Saúde Mental: Conceitos, História e a Reforma Psiquiátrica
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Conceitos Fundamentais em Saúde Mental
A saúde mental é entendida como o equilíbrio entre os aspectos biológicos, psicológicos e sociais da vida. Esse estado de equilíbrio é chamado de homeostase, enquanto a alostase representa a ruptura causada por estresse ou sobrecarga.
Quando esse equilíbrio se perde e há sofrimento e prejuízo no trabalho, na família ou na vida social, surgem os transtornos mentais, que envolvem alterações no comportamento, pensamento e humor. Esses transtornos resultam da interação de fatores genéticos, ambientais e psicológicos, sendo mais comuns entre 14 e 24 anos.
História da Loucura e o Desenvolvimento da Psiquiatria
Historicamente, a loucura foi vista de maneiras diferentes:
Antiguidade
Era considerada um dom divino.Idade Média
Passou a ser associada ao demônio, levando a práticas religiosas e exorcismos.Idade Moderna
Os “loucos” eram vistos como perigosos e irracionais, sendo afastados e enclausurados sem qualquer tratamento.
Com a Revolução Francesa, surge uma visão mais científica e humanizada, especialmente com Philippe Pinel, que liberta os internos das correntes e propõe os manicômios como locais de intervenção. A psiquiatria se desenvolve com base biológica, e a neuropsiquiatria ganha importância com o estudo das estruturas cerebrais. Com o tempo, surgem tratamentos mais técnicos e as primeiras equipes multiprofissionais.
A Reforma Psiquiátrica no Brasil
Contexto Histórico Brasileiro
Antes do século XIX, os indivíduos com transtorno mental vagavam pelas ruas. Com a chegada da família real, foram recolhidos em prisões, Santas Casas e instituições fechadas. Em 1851, o tratamento virou negócio e os manicômios passaram a ser financiados, com práticas marcadas por violência, como lobotomia, indução de vômitos, afogamento e eletrochoques sem anestesia. Apenas a partir da década de 1950 inicia-se um processo de mudança.
Marcos Internacionais e Nacionais
Após a Segunda Guerra Mundial, surge o uso dos psicofármacos e o início da desinstitucionalização. A Declaração Universal dos Direitos Humanos reforça a dignidade e os direitos das pessoas com sofrimento psíquico, inspirando movimentos internacionais:
- Antipsiquiatria e Comunidade Terapêutica (Inglaterra)
- Psicoterapia Institucional e Psiquiatria de Setor (França)
- Psiquiatria Preventiva (Estados Unidos)
- Psiquiatria Democrática (Itália)
Em 1978, na Itália, Franco Basaglia promove o fechamento dos manicômios (Lei 180), o que inspira fortemente o Brasil. No mesmo ano, nasce o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) no país, denunciando abusos e a mercantilização da loucura. O primeiro CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), chamado NAPS, surge com funcionamento 24 horas e foco comunitário.
Legislação e Estrutura Atual
- Constituição de 1988: Cria o SUS com o princípio da universalidade.
- Lei nº 10.216/2001: Marca a Reforma Psiquiátrica brasileira, garantindo direitos e priorizando o tratamento comunitário.
- Portaria nº 3.088/2011: Institui a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), consolidando o modelo de cuidado baseado na autonomia e reinserção social.
- Portaria nº 336/2002: Organiza os CAPS como serviços de acolhimento, oficinas, atendimento em grupo, visitas domiciliares e suporte à família.
- Portaria nº 106/2000: Institui os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs), destinados a acolher pessoas que passaram longos períodos internadas.
A Lei 10.216/2001 define:
- O paciente e a família devem ser informados sobre seus direitos (Art. 2º).
- O tratamento extra-hospitalar é priorizado, e a internação é excepcional (Art. 4º).
- Cronificados devem ser reinseridos na sociedade, com alta planejada (Art. 5º).
- São previstas internações voluntárias, involuntárias e compulsórias (Art. 6º).
Os desafios atuais envolvem integrar a Rede de Atenção à Saúde aos serviços comunitários, garantindo atendimento diário, reabilitação psicossocial e fortalecimento da saúde mental na Atenção Primária.
Psicossomática e Crises em Saúde Mental
Psicossomática
A psicossomática é uma área que estuda a relação entre os aspectos psíquicos e orgânicos, entendendo que corpo e mente estão interligados. Ela reconhece que conflitos emocionais e traumas psíquicos podem contribuir tanto para o surgimento quanto para o agravamento de doenças físicas.
- Doença Psicossomática: Ocorre quando há um comprometimento orgânico real, mas com origem emocional (ex: gastrite nervosa).
- Somatização: Refere-se à manifestação de sintomas físicos sem alteração orgânica comprovada, sendo resultado do sofrimento psíquico.
A abordagem psicossocial considera fatores biológicos, psicológicos e sociais. Na psicanálise, Freud fala em conversão, quando conflitos internos se expressam no corpo. Assim, a enfermagem deve acolher o sofrimento físico com compreensão emocional.
Crise em Saúde Mental
A crise em saúde mental é um momento temporário de desorganização em que os recursos psíquicos não dão conta de uma situação. Pode ser situacional, maturacional, existencial ou decorrente de transtornos. Os sinais incluem mudanças bruscas de comportamento, fala confusa, choro ou riso inadequado e risco de agressão a si ou aos outros.
A intervenção de enfermagem exige escuta ativa, acolhimento sem julgamento, ambiente seguro, avaliação de risco e uso adequado de contenções (verbal, ambiental ou física) quando necessário, sempre com apoio da família e integração com a RAPS e os CAPS.
Comunicação Terapêutica e Exame das Funções Mentais
Comunicação Terapêutica: Teoria de Hildegard Peplau
A Teoria das Relações Interpessoais de Hildegard Peplau (1952) destaca a importância da relação entre enfermeiro e paciente como base para um cuidado humanizado e eficaz. Segundo Peplau, o enfermeiro atua como facilitador, promovendo empatia, confiança, respeito, comunicação eficaz e autonomia do paciente.
A relação interpessoal ocorre em quatro fases:
- Orientação: Primeiro contato e reconhecimento do enfermeiro como ajuda.
- Identificação: Confiança e vínculo.
- Exploração: Trabalho conjunto no tratamento e uso de recursos.
- Resolução: Término planejado do vínculo com foco na autonomia.
A comunicação terapêutica envolve compreensão e compartilhamento de mensagens (verbal e não verbal). Barreiras como julgamentos, conselhos não solicitados, minimizar o sofrimento, uso excessivo de termos técnicos e pressa no atendimento podem prejudicar a eficácia do cuidado.
O Exame das Funções Mentais (EFM)
O exame das funções mentais é uma avaliação ampla dos aspectos psíquicos e físicos do paciente, englobando histórico de vida, exame clínico, físico e psíquico. Ele considera também causas orgânicas ou farmacológicas de alterações mentais.
Principais Funções Avaliadas e Alterações:
- Aparência e Psicomotricidade:
- Hipercinesia: Movimentação excessiva.
- Hipopraxia: Lentidão na execução de movimentos.
- Acatisia: Inquietação motora, incapacidade de permanecer parado.
- Maneirismos: Movimentos repetitivos e estereotipados.
- Tiques: Movimentos involuntários e repetitivos.
- Catatonia: Imobilidade ou obediência automática sem reação emocional.
- Nível de Consciência: Varia desde a vigília (normal) até o coma (ausência total de resposta). Outros estados incluem: sonolência, obnubilação (confusão e lentidão) e torpor/estupor (resposta apenas a estímulos fortes).
- Discurso (Fala):
- Taquilalia: Fala acelerada.
- Bradilalia: Respostas lentas e pausadas.
- Hiperfonia: Volume de voz alto.
- Hipofonia: Volume de voz muito baixo.
- Humor (Estado Emocional Básico):
- Hipertímico: Euforia, alegria excessiva.
- Hipotímico: Tristeza, desânimo.
- Eutímico: Estável.
- Disfórico: Irritação.
- Afeto (Expressão Emocional Externa):
- Hipermodulação: Emoção exagerada.
- Hipomodulação: Pouca expressão.
- Dissociação ideoafetiva: Incompatibilidade entre ideia e afeto (ex: rir ao falar de tragédia).
- Apatia: Ausência de reação.
- Anedonia: Perda de prazer.
- Labilidade afetiva: Mudança rápida do riso ao choro.
- Orientação e Atenção: A orientação é avaliada no tempo, espaço e pessoa. A atenção envolve a capacidade de concentração e a tenacidade (persistência em uma tarefa).
- Memória: Analisada em níveis (remota, recente e imediata).
- Amnésia Retrógrada: Não lembra fatos anteriores ao evento.
- Amnésia Anterógrada: Não consegue reter novas informações.
- Julgamento: Capacidade de compreender a realidade e tomar decisões adequadas.
- Pensamento (Forma e Conteúdo):
- Forma: Neologismos (inventar palavras), Circunstancialidade (muitos detalhes antes de responder), Tangencialidade (mudar de assunto sem responder), Ecolalia (repetir o entrevistador).
- Conteúdo: Delírios (ideias falsas fixas), que podem ser sistematizados ou não sistematizados.
- Sensopercepção:
- Ilusões: Interpretação errônea de um estímulo real.
- Alucinações Auditivas: Percepção de sons ou vozes inexistentes.
- Fenômenos Hipnagógicos/Hipnopômpicos: Alucinações ao adormecer ou acordar.
- Despersonalização: Sentimento de não estar no próprio corpo.
- Desrealização: Sentimento de que o ambiente parece irreal.
- Delirium: Estado de confusão mental aguda (ex: delirium tremens).