Semicondutores: Fundamentos, Dopagem e Polarização

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O que é um Semicondutor?

Um semicondutor é um material cuja condutividade elétrica se situa entre a de um material isolante e a de um material condutor, quando consideradas em ordem crescente de condutividade.

Os semicondutores mais conhecidos são o silício (Si) e o germânio (Ge). Devido à sua maior estabilidade em relação a variações externas que podem alterar sua resposta normal, o silício (Si) é o elemento semicondutor mais utilizado na fabricação de componentes eletrónicos de estado sólido. Abordaremos principalmente o silício, tendo em conta que o comportamento do germânio é bastante similar.

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Como qualquer átomo, o átomo de silício possui cargas positivas no núcleo e elétrons orbitando ao seu redor (14 no caso do silício). O interesse nos semicondutores reside na sua capacidade de gerar corrente elétrica, ou seja, no movimento de elétrons. É sabido que um elétron sente-se mais fortemente ligado ao núcleo quanto menor for a distância entre eles. Portanto, os elétrons nas órbitas mais externas, estando menos atraídos pelo núcleo, podem ser liberados com a aplicação de energia externa. São estes elétrons que nos interessam e, por isso, em vez de usar o modelo completo do átomo de silício (Fig. 1), utilizamos a representação simplificada (Figura 2), que destaca a área de interesse.

A área sombreada na Figura 2 representa de forma simplificada a região dos elétrons de valência mostrada na Figura 1.

Conforme observado na figura, existem quatro elétrons de valência passíveis de serem liberados da força de atração do núcleo.

Semicondutor Intrínseco

Quando o silício é constituído unicamente por átomos do tipo descrito na seção anterior, diz-se que se encontra na sua forma pura ou, mais genericamente, que é um semicondutor intrínseco.

Uma barra de silício puro é formada por um conjunto de átomos interligados segundo uma determinada estrutura geométrica, conhecida como rede cristalina.

Se aplicarmos energia externa a estas condições (por exemplo, térmica ou luminosa), alguns elétrons das camadas mais externas (elétrons de valência) deixarão de estar ligados aos seus átomos e poderão mover-se livremente pela rede. Logicamente, se um elétron se liberta do átomo, este deixa de ser eletricamente neutro. Dizemos que ficou carregado positivamente (pois perdeu uma carga negativa) ou que surgiu uma lacuna (um espaço vazio deixado pelo elétron). Associamos, então, a lacuna a uma carga positiva no local anteriormente ocupado pelo elétron.

O átomo tende sempre a regressar ao seu estado normal (eletricamente neutro), com todas as suas cargas equilibradas. Portanto, no nosso caso, tentará atrair um elétron de um átomo vizinho para preencher a lacuna existente.

Toda injeção de energia externa desencadeia um processo contínuo no qual podemos observar dois fenómenos principais:

  • Elétrons são liberados e movem-se de um átomo para outro na barra de material semicondutor de silício.
  • Aparecimento e desaparecimento de lacunas nos diferentes átomos do semicondutor, à medida que elétrons preenchem umas e deixam outras.

Fica assim claro que o único movimento real de portadores de carga dentro de um semicondutor é o dos elétrons. O que acontece é que as lacunas (consideradas como 'cargas positivas') aparecem e desaparecem em diferentes pontos do semicondutor, dando a impressão de que se movem, o que resultaria num fluxo de cargas positivas. Este 'movimento' de lacunas é, na verdade, uma consequência do movimento dos elétrons; as lacunas em si não se deslocam, apenas parece que o fazem.

No entanto, para facilitar o estudo dos semicondutores, é conveniente falar em corrente de lacunas (movimento de cargas positivas), pois os resultados obtidos com esta abstração são equivalentes à realidade física.

Dopagem de Semicondutores

2Q ==

Ao aplicar uma tensão elétrica a um cristal de silício puro, o polo positivo da fonte de tensão atrairá os poucos elétrons livres existentes, e o polo negativo atrairá as poucas lacunas, promovendo o aparecimento de uma corrente elétrica muito fraca através do circuito.

Direção de movimento de um elétron e de uma lacuna no silício.

Contudo, a corrente que surge é de valor muito reduzido, pois poucos elétrons conseguem romper as ligações entre os átomos de silício à temperatura ambiente. Para aumentar o valor desta corrente, existem duas possibilidades principais:

  • Aumentar a energia fornecida (ex: temperatura), o que aumenta o número de portadores livres.
  • Introduzir portadores de carga (elétrons ou lacunas) adicionais no semicondutor.

A primeira solução nem sempre é prática ou desejável. A solução mais eficaz e controlável é a segunda, conhecida como dopagem.

Neste último caso, dizemos que o semicondutor é dopado.

A dopagem é o processo de introdução intencional de átomos de outros elementos (chamados impurezas) na estrutura cristalina do silício, substituindo alguns dos seus átomos. Dependendo do tipo de impureza utilizada para dopar o semicondutor puro (intrínseco), formam-se dois tipos de semicondutores extrínsecos:

  • Semicondutor tipo P
  • Semicondutor tipo N

2Q ==

Semicondutor Tipo N

Numa estrutura cristalina de silício (com átomos de silício interligados)...

Ligação covalente dos átomos de germânio (similar ao silício): observe que cada átomo compartilha os seus elétrons com quatro outros átomos.

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...se substituirmos um dos seus átomos (que, como sabemos, possui 4 elétrons na sua camada de valência) por um átomo de outro elemento que contenha cinco elétrons na sua camada de valência (impureza pentavalente, como o fósforo, arsênio ou antimônio), quatro desses elétrons serão utilizados para formar ligações covalentes com os átomos de silício vizinhos, enquanto o quinto elétron ficará livre, não participando das ligações e podendo mover-se facilmente pela rede cristalina.

Rede de silício dopada para formar um semicondutor tipo N

Esta rede de silício, dopada com este tipo de impureza (doadora de elétrons), é designada como Silício tipo N.

Nesta situação, existe um número de elétrons livres consideravelmente maior do que o número de lacunas (geradas termicamente). Assim, os elétrons são designados como portadores majoritários de carga, e as lacunas como portadores minoritários.

As impurezas doadoras (tipo N) mais comummente utilizadas no processo de dopagem são:

  • Antimônio (Sb)
  • Arsênio (As)
  • Fósforo (P)

9k =

É evidente que, se uma tensão for aplicada aos terminais de um semicondutor dopado tipo N, a corrente elétrica resultante será significativamente maior do que no caso da aplicação da mesma tensão em um semicondutor intrínseco, devido à abundância de elétrons livres.

Semicondutor Tipo P

Numa estrutura cristalina de silício (com átomos de silício interligados)...

Ligação covalente dos átomos de germânio (similar ao silício): observe que cada átomo compartilha os seus quatro elétrons com outros átomos.

2Q ==

...se substituirmos um dos seus átomos (com 4 elétrons na camada de valência) por um átomo de outro elemento que possua apenas três elétrons na sua camada de valência (impureza trivalente, como o boro, gálio ou índio), esses três elétrons formarão ligações covalentes com três átomos de silício vizinhos. Faltará um elétron para completar a quarta ligação com o átomo de silício adjacente, resultando na criação de uma lacuna (ausência de um elétron) nessa ligação. Esta lacuna pode ser facilmente preenchida por um elétron de uma ligação vizinha, fazendo com que a lacuna 'se mova'. Assim, a substituição de um átomo de silício por um átomo de impureza trivalente (aceitadora de elétrons) origina o aparecimento de lacunas móveis no cristal de silício. Neste caso, as lacunas são os portadores majoritários de carga, e os elétrons (gerados termicamente) são os portadores minoritários.

Esta rede de silício, dopada com este tipo de impureza, é designada como Silício tipo P.

Rede de silício dopada para formar um semicondutor tipo P

Considerações sobre Semicondutores Dopados

Os semicondutores dopados são frequentemente representados simbolicamente, indicando-se o tipo de portador majoritário.

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2Q ==

Semicondutor tipo N (portadores majoritários: elétrons)

Semicondutor tipo P (portadores majoritários: lacunas)

O nível de dopagem (concentração de impurezas) de um semicondutor não é sempre o mesmo; pode ser 'pouco dopado', 'moderadamente dopado', 'muito dopado', etc.

9k =

2Q ==

É prática comum usar o sinal '+' (por exemplo, N+ ou P+) para indicar que um semicondutor é fortemente dopado.

Semicondutor tipo N fortemente dopado (N+) e Semicondutor tipo P fortemente dopado (P+).

9k =

Todos os componentes eletrónicos de estado sólido que veremos adiante (transistores, díodos, tiristores) são, essencialmente, um conjunto de semicondutores de ambos os tipos (P e N), ordenados e combinados de maneiras diferentes para formar junções com propriedades específicas.

Polarização da Junção PN

Uma junção PN é formada pela união de um semicondutor tipo P com um semicondutor tipo N. Na interface, forma-se uma região de depleção (ou de carga espacial) e uma barreira de potencial interna. Se aplicarmos a esta junção PN uma tensão externa com polaridade oposta à do potencial da barreira interna (ou seja, polo positivo da fonte na região P e negativo na região N, chamada polarização direta), a largura desta barreira diminuirá. Quanto maior for a tensão externa aplicada, menor será a barreira de potencial interna, até que, eventualmente, a barreira possa ser considerada como tendo desaparecido completamente para efeitos práticos, permitindo a passagem de corrente.

Neste ponto, os elétrons (portadores majoritários) na região N 9k = ficam disponíveis para se moverem para a região P. De forma análoga, as lacunas (portadores majoritários) na região P podem 'atravessar' para a região N.

Polarização Direta

a) Junção PN não polarizada (sem tensão externa).

Z

b) Polarização direta: a região de depleção é reduzida, mas não completamente eliminada (para tensões baixas).

c) Ao aumentar a tensão de polarização direta, a zona de depleção e o seu potencial de barreira interno são eficazmente compensados.

* Nota: Na prática, um díodo é fabricado a partir de uma única peça (monocristal) de silício. Diferentes tipos de impurezas são introduzidos em regiões distintas do mesmo cristal para criar o material tipo P e o material tipo N. Este processo de dopagem seletiva é realizado a altas temperaturas.

A tensão externa que efetivamente anula a barreira de potencial e permite que a junção conduza significativamente devido à passagem dos portadores majoritários é chamada de tensão de limiar (ou tensão de joelho). É representada por Vth (ou Vγ) e os seus valores práticos são aproximadamente:

  • Para Silício (Si): Vth ≈ 0,4 - 0,5 Volts
  • Para Germânio (Ge): Vth ≈ 0,05 - 0,06 Volts

Z

Nesta situação (polarização direta, com V > Vth), ao aplicar uma tensão externa crescente, os elétrons da região N são fortemente atraídos para o polo positivo da fonte de tensão, e as lacunas da região P para o polo negativo. Os portadores majoritários atravessam facilmente a junção, resultando numa corrente significativa através do circuito. A partir deste ponto, qualquer aumento adicional na tensão de polarização provoca um aumento substancial na corrente.

O intervalo de tensões de polarização direta, acima da tensão de limiar, onde o díodo conduz corrente de forma significativa, é referido como a região de operação normal. Valores típicos de tensão direta (VF) durante a condução são:

  • Para Silício (Si): VF ≈ 0,5 - 0,8 Volts
  • Para Germânio (Ge): VF ≈ 0,06 - 0,15 Volts

Fluxo de Corrente em Díodo sob Polarização Direta

Chegará um ponto em que, mesmo aumentando a tensão externa, o aumento da corrente através da junção se torna menos pronunciado. Isto ocorre porque, a partir de um determinado valor de tensão aplicada, a capacidade do díodo de conduzir mais corrente é limitada por fatores como a recombinação interna e a resistência do material. A tensão a partir da qual a corrente através do díodo tende a estabilizar-se (aumentando apenas ligeiramente com o aumento da tensão, devido principalmente a efeitos resistivos) é aqui designada como tensão de saturação (Vsat).

Seus valores típicos são:

  • Para Silício (Si): Vsat ≈ 0,8 - 0,9 Volts
  • Para Germânio (Ge): Vsat ≈ 0,15 - 0,2 Volts

Qualquer tentativa de aumentar significativamente a corrente além deste ponto, excedendo a capacidade de dissipação de potência do componente, pode levar à destruição do díodo.

Polarização Reversa

2Q ==

Se a tensão aplicada externamente ao díodo tiver a mesma polaridade que o potencial da barreira interna (ou seja, o polo positivo da fonte ligado à região N e o polo negativo à região P), diz-se que o díodo está sob polarização reversa. Nesta configuração, o terminal positivo da fonte de tensão atrai os elétrons (portadores majoritários) da região N para longe da junção, enquanto o terminal negativo atrai as lacunas (portadores majoritários) da região P, também para longe da junção. Isto resulta no alargamento da região de depleção. Cria-se, no entanto, uma corrente muito pequena através da junção, devida ao movimento dos portadores minoritários. Esta corrente é chamada de corrente de saturação reversa ou corrente de fuga (IS). O seu valor é tipicamente muito baixo, da ordem de nanoampères (nA) ou microampères (µA), e é largamente independente da tensão reversa aplicada, até um certo limite.

A largura da camada de depleção aumenta à medida que a tensão de polarização reversa sobre a junção aumenta.

2Q ==

a) Junção PN sob polarização reversa (sem tensão externa significativa ou com pequena tensão reversa).

b) Ao aplicar uma tensão de polarização reversa, a largura da camada de depleção aumenta consideravelmente.

À medida que se aumenta a tensão reversa aplicada, atinge-se um ponto em que o díodo perde a sua capacidade de bloquear a corrente. Nesse ponto, uma corrente reversa de valor elevado começa a fluir abruptamente. Esta tensão crítica é chamada de tensão de ruptura (VBR). Se esta corrente não for limitada externamente, o díodo é geralmente destruído devido ao excesso de potência dissipada.

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