Santarém: O Desafio entre História e Modernidade

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Santarém: Entre o Saudosismo e a Modernidade

Dizia o Cónego Duarte Dias em 1890 que Santarém é comparável a uma senhora “duma idade muito avançada, cujo físico é bastante defeituoso, e entretanto sentimo-nos bem em sua companhia, atrai-nos os seus merecimentos, prende-nos a história interessante da sua vida, impõe-nos respeito e veneração a sua longevidade, e tanto mais nos enleará, se soubermos que a esta antiguidade, junta muita nobreza de origem, riqueza e lealdade de carácter”. Palavras estas que nos remetem à forma como via a cidade, mas também ao especial carinho que nutria por ela.

O Inconformismo dos Scalabitanos

Vem isto a propósito do crescente inconformismo dos scalabitanos com o estado de degradação a que a cidade chegou:

  • O Centro Histórico cada vez mais desocupado;
  • Os edifícios de interesse público de “cara suja”;
  • O comércio tradicional “às moscas”;
  • O trânsito e o estacionamento sempre questionados.

Finalmente, as pessoas que, em parte, se dividem entre saudosistas e futuristas.

A Divisão: Saudosistas e Futuristas

As primeiras, porque em face de tal estado de ruína de alguns edifícios particulares e públicos, clamam que “antigamente é que era”. Apontam, nesse particular, a Escola Prática de Cavalaria, o Teatro Rosa Damasceno, o espaço da judiaria a céu aberto, o Presídio Militar, enfim, a lista seria imensa.

Os segundos, porque pretendendo dar um ar de modernidade e futurismo à cidade, acabaram por empreender determinados projetos que a vieram descaracterizar, como o Jardim das Portas do Sol, a Avenida Sá da Bandeira e outros exemplos que fizeram o desagrado dos primeiros. E, entre o saudosismo de uns e a modernidade de outros, reina a inoperância, fica a ruína, o abandono, o desleixo, a incúria.

O Caminho Perdido da Capital do Gótico

Embaraçada entre o saudosismo e a modernidade, Santarém não tem conseguido, infelizmente, encontrar o seu caminho com a determinação que se espera de uma capital de distrito, uma capital do gótico. Deveria abrir não só uma janela ao futuro, onde os projetos sirvam de facto os interesses dos cidadãos, mas acima de tudo, preservando a aura e o brilho de outros tempos.

Em contrapartida, tem-se deixado enlear pelo marasmo, encetando por vezes determinadas ações preventivas que visam mais mostrar obra feita do que propriamente servir a população. Todo o património ancestral pode e deve coexistir em harmonia com o moderno, da mesma forma como o fizeram outras cidades com centro histórico. Uma cidade será mais rica tanto quanto souber conciliar esses dois padrões; cabe-nos aceitar ou não essa prerrogativa. Tudo na medida certa, sem exageros e sem falsas modéstias.

Um Desabafo Necessário

Não se trata de uma crítica a ninguém, porque somos todos culpados do estado a que esta cidade chegou, mas sim de um desabafo. As análises críticas deixo-as com aqueles que têm poder decisório. Diga-se, em abono da verdade, que é a eles que devemos algumas – poucas – obras feitas assertivamente, mas para nosso descontentamento, foram também os responsáveis por tomadas de decisão completamente desastrosas que levaram à desmaquilhagem da cidade.

O Exemplo do Correio do Ribatejo

Felizmente, e contrapondo-se a tudo isto, temos o destacado exemplo que nos dá o Correio do Ribatejo. Fundado em 1891 por João Arruda, este semanário é uma obra marcante, fundamental na preservação das memórias da terra e das pessoas, que tem sabido, no tempo certo, acompanhar os novos trilhos da modernidade, dando assim um excelente exemplo da transfiguração do presente.

Com a subtileza que se lhe conhece, tem prestado a devida homenagem a todos aqueles que, imbuídos de amor à cidade, legaram o melhor de si próprios, dedicando muito do seu precioso tempo às causas comuns, sempre em benefício e engrandecimento da cidade, labor esse plasmado na grandeza da história da velha urbe.

António Monteiro

Maio de 2016

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