Ricardo Reis: Análise de "Os Jogadores de Xadrez"

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RICARDO REIS

Os Jogadores de Xadrez

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Momento Narrativo

12_ricardo_reis_04_d.jpgOuvi contar que outrora, quando a Pérsia
Tinha não sei qual guerra,
Quando a invasão ardia na Cidade
E as mulheres gritavam,
Dois jogadores de xadrez jogavam
O seu jogo contínuo.  

À sombra de ampla árvore fitavam
O tabuleiro antigo,
E, ao lado de cada um, esperando os seus
Momentos mais folgados,
Quando havia movido a pedra, e agora
Esperava o adversário.
Um púcaro com vinho refrescava
Sobriamente a sua sede.

Ardiam casas, saqueadas eram
As arcas e as paredes,
Violadas, as mulheres eram postas
Contra os muros caídos,
Trespassadas de lanças, as crianças
Eram sangue nas ruas...
Mas onde estavam, perto da cidade,
E longe do seu ruído,
Os jogadores de xadrez jogavam
O jogo de xadrez. 

Inda que nas mensagens do ermo vento
Lhes viessem os gritos,
E, ao reflectir, soubessem desde a alma
Que por certo as mulheres
E as tenras filhas violadas eram
Nessa distância próxima,
Inda que, no momento que o pensavam,
Uma sombra ligeira
Lhes passasse na fronte alheada e vaga,
Breve seus olhos calmos
Volviam sua atenta confiança
Ao tabuleiro velho. 

Momento Reflexivo

Quando o rei de marfim está em perigo,
Que importa a carne e o osso
Das irmãs e das mães e das crianças?
Quando a torre não cobre
A retirada da rainha branca,
O saque pouco importa.
E quando a mão confiada leva o xeque
Ao rei do adversário,
Pouco pesa na alma que lá longe
Estejam morrendo filhos.  

Mesmo que, de repente, sobre o muro
Surja a sanhuda face
Dum guerreiro invasor, e breve deva
Em sangue ali cair
O jogador solene de xadrez,
O momento antes desse
(É ainda dado ao cálculo dum lance
Pra a efeito horas depois)
É ainda entregue ao jogo predilecto
Dos grandes indiferentes.  

Caiam cidades, sofram povos, cesse
A liberdade e a vida.
Os haveres tranquilos e avitos
Ardem e que se arranquem,
Mas quando a guerra os jogos interrompa,
Esteja o rei sem xeque,
E o de marfim peão mais avançado
Pronto a comprar a torre.

Momento Conclusivo

Meus irmãos em amarmos Epicuro
E o entendermos mais
De acordo com nós-próprios que com ele,
Aprendamos na história
Dos calmos jogadores de xadrez
Como passar a vida.

Tudo o que é sério pouco nos importe,
O grave pouco pese,
O natural impulso dos instintos
Que ceda ao inútil gozo

(Sob a sombra tranquila do arvoredo)
De jogar um bom jogo.
O que levamos desta vida inútil
Tanto vale se é
A glória, a fama, o amor, a ciência, a vida,
Como se fosse apenas
A memória de um jogo bem jogado
E uma partida ganha
A um jogador melhor.  

A glória pesa como um fardo rico,
A fama como a febre,
O amor cansa, porque é a sério e busca,
A ciência nunca encontra,
E a vida passa e dói porque o conhece...
O jogo do xadrez
Prende a alma toda, mas, perdido, pouco
Pesa, pois não é nada. 

Ah! Sob as sombras que sem qu'rer nos amam,
Com um púcaro de vinho
Ao lado, e atentos só à inútil faina
Do jogo do xadrez
Mesmo que o jogo seja apenas sonho
E não haja parceiro,
Imitemos os persas desta história,
E, enquanto lá fora,
Ou perto ou longe, a guerra e a pátria e a vida
Chamam por nós, deixemos
Que em vão nos chamem, cada um de nós
Sob as sombras amigas
Sonhando, ele os parceiros, e o xadrez
A sua indiferença.

VEM SENTAR-TE COMIGO, LÍDIA, À BEIRA DO RIO

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Ricardo Reis

Barqueiro Sombrio – Caronte (barco) que na mitologia grega transportava as almas dos mortos.

Óbolo – Moeda que se metia na boca dos mortos para pagar a passagem.

Estrutura:

Primeira e segunda estrofe:

Estilo de vida que o sujeito quer levar e o facto de aceitar o seu destino (a morte).

Terceira, quarta, quinta e sextas estrofes:

Dar vários exemplos de modo como quer levar a sua vida.

Sétima e oitava estrofes:

Conclusão do sujeito poético.

RICARDO REIS - O poeta da razão – Pensa para não sentir (Sofrimento)

. Educação Jesuíta / Brasil / Médico

. Latinista (Educação) / Semi-helenista (Educação própria)

(Romano)

. Língua rebuscada (+ erudita e culta) / poesia paga e neoclássica (recurso à mitologia)

. Os deuses estão acima de tudo e controlam o destino do homem

. Epicurismo (triste) / Estoicismo -> filosofias morais de conduta

. Vida – passageira, transitória efémera, Precária

. Aceitação e conformado do Destino (MORTE = inexorável, inelutável) – Tudo passa nada fica.

. Prazer e felicidade – ataraxia (indiferente perante o mundo e as pessoas) -> Ausência de paixão, perturbação e dor (relativos) Nada é absoluto

Ricardo Reis segue duas filosofias de vida
 

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Objectivo: Tentar encontrar a calma e a tranquilidade de vida. No entanto o epicurismo é triste porque quem vive sempre com medo da morte nunca poderá atingir a felicidade e a calma.

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