René Descartes: Vida, Obra e Influência
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René Descartes: Vida e Obra
René Descartes nasceu em 1596 em La Haye (Touraine, França), no seio de uma família abastada. Educado no prestigiado colégio jesuíta de La Flèche, entrou em contato com a filosofia de Aristóteles e Tomás de Aquino, cujo ensino considerou insuficiente na maturidade. Durante uma estada na Holanda, conheceu o cientista Isaac Beeckman, que o incentivou a estudar física e matemática. Descartes faleceu em Estocolmo em 1650, onde havia sido convidado pela rainha Cristina da Suécia.
Suas obras mais notáveis são: Regras para a Direção do Espírito (1628), O Discurso do Método (1637), Meditações Metafísicas (1641), Princípios da Filosofia (1644) e O Mundo ou o Tratado da Luz, publicado postumamente.
Contribuições Científicas e Metafísicas
Descartes foi um importante impulsionador do pensamento científico. Suas contribuições cartesianas são bem conhecidas: a notação algébrica simplificada, a criação da geometria analítica, as bases do determinismo biológico e físico, além de teorias sobre a natureza da luz e os movimentos planetários. Também são conhecidas suas leis da óptica e dos fenômenos de reflexão e refração. Sua evolução metafísica é interpretada como um complemento ou uma justificativa para suas pesquisas científicas, e não como um fim em si, uma reação ao ressurgimento do ceticismo nos tempos modernos. Sua metafísica liga Descartes ao passado e faz com que nem todos os aspectos de sua figura e de sua obra possam ser vistos como modernos. Descartes é moderno no conceito da física em termos matemáticos, mas "antigo" ao colocar a figura de Deus como o garante último de todas as dificuldades do conhecimento.
O Cartesianismo e Seus Desdobramentos
O cartesianismo se divide em três ramos: o ramo que é cristianizado pelo padre Malebranche; a física de Descartes, que vive na França como "física oficial" até o triunfo de Newton com o Iluminismo; o filósofo holandês Spinoza, que propaga através de sua obra Princípios da Filosofia de Descartes o pensamento cartesiano na Europa católica; e o racionalista alemão Leibniz, que faz uma crítica ao cartesianismo em sua Monadologia e em seus Novos Ensaios. Sua apresentação não é muito completa, mas a de seu amigo Huygens representa, talvez, as maiores conquistas em filosofia, sendo o autor do Tratado que estabelece uma teoria ondulatória da luz que seria recuperada no século XIX.
Renascimento e Reforma: Uma Mudança Decisiva
A revitalização e a reforma ocorrem durante os séculos XV e XVI, e a sociedade europeia experimenta uma mudança decisiva de cultura. No Renascimento, desafiam-se as verdades que foram mantidas na Idade Média. Afasta-se da cultura teológica medieval e surge uma cultura humanística. A fragmentação da cristandade ocidental a partir do século XVI com a reforma de Lutero significa a quebra da escolástica e a passagem do teocentrismo para o antropocentrismo, o que resulta no mundo moderno. O humanismo retorna aos filósofos gregos. Renova as ideias da cultura clássica a serviço do ser humano. As principais características são: a razão humana se torna um princípio primordial, que se apresenta acima de qualquer outro motivo e será a base do conhecimento científico. O Renascimento trouxe um revival dos ideais antigos, exaltando a dignidade da pessoa humana e investigando a natureza com base na observação. Na Itália, surge o humanismo. Petrarca e Marsilio Ficino (século XVI) traduziram todas as obras de Platão para o vernáculo. Fora da Itália, destacam-se Nicolau de Cusa, Erasmo de Rotterdam e Thomas More (Utopia). Nos seres humanos, ocorrem dois eventos: o primeiro é uma crise e divisão da cristandade ocidental (Reforma Protestante) e o segundo é uma profunda crise e revolução na ciência devido ao desenvolvimento da astronomia de Copérnico. Durante o século XVI, a Igreja se dividiu em vários ramos, primeiro na Alemanha e depois Lutero, Calvino e Zwinglio fizeram uma reinterpretação do lugar da Bíblia na experiência religiosa e na consciência do indivíduo, negando a necessidade de intermediários entre o homem e Deus e não aceitando o Papa. A Igreja perdeu poder e, em alguns países, surgiram novas teorias científicas que iniciaram a revolução científica que se inicia no mundo moderno (1543, Sobre as Revoluções das Esferas Celestes, de Copérnico), que argumenta que o Sol é o centro dos outros planetas. No início, essa teoria não foi considerada verdadeira, mas gradualmente e com testes será interpretada como algo real. O copernicanismo trouxe problemas com a Igreja, pois era contrário aos textos sagrados, e seu ensino foi proibido em 1616. Também trouxe um problema na ciência, a necessidade de construir uma física alinhada com uma Terra móvel (Galileu). Kepler corrigiu a teoria de que as órbitas eram circulares. Quando a Igreja tentou agir contra o copernicanismo, já era tarde.
Racionalismo, Empirismo e a Revolução Científica
A ligação do racionalismo e do empirismo com a revolução científica: a interpretação realista da teoria heliocêntrica de Copérnico estava tirando a Terra e o homem do centro da criação, minimizando-os. Isso, combinado com a crise religiosa e o fracasso da física aristotélica, causou no século XVI na Europa o ressurgimento do ceticismo (Pierre Charron, Michel de Montaigne "Ensaios"). Há confusão no momento entre magia e ciência, como Giordano Bruno, Campanella e Paracelso. Para combater o ceticismo, surgem duas tendências que estão intimamente relacionadas e, ainda assim, opostas. O racionalismo, difundido pela Europa continental (século XVII), afirmava que nosso conhecimento verdadeiro e válido provém do uso da nossa própria razão (não confiando muito nos sentidos). Tudo o que sabemos é desenvolvido a partir de ideias inatas. Os racionalistas acreditam que a matemática é, por excelência, o conhecimento sólido. Todo conhecimento deve se tornar seguro em um raciocínio dedutivo, começando com verdades autoevidentes. A física matemática foi desenvolvida, o que levou à Revolução Científica, e também se desenvolveu a metafísica. As figuras mais importantes foram o francês Descartes, o holandês Spinoza e o alemão Leibniz. O empirismo se desenvolveu nas Ilhas Britânicas. Para os empiristas, tudo o que sabemos vem das experiências e dos sentidos. O empirismo é uma filosofia crítica, que se concentra em apontar os limites do conhecimento humano, criticando a metafísica, a teologia, a ética e disciplinas afins. Acredita que o conhecimento científico é apenas provável. O precursor mais importante é Bacon, que em 1620 publicou sua obra mais famosa, "Novum Organum", defendendo um novo método científico baseado na observação da natureza. Também propôs a criação de uma sociedade científica, financiada pelo Estado, que acabaria por revolucionar a ciência (Royal Society). Figuras importantes do empirismo foram Locke, Berkeley e Hume. A revolução científica aparece como resultado da mistura de tendências filosóficas (racionalismo e empirismo). A revolução científica requer necessariamente a destruição do ponto de vista aristotélico e de sua concepção de mundo, o que não teria sido possível sem os pensadores dessas correntes.
O Método Cartesiano: Intuição e Dedução
A filosofia de Descartes é chamada para uma finalidade: desenvolver um sistema que reúna as ideias da nova ciência da natureza (ou filosofia natural) e propor um método universal que nos conduza à verdade. O primeiro objetivo é a invenção de um método válido que nos leve a evitar certas confusões. O modelo que a razão segue é a matemática. Para Descartes, existem dois modos em seu método: a intuição, que é uma espécie de instinto ou luz natural, através da qual apreendemos conceitos simples da razão, sem que haja qualquer dúvida ou erro (busca de verdades autoevidentes cuja negação é impossível, como 2 + 2 = 4). Essas verdades, por serem confiáveis, são pontos de partida que não precisam de prova. A dedução é o seguinte: utilizando conceitos simples que a intuição capturou com confiança, podemos obter outras verdades mais complexas. O método matemático parte da intuição e, por dedução de um raciocínio certo, a conclusão também o é. Intuição e dedução estavam entre as regras que Descartes propôs como o verdadeiro método da filosofia.
As Quatro Regras do Método
As quatro regras do método são as seguintes: a regra da evidência afirma que não se deve admitir como ponto de partida algo que seja duvidoso, evitando a pressa, para não dizer que algo é verdade se não o for. Seguimos a regra da análise, que diz que a única evidência é obtida a partir de ideias simples, sendo necessário reduzir as ideias compostas a ideias simples. Depois, vem a regra da síntese: a análise anterior é recomposta de volta através da síntese, e o resultado é uma intuição clara. Finalmente, a regra da enumeração e do controle consiste em fazer a contagem e as revisões necessárias para ter certeza de não perder nada, sendo uma espécie de regra de segurança. O problema da descoberta de verdades autoevidentes é essencial para Descartes, pois é o ponto de partida do método. Claramente, destina-se a distinguir o verdadeiro do falso. Depois de seguir as regras acima, pode-se construir sem erro todo o edifício do conhecimento.
A Dúvida Metódica e o Cogito
Na dúvida metódica, analisa-se tudo o que antecede o conhecimento e a realidade a fim de reconhecer todas as verdades. Para Descartes, a dúvida pode ser: universal, afirmando que é necessário duvidar de todas as verdades e princípios filosóficos, dos sentidos, da existência de um "eu" como sujeito do conhecimento. Também pode ser metódica, ou seja, tem um propósito construtivo, é uma ferramenta para desenvolver o pensamento sem erros. Finalmente, a dúvida é teórica, refere-se a declarações e não a ações, afeta a teoria e não as crenças. Descartes aplicou o procedimento que chamou de "moral provisória" para não converter o instrumento em uma ferramenta destrutiva. A primeira razão para duvidar de nosso conhecimento está nas falácias dos sentidos. Os sentidos, às vezes, nos levam ao erro. Uma segunda razão é duvidar da existência da realidade externa. A terceira questão diz respeito ao nível do raciocínio: podemos errar com nosso raciocínio, mesmo que seja por meio do raciocínio matemático. Descartes supõe a existência de uma espécie de "gênio maligno" onipotente, que tem a intenção de enganar o homem, confundindo o real com o fictício. Portanto, para Descartes, tudo pode ser objeto de dúvida. Há algo sobre o qual não é possível duvidar de forma alguma: a existência do sujeito pensante e da dúvida é o ponto de partida de uma verdade absoluta, livre de qualquer erro, este é o "Cogito ergo sum" - "Penso, logo existo". O cogito é o ponto de partida para deduzir todas as outras verdades. Tudo o que é percebido com igual clareza e distinção é real. O cogito é uma ideia clara e distinta de qualquer outra.
A Existência de Deus e do Mundo Externo
Descartes deduzirá a existência da realidade externa ao pensamento a partir do cogito. O objeto do pensamento são as ideias. Elas são classificadas da seguinte forma: ideias adventícias são aquelas que parecem vir dos sentidos; ideias factícias são aquelas que constituem o imaginário a partir das anteriores. Existem algumas ideias que, segundo Descartes, são as mais importantes, pois não vêm da experiência nem da imaginação, são chamadas de ideias inatas, que o pensamento possui desde sempre. Segundo Descartes, a ideia de Deus é a garantia de nosso conhecimento e da existência de um mundo externo.
Descartes destaca a importância da ideia de infinito, que é identificada com a ideia de Deus. Essa ideia não vem dos sentidos, e ele tenta provar que não é factícia, mas, no entanto, se é. O filósofo argumenta que a ideia de finitude provém, de fato, da ideia de infinito, que ele acredita ser Deus. Com este ponto de partida, a dedução cartesiana começa a partir da existência de Deus. A existência de um ser supremo é apresentada por Descartes a partir do próprio conceito de Deus. Os argumentos utilizados são os seguintes: em primeiro lugar, o argumento ontológico, influenciado por Anselmo de Cantuária e Tomás de Aquino. O segundo argumento é uma contingência, que tenta provar que Deus existe. O termo infinito se refere a Deus, só podemos entender o que é infinito se acreditarmos em Deus. Podemos encontrar um argumento semelhante na obra de Santo Agostinho com sua teoria da luz. A existência do mundo externo é demonstrada por Descartes a partir da existência de Deus. Deus existe e é infinitamente bom, não permite o erro de acreditar em um mundo externo, então o mundo externo existe. Deus aparece como garantia de que suas ideias correspondem ao mundo externo e como uma certeza do conhecimento.
As Três Substâncias: Deus, Eu e Mundo
Com base no exposto, Descartes distingue três áreas que formam a estrutura da realidade: Deus (substância infinita), Eu (substância pensante) e os corpos do mundo físico (substância extensa). São substâncias finitas e infinitas, que são causadas por si mesmas e aquelas que são causadas por outras. Cada substância é identificada por um atributo, que é equivalente à sua própria essência e deve ser uma ideia clara e distinta (a perfeição em Deus, o pensamento no eu e a extensão nos corpos). As substâncias têm um modo que expressa como elas estão dispostas. Os conceitos de atributo e substância são tão comuns e criticados pelos pensadores do empirismo inglês. Os corpos do mundo externo são o objetivo fundamental de seu pensamento.
O Problema da Comunicação das Substâncias
O problema da comunicação entre as substâncias aparece como uma consequência da distinção cartesiana entre as três substâncias que compõem a realidade e será discutido durante os pensadores racionalistas do século XVII. É tratado mais profundamente em sua obra Meditações Metafísicas (1641) e em seus Princípios da Filosofia (1644), e consiste em responder à pergunta de como as diferentes substâncias se relacionam entre si. Essa questão da relação entre mente e corpo está longe de ser resolvida na época de Descartes. Como a metafísica cartesiana, porque nós existimos. A mente é tão fácil de aprender, descartando o corpo. O pensamento pode existir sem o corpo, porque há uma substância, como definido pelo racionalismo, uma substância é aquilo que não precisa de mais nada para existir, pensar = alma. De acordo com Descartes, o corpo e a mente são duas substâncias autossuficientes, então ele se pergunta por que estabelecer uma união, cuja resposta é: há um órgão no cérebro (glândula pineal), localizado no cérebro, onde o pensamento ou a alma se unem. Ela unifica a substância pensante com a substância extensa. O racionalismo posterior criticou fortemente essa posição de Descartes. Spinoza afirma que a solução cartesiana não é clara e óbvia, a realidade é que consiste em uma única substância e que a mente e o corpo são apenas duas maneiras de perceber, é um atributo. Para Leibniz, os corpos são compostos de várias substâncias simples.