A Renovação da Geografia: Da Crise à Crítica
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O Movimento de Renovação da Geografia
O movimento de renovação da Geografia começa em meados da década de 1950 e se desenvolve aceleradamente a partir de 1970, quando a Geografia Tradicional é definitivamente enterrada. Essa crise é benéfica: introduz um pensamento crítico e a possibilidade do novo, de uma Geografia mais generosa. Instala-se um tempo de críticas e de propostas.
Motivos da Crise da Geografia Tradicional:
- Alteração da base social que engendrou as formulações da Geografia Tradicional.
- A produção capitalista havia superado seu estágio concorrencial, entrando na era monopolista.
- O liberalismo econômico foi enterrado: a crise de 1929 coloca a necessidade da intervenção estatal na economia.
- Junto à intervenção do Estado na economia, vem o planejamento territorial.
- A urbanização atingia graus desconhecidos, com fenômenos complexos (megalópoles).
- O quadro agrário se modifica com a industrialização e mecanização da atividade agrícola.
- As comunidades locais tendiam a desaparecer, com as intrincadas redes de relações da economia mundializada.
- O lugar já não se explicava em si mesmo - a realidade local era apenas elo de uma cadeia que articulava todo o planeta.
- O espaço terrestre se globalizara nos fluxos e nas relações econômicas.
- Crise de linguagem, de metodologia e de pesquisa.
- O próprio fundamento filosófico havia ruído (a disciplina permanecia como o último baluarte do positivismo clássico).
Principais Críticas:
- Indefinição do objeto de análise.
- Questão da generalização.
- Permanência nos estudos de singularidades.
- Falta de leis ou de outra forma de generalização.
* O movimento de renovação, ao contrário da Geografia Tradicional, não possui uma unidade:
- Diversidade de métodos de interpretação e posicionamentos dos autores.
- Busca do novo empreendida por variados caminhos: gera propostas antagônicas.
Geografia Pragmática:
Críticas à Geografia Tradicional:
- Efetua uma crítica apenas à insuficiência da análise tradicional.
- Ataca o caráter não prático da Geografia Tradicional.
- A Geografia Tradicional só falava do passado, não previa: era inoperante para a intervenção na realidade.
- Questionamento da superfície da crise, não de seus fundamentos.
- Faz uma crítica acadêmica, não toca nos compromissos sociais.
* Planejamento é uma nova função, posta para as ciências humanas pelas classes dominantes; é um instrumento de dominação, a serviço do Estado Burguês.
O pensamento pragmático e o tradicional possuem uma continuidade, dada por seu conteúdo de classe: instrumentos práticos e ideológicos da burguesia.
Propostas:
- Ótica prospectiva.
- Um conhecimento voltado para o futuro.
- Renovação metodológica: busca novas técnicas e nova linguagem para planejamento.
- Visam apenas uma redefinição das formas de veicular os interesses do capital (daí sua crítica superficial à Geografia Tradicional).
- Mudança de forma, sem alteração do conteúdo social.
- Legitima a expansão das relações capitalistas: orienta as estratégias de alocação do capital no espaço terrestre.
Trata-se de uma renovação conservadora da Geografia.
Mudanças:
- Passagem do positivismo clássico para o neopositivismo.
- Troca o empirismo da observação direta por um empirismo mais abstrato (das estatísticas).
- Estudo filtrado pela cibernética.
- Da submissão total aos procedimentos indutivos, passa a aceitar o raciocínio dedutivo.
- Há um empobrecimento do grau de concretude do pensamento geográfico.
Philipponeau: Geografia e ação: introdução à Geografia Aplicada
- Desenvolve uma tecnologia de intervenção na realidade – é uma arma de dominação para os detentores do Estado.
- Gera informações para a expansão das relações capitalistas de produção.
- A posição política do planejador manifesta-se na escolha dos modelos, pois estes já indicam o caminho a ser seguido.
- Indissoluvelmente ligados ao desenvolvimento do capitalismo monopolista.
- Interesses claros que ela defende:
- Maximização dos lucros.
- Ampliação da acumulação de capital.
- Manutenção da exploração do trabalho.
- Mascara as contradições sociais, legitima a ação do capital sobre o espaço terrestre.
- É também uma arma ideológica, ao tentar fazer passar como medidas técnicas.
- Unidade às suas várias propostas: uma unidade política.
Fora do Estado: o planejamento é um elemento da gerência das empresas capitalistas.
Empobrecimento da Geografia:
- Conceber a superfície da Terra como um espaço abstrato de fluxos ou uma superfície isotrópica, sob a qual se inclina o planejador.
- Desistoricizam e desumanizam a superfície da Terra.
- Conceber a região como a região-plano, a área de intervenção, cuja dinâmica é dada pela ação do planejador.
- Triunfo do formalismo, das teorizações genéricas e vazias.
- Mais distantes da realidade do que as teorias tradicionais.
- Apresenta um discurso com linguagem mais rica e elaborada, mas pobre na essência.
A Geografia Tradicional possuía uma concepção do espaço mais rica, com mais concretude e maior correspondência ao real.
Geografia Quantitativa
Defendida na obra de Dematteis: Revolução quantitativa e Nova Geografia.
- Geografia explicada totalmente com o uso de métodos matemáticos.
- Todas as questões poderiam ser compreendidas na forma de cálculos e dados numéricos.
- Os avanços da estatística e da computação propiciam uma explicação geográfica.
- Elaboração de diagnósticos sobre um determinado espaço.
- Descrição numérica exaustiva sobre as características do espaço.
- O diagnóstico permite conhecer a área enfocada e escolher as estratégias de intervenção.
No Brasil: denominação de Geografia Teorética. Aparece em inúmeras propostas específicas.
Geografia Sistêmica ou Modelística
- Colocações de Brian Berri.
- Propõe o uso de modelos de representação e explicação para os temas geográficos.
- Ultrapassa a Geografia Quantitativa: concebe um nível mais genérico de análise.
- Modelos seriam representações das estruturas fundamentais da organização do espaço.
- O investigador deve preencher os itens do modelo com os dados da realidade enfocada.
- Modelos originaram-se basicamente na Economia.
Geografia da Percepção ou Comportamental
- Entender como o homem percebe o espaço por ele vivenciado, sua consciência em relação ao meio, como reage frente às condições da natureza e como este processo se reflete na ação sobre o espaço.
- Explicar a valorização subjetiva do território, o comportamento em relação ao meio.
- Uso do instrumental desenvolvido pela psicologia, em particular as teorias behavioristas.
Geografia da Percepção: Informa como implementar o plano formulado, principalmente no que tange à reação do elemento humano frente às alterações prescritas.
Saldo da Geografia Pragmática: é um desenvolvimento técnico, minimizado frente ao empobrecimento real da análise por ela empreendida. Sua aceitação decorre do posicionamento social do geógrafo: um ato político, uma opção de classe.
A Geografia Crítica
Postura crítica radical frente à Geografia existente (seja a Tradicional ou a Pragmática). Crítica diz respeito a uma postura frente à realidade, frente à ordem constituída. Propõe uma Geografia militante, que lute por uma sociedade mais justa. Pensam a análise geográfica como um instrumento de libertação do homem. Veem seu trabalho como instrumento de denúncia e como arma de combate. Propõem a Geografia como mais um elemento na superação da ordem capitalista.
- Vão além de um questionamento acadêmico do pensamento tradicional, buscando as suas raízes sociais.
- Crítica ao empirismo exacerbado da Geografia Tradicional e à fundamentação positivista.
- Critica a estrutura acadêmica: o mandarinato, o cerceamento da criatividade dos pesquisadores, o isolamento dos geógrafos, a má formação filosófica, etc.
- Maior crítica: despolitização ideológica (afastava da disciplina as questões sociais).
- Mostram as vinculações entre as teorias geográficas e o imperialismo.
- O trabalho dos geógrafos era articulado às razões do Estado.
- Relação entre Geografia e a estrutura da dominação de classe na sociedade capitalista.
A Geografia Crítica obedece a objetivos e princípios comuns, onde convivem propostas díspares. Não é um conjunto monolítico, mas um grupo de perspectivas diferenciadas.
Yves Lacoste: A Geografia serve, antes de mais nada, para fazer a guerra.
O saber geográfico se divide em dois planos:
i. Geografia dos Estados-Maiores:
- Estabelecer estratégias de ação no domínio da superfície terrestre.
- Conquistadores (Alexandre, Napoleão e, mais modernamente, a direção das grandes empresas monopolistas).
ii. Geografia dos Professores:
- Mascara a existência da Geografia dos Estados-Maiores.
- Apresenta o conhecimento geográfico como um saber inútil.
- Geografia: instrumento de dominação burguês, com alto potencial prático e ideológico.
Define seu trabalho como guerrilha epistemológica. Os detentores do poder (o Estado ou a grande empresa) sempre possuem uma visão integrada do espaço (que se transforma numa arma a mais de dominação). Por outro lado, o cidadão comum tem uma visão fracionada do espaço. Deve-se construir uma visão integrada do espaço numa perspectiva popular. É necessário saber pensar o espaço, para saber nele se organizar, para saber nele combater.
A Geografia Crítica tem conteúdo político explícito:
- Lacoste: a Geografia é uma prática social em relação à superfície terrestre.
- Harvey: a questão do espaço não pode ser uma resposta filosófica para problemas filosóficos, mas uma resposta calçada na prática social.
- Santos: o espaço é a morada do homem, mas pode ser também sua prisão.
Raízes:
- Ala mais progressista da Geografia Regional francesa.
- Jean Dresch como um exemplo único de afirmação de um discurso político crítico.
- Crescente importância do elemento humano na Geografia francesa.
- Primeira manifestação clara dessa renovação crítica: Geografia Ativa, nome de um livro (escrito por P. George, Y. Lacoste, et al.).
Explicar as regiões, mostrando não apenas suas formas e sua funcionalidade, mas também as contradições sociais contidas: a miséria, a subnutrição, as favelas – que não apareciam nas análises tradicionais de inspiração ecológica. Em termos metodológicos, a Geografia Crítica não rompe com a análise regional tradicional. Mantém a tônica descritiva e empirista, apenas engloba tópicos por ela não abordados. Faz uma descrição da vida regional que não encobre as contradições no espaço analisado.
Exemplos: Geografia da Fome (Josué de Castro); Geografia do Subdesenvolvimento (Lacoste). Estes livros não iam além da proposta regional, mas apresentavam realidades tão contraditórias que sua simples descrição adquiria uma força considerável de denúncia. Fazem da Geografia um instrumento de ação política. Abriram novos horizontes para os geógrafos, ao apontarem uma perspectiva de engajamento social, de atuação crítica.
Pierre George
- Grande mérito: introduz alguns conceitos marxistas na discussão geográfica.
- Tenta conciliar a metodologia da análise regional com o conceito do Materialismo Histórico.
- Discute as relações de produção e trabalho, a ação do grande capital e as forças produtivas.
Problemas da Geografia Crítica:
- Não realizou por inteiro a crítica da Geografia Tradicional.
- Não resolvia a contento as questões internas dessa disciplina.
- Colocava a explicação das realidades estudadas fora do âmbito da Geografia, ficando esta como um levantamento dos lugares, um estudo do modo de produção no espaço.
- Limitava-se a um estudo das aparências, sem possibilidade de indagar a respeito da essência dos problemas.
- A manutenção da ótica empirista vedava a análise dos processos essenciais.
- Autores com ética de esquerda, mas instrumentalizada numa epistemologia positivista.