuges, são estes que devem escolher de comum acordo a residência da família, ou seja, o local onde vão viver (Artigo 1673.º, n.º 1).
A residência da família é o lugar do cumprimento do dever, onde ambos os cônjuges têm obrigação de viver, salvo motivos ponderosos (Artigo 1673.º, n.º 2). Não havendo acordo sobre a fixação ou alteração da residência, a lei permite, excecionalmente, que qualquer dos cônjuges requeira a intervenção judicial.
Dever de Cooperação (Art.º 1674.º CC)
O dever de cooperação tem duas vertentes:
- A obrigação de socorro e auxílio mútuos (apoiar-se mutuamente nas horas boas e más, na felicidade e na tristeza).
- A obrigação de assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram.
Se um dos cônjuges mostrar absoluto desinteresse pela saúde e educação dos filhos, não infringe apenas um dever em relação a estes, mas também um dever em relação ao outro cônjuge.
Dever de Respeito
Este dever implica a obrigação especial de se abster de lesões dos direitos absolutos do cônjuge. Os cônjuges devem tratar-se com urbanidade, evitando insultos ou atentados à integridade física e moral (incluindo violência doméstica: física, psicológica, sexual). O dever de respeito é fundamentalmente o dever de aceitar o outro cônjuge como a pessoa que ele é, com os seus defeitos e virtudes.
Existe uma tensão entre:
- O interesse de cada um dos cônjuges em ser e continuar a ser aquilo que era.
- A necessidade de cada um dos cônjuges se adaptar àquilo que o outro é, ou venha a ser.
Cada cônjuge pode ter e manter as suas opções ideológicas, religiosas, a sua atividade profissional, política, social, o seu círculo de amigos e os seus hábitos pessoais, sem que o outro deva interferir neles. Contudo, deverá também adaptar ou restringir os seus hábitos e a sua maneira de pensar, de modo a não ferir os sentimentos do cônjuge. A comunhão de vida é esta interação mútua.
Vícios da Vontade no Casamento: Erro e Coação
Erro que Vicia a Vontade (Art.º 1636.º CC)
O erro que vicia a vontade gera a anulabilidade do casamento, desde que preenchidos os seguintes requisitos, que são cumulativos:
- O erro deve ser próprio (não pode recair sobre nenhum requisito legal de existência ou de validade do casamento).
- O erro deve recair sobre qualidades essenciais do outro cônjuge. Exemplos: estado civil ou religioso, doenças incuráveis e contagiosas, prática de um crime, vida e costumes desonrosos.
- O erro deve ser desculpável.
- O erro deve ser essencial, ou seja, determinante na formação da vontade (se o erro não existisse e o nubente tivesse conhecimento exato da circunstância, nunca teria querido celebrar o casamento).
Anulabilidade: A legitimidade para a ação está prevista no Artigo 1640.º do CC, e os prazos no Artigo 1644.º do CC.
Coação Moral (Art.º 1638.º CC)
O casamento também pode ser anulado com fundamento em coação moral, desde que preenchidas as seguintes três condições, também cumulativas:
- A coação deve ser essencial ou determinante da vontade (o casamento nunca teria sido concluído se não fosse o temor ou receio do mal cominado).
- Tem de haver intenção de extorquir a declaração (fazer com que a declaração não corresponda à vontade real do contraente ameaçado).
- A cominação deve ser ilícita (não pode ser qualquer tipo de ameaça, mas sim algo com grande impacto, como ameaça de morte).
Anulabilidade: A ação de anulação tem um prazo de caducidade de 6 meses após a cessação do vício (Artigo 1645.º do CC). Só tem legitimidade o cônjuge cuja vontade foi viciada, e não aquele que lhe deu causa (Artigo 1641.º do CC).
Conceito, Capacidade Matrimonial e Relações Familiares
Definição de Casamento
O Artigo 1577.º do Código Civil define o casamento como o contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, as quais ficam, desde logo, vinculadas pelos direitos e deveres decorrentes da lei.
Capacidade Matrimonial
A capacidade matrimonial consiste na virtualidade de ser parte no contrato de casamento. Corresponde à capacidade negocial em geral, mas engloba ainda outras causas de incapacidade que não se aplicam aos negócios jurídicos em geral (como o parentesco ou a afinidade na linha reta).
Existirá capacidade matrimonial sempre que não se verifique qualquer impedimento legal à celebração do casamento.
Relações Familiares
As relações familiares podem derivar da geração, ou do casamento e da geração. São relações familiares:
- Relação Matrimonial: Liga os cônjuges entre si em consequência do casamento.
- Parentesco: Liga entre si pessoas do mesmo sangue.
- Linha Reta: Descendem umas das outras.
- Linha Colateral ou Transversal: Descendem de um progenitor comum.
- Afinidade: Relação que liga um dos cônjuges aos parentes do outro e resulta do parentesco e do casamento.
- Adoção.
Impedimentos Matrimoniais
Os impedimentos matrimoniais constituem obstáculos à celebração do casamento.
A lei determina que constituem impedimentos matrimoniais:
- O parentesco, quer na linha reta, quer no segundo grau da linha colateral (Artigo 1602.º, alíneas a) e b), do CC).
- A afinidade na linha reta (Artigo 1602.º, alínea c), do CC).
- O parentesco no terceiro grau da linha colateral (Artigo 1604.º, alínea c), do CC).
Tipos de Impedimentos
Os impedimentos distinguem-se em:
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Impedimentos Dirimentes: Fatos que obstam à celebração do casamento e que afetam a sua validade caso o casamento venha a realizar-se.
- Absolutos: Impedem o casamento da pessoa a que respeitam com qualquer outra (verdadeira incapacidade matrimonial).
- Relativos: Obstam à celebração do casamento entre a pessoa a que respeitam e determinadas outras pessoas (ilegitimidades conjugais).
- Impedimentos Impedientes: Obstáculos que não afetam a validade do casamento, mas podem gerar outras consequências legais.
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