Renascimento, Reforma e Absolutismo: A Igreja na Idade Moderna

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Transição entre Idade Média e Idade Moderna

A transição entre a Idade Média e a Idade Moderna foi marcada por profundas transformações, muitas das quais tinham raízes em períodos anteriores:

O Renascimento e a Cultura Clássica

O Renascimento representou a retomada da cultura clássica, valorizando o individualismo, o humanismo e o racionalismo, conceitos que já existiam no século XII. Ele nasceu da crise do modelo teocêntrico medieval, deslocando Deus do centro para colocar o homem.

O Humanismo: Inspiração Greco-Romana

O humanismo, inspirado na cultura greco-romana, valoriza:

  • Liberdade;
  • Racionalidade;
  • Criatividade humana.

Representantes importantes incluem Erasmo de Roterdã e Thomas More.

Renascimento Cultural e Artístico

O movimento começou na Itália e depois se espalhou por cidades como:

  • Florença;
  • Roma;
  • Veneza;
  • Milão;
  • Gênova.

Artistas importantes dessa época foram Michelangelo, Leonardo da Vinci, Rafael Sanzio e Sandro Botticelli. A arte expressava uma mudança de mentalidade e de valores humanos.

Renascimento e Cristianismo: Uma Relação Complexa

O Renascimento não foi um movimento anticristão. Papas e bispos atuaram como mecenas das artes. Contudo, havia:

  • Crise institucional na Igreja (descrédito da Cúria Romana);
  • Clero mais preocupado com prestígio do que com o povo;
  • Clamores por reforma (inclusive no Concílio de Latrão – 1512–1517).

O Protestantismo: Origens Medievais

O Protestantismo não surgiu do nada, mas de heresias e críticas medievais à Igreja.

Descobrimentos Geográficos: Objetivos Medievais

Embora sejam marcos modernos, os Descobrimentos Geográficos tinham objetivos e métodos medievais, como a busca por ouro, a evangelização e o uso de técnicas náuticas da época.

Centralização Política: Raízes Medievais

A Centralização Política nasceu com reis medievais, como Henrique II e Luís IX, que buscavam poder unificado, exército próprio e arrecadação de impostos.

Interpretações do Renascimento (Giacomo Martina)

Giacomo Martina propõe diferentes interpretações sobre o Renascimento:

Teoria da Ruptura

A Teoria da Ruptura defende uma oposição clara entre a Idade Média e o Renascimento (visão clássica).

Teoria da Continuidade

A Teoria da Continuidade argumenta que o Renascimento prolonga elementos já presentes na Idade Média, como o cristianismo e o racionalismo.

Teoria da Diversidade na Continuidade

A Teoria da Diversidade na Continuidade sugere que o Renascimento amplifica tendências medievais, sem negá-las totalmente.

A Substância do Renascimento: Autonomia Temporal

Segundo G. Martina, a substância do Renascimento reside na autonomia do mundo temporal, onde o humano e o racional ganham mais destaque. O sobrenatural e a Igreja não são negados, mas deslocados para segundo plano. O Renascimento, embora diferente da Reforma, preparou o terreno para ela ao:

  • Reduzir o prestígio da Igreja;
  • Estimular o espírito crítico.

A Igreja no Renascimento

Apesar de haver resistência (especialmente entre dominicanos), a Igreja institucional apoiou o movimento, resultando no crescimento de seu prestígio cultural. No entanto, houve contradições:

  • Esplendor artístico versus fragilidade espiritual;
  • Arte e beleza versus falta de renovação moral.

Reforma e Renovação da Igreja

A Igreja é viva e, por isso, está sempre em processo de reforma e renovação. A reforma surge da dialética entre decadência e progresso, onde a tradição precisa de novidade para se manter.

Situação do Clero Regular (Vida Monástica)

A vida religiosa estava em decadência, muito distante das origens espirituais das ordens. Escândalos eram comuns, mas não representavam todo o clero. Conflitos internos impediam reformas em conjunto entre as ordens, e havia rivalidade entre clero regular e secular. Os Cartuxos foram a ordem que manteve uma vida austera e exemplar.

Expansão Monástica em Séculos de Crise

Houve expansão monástica nos séculos de crise em regiões como Hungria, Áustria, Bélgica, Alemanha, Holanda, Boêmia, Polônia e Escócia.

Reformas Monásticas Específicas

Tentativas de reforma incluíram os Costumes de Subiaco (1380), que propunham:

  • Redução do ofício divino compensada pela lectio divina;
  • Controle mais rígido e até castigos corporais.

Ordens Reformadoras do Século XV

Entre as ordens reformadoras do século XV, destacam-se os Olivetanos, Jeronianos, Jesuates, Mínimos e Cônegos de São Jorge de Alga.

Comunidades Reformadas

Beneditinos negros e beneditinos brancos buscaram a renovação da regra original. A reforma consistia em retornar à regra primitiva, vista como divinamente inspirada.

Crise nas Ordens Mendicantes

As ordens mendicantes enfrentaram uma crise devido a diversas causas:

  • Recrutamento precoce: Pais ofereciam filhos às ordens;
  • Desordem na prática da pobreza: Denunciada pela bula Exivi de paradiso (1312);
  • Desintegração da vida comunitária: Concessões e dispensas corromperam a vivência fraterna.

Ordens citadas incluem Franciscanos, Dominicanos, Carmelitas, Agostinianos e Servitas.

Reforma do Clero Secular

A reforma do clero secular foi muito limitada nesse grupo, devido a:

  • Ligação dos seculares com a vida feudal e familiar;
  • Falta de formação e compromisso pastoral;
  • Bispos que eram mais senhores feudais do que pastores.

Nomeação de Bispos

Os critérios para a nomeação de bispos no fim da Idade Média eram:

  • Políticos: Recompensa por serviços;
  • Intelectuais;
  • Morais: Raramente em primeiro plano.

A nomeação era feita pelo poder civil, e não pela Igreja.

Clero Inferior e Formação Presbiteral

O recrutamento para o clero inferior ocorria por decisão familiar, seguindo modelos:

  • Sacrifical: Oferecido como dom a Deus;
  • Social: Prestígio familiar;
  • Cultural: Acesso ao estudo.

Não existia formação específica; entrava-se com a tonsura (a partir dos 7 anos). O aprendizado era prático, ao lado de párocos, e o critério financeiro (ter renda mínima) era essencial. O foco era cumprir os ritos litúrgicos, não o cuidado pastoral.

Centros de Formação

Destaque para os colégios Caprânica e Montaigu, pioneiros na tentativa de melhorar a formação dos futuros padres.

Vida Pastoral

A vida pastoral enfatizava os ritos e funções litúrgicas, com pouco foco no atendimento ao povo. Era limitada e marcada por formalismo.

Lutero e a Reforma Protestante

A Imagem de Lutero ao Longo dos Séculos

Por séculos, a imagem de Lutero no meio católico era negativa, retratando-o como demagogo, hipócrita, infame, pervertido e neurótico.

Revisões Contemporâneas sobre Lutero

Revisões contemporâneas reconhecem em Lutero uma profunda religiosidade. Ele teve uma experiência pessoal de Deus, marcada pela luta interior com o pecado e pela confiança absoluta em Jesus Cristo. Lutero viveu profunda angústia espiritual, com medo da condenação eterna. Inspirado por Santo Agostinho e pelas Cartas de São Paulo ("O justo viverá pela fé"), essa experiência o levou à convicção de que:

  • O homem é absolutamente nulo diante de Deus;
  • A salvação não vem das obras, mas da fé e da graça de Deus.

Pilares da Reforma Luterana

Sola Scriptura:
Somente a Escritura é fonte de autoridade.
Sola Fide:
A justificação vem somente pela fé.
Sola Gratia:
A salvação é um dom gratuito da graça divina.

Crítica às Indulgências

Lutero reagiu contra o comércio de indulgências, criticando a ideia de que "Mal a moeda cai na caixa de esmolas, a alma é libertada do purgatório." Em 1517, publicou suas 95 Teses.

Conflito com Roma

Em 1520, o Papa Leão X emitiu a bula Exsurge Domine, intimando Lutero a se retratar. Lutero queimou publicamente a bula papal e o símbolo da autoridade eclesiástica. Foi excomungado em 3 de janeiro de 1521, pela bula Decet Romanum Pontificem. Lutero foi protegido por Frederico da Saxônia, que o escondeu em Wartburg. Durante o exílio, ele:

  • Traduziu a Bíblia para o alemão;
  • Escreveu diversos tratados.

Dificuldades para Convocar o Concílio de Trento

Protestantes e católicos desejavam um concílio, mas com visões distintas. Os protestantes queriam um concílio livre, universal, em território alemão, com participação leiga e guiado apenas pela Escritura. O Papa Adriano VI (1522–1523) chegou a prometer o concílio, reconhecendo as falhas da Cúria, mas morreu. Clemente VII (1523–1534) foi indeciso, com medo do conciliarismo. As Guerras (1521–1559) entre Habsburgos e França também dificultaram. Paulo III convocou o concílio inicialmente em 1536, mas só foi possível iniciá-lo em 13 de dezembro de 1545, em Trento.

Primeira Fase do Concílio (1545–1547)

Sem preparação nem regulamento inicial, a discussão abordou doutrina e reforma disciplinar paralelamente. Decretos importantes incluíram:

  • Sobre a Sagrada Escritura e a Tradição;
  • Definição do cânon bíblico (inclui os deuterocanônicos);
  • Reconhecimento da Vulgata como versão oficial.

A doutrina tratou de:

  • Pecado original;
  • Justificação;
  • Sacramentos (em geral, batismo e crisma).

As reformas incluíram:

  • Pregação eclesiástica;
  • Proibição de acúmulo de benefícios;
  • Obrigatoriedade da residência dos bispos.

Em 1547, a peste e divergências doutrinárias levaram à suspensão dos trabalhos e transferência para Bolonha.

Segunda Fase do Concílio (1551–1552)

A reabertura ocorreu com o Papa Júlio III. A tentativa de diálogo com os protestantes fracassou, pois eles exigiram a revogação dos decretos anteriores e a superioridade do concílio sobre o papa. Invasões protestantes levaram à suspensão do concílio em 1552.

Terceira Fase do Concílio (1561–1563)

Mortes e sucessões papais marcaram este período: Marcelo II (reformador) morreu em 3 semanas, e Paulo IV foi contrário ao concílio, preferindo reformar a Cúria com rigor extremo (aumentou a Inquisição). Com Pio IV, o concílio foi finalmente retomado. Decretos importantes incluíram:

  • Comunhão sob duas espécies não obrigatória;
  • Afirmação do caráter sacrifical da missa;
  • Manutenção do latim nas celebrações, com explicações em vernáculo;
  • Criação de seminários em cada diocese;
  • Regras claras para eleição e formação dos sacerdotes;
  • Obrigatoriedade da visita pastoral e de sínodos regulares;
  • Proibição de acúmulo de benefícios, até para cardeais.

Decretos sobre o Matrimônio

O Concílio de Trento estabeleceu o dogma da sacramentalidade do matrimônio e sua indissolubilidade. O Decreto Tametsi declarou os matrimônios clandestinos como inválidos.

Decretos Finais do Concílio

Nas últimas semanas, foram emitidos decretos sobre o purgatório, o culto aos santos e as indulgências. Normas foram estabelecidas sobre:

  • Recepção de religiosos;
  • Clausura;
  • Noviciado;
  • Redução de dispensas.

O encerramento ocorreu em 4 de dezembro de 1563. Em janeiro de 1564, Pio IV confirmou os decretos com a bula Benedictus Deus.

Significados do Concílio de Trento

a) Aspecto Histórico

  • Não restabeleceu a unidade com os protestantes;
  • Reforçou a capacidade da Igreja de responder a crises;
  • Deu início a um novo ciclo na história e estrutura da Igreja.

b) Aspecto Dogmático

  • Respondeu de forma positiva e sistemática à Reforma Protestante;
  • Condenou erros (cânones) e reafirmou doutrinas (capítulos);
  • Serviu de base para os catecismos pós-tridentinos.

c) Aspecto Eclesiológico

  • Rejeitou o individualismo protestante;
  • Reafirmou a mediação da Igreja como corpo místico e jurídico;
  • Reforçou a hierarquia e a disciplina eclesiástica;
  • O laicato foi valorizado no batismo, mas subordinado ao episcopado.

Aplicação do Concílio de Trento: Reorganização da Igreja

O Concílio reafirmou a Bíblia como fonte da Revelação, fixando o cânon (incluindo livros rejeitados pelos protestantes, como Tobias, Baruc e Macabeus). A Vulgata Latina foi declarada a única versão autêntica e oficial, e todas as traduções deveriam ser aprovadas pela autoridade eclesiástica. Isso visava evitar interpretações heréticas e manter a unidade da fé, condenando superstições e usos indevidos das Escrituras. Buscou-se garantir a formação adequada do clero e dos fiéis no conteúdo bíblico.

Reforma da Cúria Romana e do Clero

A reforma da Cúria era vista como urgente para restaurar a imagem da Igreja, pois escândalos e abusos morais exigiam ação imediata. Os objetivos eram:

  • Formar um clero instruído e disciplinado;
  • Eliminar a ignorância, a superstição e a imoralidade;
  • Garantir pregação e doutrina sólida aos fiéis.

O clero deveria estudar a Sagrada Escritura, os Padres da Igreja e o Direito Canônico, o que prepararia uma pregação fiel e segura. Bispos e cardeais deveriam supervisionar de perto as dioceses, sendo responsáveis pela vida espiritual, formação e conduta do clero local.

Estrutura e Organização Pós-Trento

A criação dos seminários foi o principal instrumento de formação eclesial, visando clérigos espiritualmente preparados e bem educados.

Centralização do Poder e Unificação da Igreja

Houve um reforço da autoridade do papa como líder supremo e a unificação da Igreja em torno de Roma. A criação de catecismos e manuais doutrinários tornou a educação dos fiéis uma prioridade. O Missal Romano e o Breviário foram padronizados, criando uniformidade nos ritos e fortalecendo a identidade católica.

Contra-Reforma e Missão Global da Igreja

A Igreja buscava uma fé mais autêntica e racional, impondo normas claras para evitar abusos de práticas religiosas. Houve a reafirmação de doutrinas essenciais:

  • Transubstanciação;
  • Valor das boas obras;
  • Importância dos sacramentos.

A ação missionária foi incentivada na Europa protestante e em novos territórios colonizados. A Igreja buscava reafirmar sua presença espiritual e política globalmente, com o lema: “Contra a superstição, catecismo e clareza.”

Absolutismo

O Absolutismo foi a concentração do poder total nas mãos do monarca, sem divisão ou limitação. Foi resultado de um processo iniciado na Idade Média, com a luta da monarquia contra a nobreza e a fusão entre poder civil e religioso. Na França, o processo é emblemático, com reis enfrentando os feudatários com astúcia e violência para retomar o poder.

Causas do Absolutismo

  • Fortes personalidades reais;
  • Cansaço das guerras religiosas (século XVI), gerando necessidade de paz e unidade político-religiosa;
  • Apoio da burguesia, que via na monarquia um meio de estabilidade e segurança para o comércio.

Na Alemanha (Paz de Vestfália, 1648), o processo foi inverso, levando à fragmentação em Estados soberanos. Em países protestantes, o rei controlava a nova Igreja nacional (Paz de Augsburgo). Em países católicos, os reis exigiam controle semelhante ao que os reis protestantes obtiveram. A influência de filosofias políticas foi pouca, pois a teoria absolutista surgiu após o regime já instalado.

Níveis do Absolutismo

a) Aspecto Político

O rei não reconhecia autoridade superior (nem o papa). O poder era total, indivisível e irrevogável. O reino era visto como propriedade pessoal do monarca.

b) Aspecto Social

Havia desigualdade estrutural, com privilégios para poucos (nobreza) e exclusão da maioria (povo). A sociedade do ancien régime mantinha o povo submisso com respaldo religioso. Existiam duas classes de nobres:

  • Nobreza da Espada: Herdeiros feudais;
  • Nobreza do Manto: Nomeados ou compraram o título com apoio à monarquia.

Os privilégios incluíam cargos exclusivos, isenção de impostos e distinções sociais.

c) Aspecto Jurídico

O Morgado (herança indivisível ao primogênito) garantia a manutenção do poder e da propriedade. Havia foro especial, isenções fiscais e direito sucessório exclusivo para nobres.

d) Aspecto Econômico

O Mercantilismo era subordinado à política, com impostos altos sobre importações e incentivo à exportação. O Estado priorizava a acumulação de riquezas para a coroa, não o bem-estar do povo.

Sociedade Oficialmente Cristã

O rei era visto como ungido de Deus, semelhante a um papa secular, com autoridade sagrada, inquestionável e intocável. O povo só podia obedecer, rezar e esperar a conversão do rei (Bossuet).

b) Unidade Política e Religiosa

A unidade política era igual à unidade religiosa: "Um rei, uma lei, uma fé". A diversidade religiosa era vista como ameaça à ordem civil, e quem não seguia a fé dominante era excluído dos direitos civis e políticos.

c) A Religião Católica como Religião de Estado

O rei via como dever promover e proteger a religião. A fé tornava-se critério para direitos sociais e até criminalização de opositores religiosos.

d) Leis Civis e Canônicas em Harmonia

O Estado apoiava e reforçava as leis da Igreja com poder civil. Muitos decretos eclesiásticos eram incorporados como leis do Estado (ex.: casamento, censura).

Uma Igreja Controlada pelo Estado

O Estado fornecia proteção, mas controlava a Igreja em quase tudo:

  • Nomeação de bispos;
  • Reforma de estruturas eclesiásticas;
  • Fiscalização de ordens religiosas;
  • Censura de livros;
  • Controle da comunicação com Roma.

Os direitos atribuídos ao Estado incluíam a defesa da ortodoxia e pureza da fé, o direito de reformar a Igreja, fiscalizar concílios, votos religiosos, bens, nomear bispos, párocos e funcionários eclesiásticos, aprovar documentos eclesiásticos locais e de Roma, e confiscar rendas de cargos ocupados por clérigos “infiéis”.

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