Responsabilidade Civil no Código Civil Português
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Cláusula Geral de Responsabilidade Civil
O artigo 483.º do Código Civil estabelece a cláusula geral de responsabilidade civil, fazendo depender a constituição da obrigação de indemnizar da existência de uma conduta do agente (facto voluntário), a qual represente a violação de um dever imposto pela ordem jurídica (ilicitude), sendo o agente censurável (culpa), e que tenha provocado danos (dano), os quais sejam consequência dessa conduta (nexo de causalidade entre o facto e o dano).
Causas de Exclusão de Ilicitude
Legítima Defesa (Artigo 337.º)
Tem como requisitos:
- A existência de uma agressão;
- Contra a pessoa ou património do agente ou de terceiro;
- Atualidade e contrariedade à lei dessa agressão;
- Impossibilidade de recurso aos meios normais;
- O prejuízo causado pelo ato não ser manifestamente superior ao que pode resultar da agressão.
Ação Direta (Artigo 336.º)
Tem como requisitos:
- Estar em causa a realização ou proteção de um direito subjetivo do próprio agente;
- Ser impossível recorrer em tempo útil aos meios coercitivos normais;
- A atuação do agente ser indispensável para evitar a inutilização prática do direito;
- O agente não exceder o que for necessário para evitar o prejuízo;
- O agente não sacrificar interesses superiores aos que a sua atuação vise realizar ou assegurar.
Estado de Necessidade (Artigo 339.º)
Tem como requisitos:
- Perigo atual de um dano;
- Dano a afastar ser manifestamente superior ao dano causado;
- Impossibilidade de recurso aos meios normais.
Prova da Culpa e Presunções Legais
O artigo 487.º, n.º 1, estabelece que incumbe ao lesado a prova da culpa do autor da lesão, a não ser que exista uma presunção legal de culpa. Caso essa prova seja difícil de fazer, esse ónus a cargo do lesado reduz em grande medida as suas possibilidades de obter uma indemnização.
A lei estabelece algumas presunções de culpa, ilidíveis pelo artigo 350.º, n.º 2:
Danos Causados por Incapazes (Artigo 491.º)
Estabelece-se uma presunção de culpa das pessoas a quem incumbe a vigilância do incapaz natural, por lei (pais ou tutor) ou negócio jurídico (contrato de trabalho ou prestação de serviços). Para ser ilidida, terá de se fazer prova da adequada vigilância do incapaz. Poderá sempre haver responsabilidade tanto do incapaz como do vigilante, caso em que respondem solidariamente (artigo 497.º).
Danos Causados por Edifícios ou Outras Obras (Artigo 492.º, n.º 1)
Neste caso, é estabelecido que a responsabilidade recai sobre o proprietário ou possuidor do edifício. Esta presunção, nos casos de danos devidos a defeitos de conservação, transfere-se para a pessoa a ela obrigada por lei ou negócio jurídico, admitindo-se, para ilidir a presunção, a prova de que os danos continuariam a verificar-se mesmo que se tivessem adotado as diligências necessárias. O Professor Antunes Varela faz depender a aplicação desta presunção da prova de existência de um vício na construção ou defeito na conservação, contrariamente ao Professor Menezes Leitão, que considera este entendimento restritivo da presunção de culpa.
Danos Causados por Coisas ou Animais (Artigo 493.º, n.º 1)
Esta presunção recai sobre quem tenha no seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, bem como quem assumir a vigilância de quaisquer animais, pelos danos que a coisa ou o animal causem. Normalmente, esta presunção recai sobre o proprietário da coisa ou do animal, mas pode também recair sobre os detentores onerados com essa obrigação.
Danos Resultantes de Atividades Perigosas (Artigo 493.º, n.º 2)
Esta presunção recai sobre aquele que causar danos a outrem no exercício de uma atividade perigosa pela sua própria natureza. Esta presunção não dispensa a prova do nexo de causalidade.
Responsabilidade Objetiva ou Pelo Risco
A Responsabilidade do Comitente (Artigo 500.º)
O n.º 1 do artigo estabelece que responde pelos danos causados pelo comissário, independentemente da culpa, aquele que encarregar outrem (comitente) de qualquer comissão (comissário), desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar. O n.º 2 vem esclarecer que a responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado no exercício das funções que lhe estavam confiadas.
Estamos perante uma responsabilidade objetiva, que não depende da culpa na escolha do comissário, na sua vigilância ou nas instruções que lhe deu. No entanto, funciona apenas com o lesado, uma vez que o comitente tem o direito de exigir ao comissário tudo o que pagou ao lesado, salvo se o próprio tiver culpa (artigo 500.º, n.º 3). Este instituto garante que o lesado recebe o ressarcimento dos danos, uma vez que o comissário, normalmente, é alguém que não consegue suportar grandes indemnizações no seu património, ao contrário do comitente.
No entanto, têm de estar preenchidos os seguintes requisitos:
- Existência de uma relação de comissão: Prática de factos danosos pelo comissário no exercício da função. A responsabilidade do comitente não deve extravasar a função que foi confiada ao comissário, uma vez que a imputação ao comitente se justifica por este ter confiado a outrem uma função que lhe cabia desempenhar, funcionando como delimitação da zona de riscos a cargo do comitente.
- Responsabilidade do comissário: O último requisito consiste em recair uma obrigação de indemnizar sobre o comissário. No entanto, a doutrina diverge quanto a se a responsabilidade objetiva do comitente exige culpa do comissário ou se basta qualquer imputação ao comitente, mesmo que a título de responsabilidade pelo risco (posição assumida pelos Professores Antunes Varela, Rui de Alarcão e Pedro Nunes de Carvalho) ou por factos ilícitos (posição assumida pelos Professores Almeida Costa, Menezes Cordeiro e Sofia Galvão).
Danos Causados por Veículos (Artigo 503.º)
O artigo 503.º, n.º 1, estabelece que quem tiver a direção efetiva de qualquer veículo e o usar no seu interesse responde pelos danos provocados pelos riscos próprios do veículo, mesmo que não se encontre em circulação. É assim consagrada uma responsabilidade objetiva do utilizador de veículos, limitada aos riscos próprios do veículo, que a lei obriga a que seja previamente garantida por um seguro de responsabilidade civil automóvel.
A expressão "direção efetiva do veículo" significa ter um poder de facto sobre o veículo, ou seja, a expressão engloba não só detentores legítimos (proprietários, locatários, etc.), mas também detentores ilegítimos que tenham a posse do veículo. A lei exige, porém, a imputabilidade do agente nos termos do artigo 503.º, n.º 2, considerando que os inimputáveis não estão em condições de exercer poderes de facto sobre o veículo. A expressão “utilizar no próprio interesse” destina-se a excluir da responsabilidade objetiva aqueles que conduzem o veículo por conta de outrem, recaindo nesse caso a responsabilidade objetiva sobre o próprio comitente.
Danos Causados por Animais (Artigo 502.º)
O artigo 502.º vem determinar a responsabilidade pelo risco do utilizador de animais no seu próprio interesse, depois de o artigo 493.º, n.º 1, ter estabelecido em relação ao vigilante de animais uma responsabilidade por culpa presumida, não se impedindo a verificação cumulativa das duas responsabilidades.
Exige-se, neste caso, que:
- Haja uma utilização dos animais no próprio interesse (abrangendo não só o proprietário, como o usufrutuário, locatário, comodatário ou simples possuidor, sendo que a utilização destes exclui a responsabilidade daquele).
- Os danos resultem do perigo especial que envolve a utilização do animal, restringindo-se a responsabilidade a uma zona de riscos normalmente conexos com a sua utilização.
Não são excluídos casos de força maior nem os factos de terceiro, ainda que possa concorrer com a responsabilidade do terceiro. Ocorrendo culpa do lesado, aplica-se o regime do artigo 570.º. São apenas excluídos os danos exteriores aos perigos da sua utilização.