Sociologia Clássica: Comte, Durkheim, Weber e Marx
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A Sociologia, enquanto ciência, remonta a algumas condições históricas e materiais que promoveram o interesse do homem moderno por si mesmo.
As Revoluções Inglesa/Gloriosa, Francesa e Americana (Independência das Treze Colônias) trouxeram questionamentos ao absolutismo real, evidenciando propósitos de liberdade e preparando o terreno para a consolidação do capitalismo em sua fase industrial. Portanto, a Sociologia é produto das revoluções citadas e, mais, da Revolução Industrial, sendo uma resposta às novas situações colocadas por essas revoluções, ou seja, as mudanças que decorreram de tais acontecimentos.
À Sociologia cabe analisar, desvendar, antecipar e prever fenômenos sociais. Não cabe a esta ciência a análise do fato em si, mas a concepção do fato e as consequências deste para a sociedade como um todo. Por ser uma ciência, a Sociologia não admite explicações fora da visão e do ambiente científico, portanto, não leva em consideração o senso comum e os conhecimentos da magia, do mito e do transcendental. Ela busca o estudo sistemático para explicar o comportamento social, humano e coletivo, no âmbito de sociedades, culturas, grupos e subgrupos sociais, dividindo seu objeto com outras ciências humanas, tais como a Antropologia, a Psicologia Social, a Ciência Política e a Economia.
Pouco se faz no mundo moderno sem que se leve em consideração os estudos sociológicos. O lançamento de um produto no mercado, a viabilidade de uma candidatura política, as ações geopolíticas, a construção de uma hidrelétrica, a estruturação de um condomínio fechado, a deflagração de uma ação militar, a produção de um filme ou de um programa de televisão, a edificação de um complexo de lazer: poucas iniciativas são tomadas sem que se analise antes o comportamento das estruturas sociais envolvidas.
Na atualidade, os estudos sociológicos são fundamentais para a previsão de consequências sociais, para a tomada de decisões governamentais e para interesses gerais do capitalismo. Em consequência, os sociólogos tornaram-se também fundamentais na tomada de decisões e no planejamento de ações que repercutem ou possam repercutir sobre grupos ou comunidades. Daí a necessidade de sabermos como esta ciência se estrutura para aplicarmos suas contribuições ao nosso exercício profissional.
A Sociologia como ciência dependeu de alguns elementos para sua estruturação, tais como o racionalismo, o liberalismo e o industrialismo.
As primeiras formulações sociológicas que pensaram a vida social são positivistas e foram desenvolvidas no contexto da expansão industrial e urbana europeia.
O Positivismo, como corrente filosófica, surgiu no século XIX, decorrente da necessidade de se formularem os primeiros estudos sociológicos. Caracteriza-se por considerar como único tipo de conhecimento legítimo o que se encontra nas ciências naturais, baseado na observação, na experimentação, na matematização.
Positivistas como o francês Auguste Comte (1798-1857) apontam como falso e enganoso o pensamento metafísico e religioso. Advogam a tese de que as ciências humanas só podem se desenvolver como verdadeiras disciplinas científicas caso adotem a metodologia das ciências naturais, de modo que só aceitam como conhecimento autêntico a ciência.
Comte definiu uma metodologia para a investigação dos fenômenos sociais, também conhecida como “Física Social”. Em seus estudos, justifica a ação neocolonialista industrial em continentes como África e Ásia, transpondo as conclusões de Charles Darwin para as suas análises sociais.
Comte nasceu em Montepellier, em 1798. Viveu sua infância na França (então dominada por Napoleão Bonaparte) e assistiu à entrada de seu país na era da industrialização. Foi o primeiro nome da Sociologia Clássica, definindo uma metodologia de investigação para os fenômenos sociais. Tinha como objetivo colocar fim à “bagunça” que permeava os primeiros estudos sociais. À ciência que denominamos Sociologia, Comte chamou de Física Social. Entre 1830 e 1842, publicou sua primeira grande obra, Curso de Filosofia positiva, na qual expôs os primeiros fundamentos de sua teoria.
Comte inaugurou a corrente Positivista (Positivo: o que é seguro e posto, estabelecido ou reconhecido como um fato. Realidade efetiva). Certo e seguro seria o estudo baseado nos rigores científicos e no poder absoluto do que se estendia por razão, em detrimento das explicações teológicas e sobrenaturais da realidade.
Com a inauguração da Revolução Industrial no século XVIII, ciência e técnica aliaram-se, trazendo a concepção cientificista (ciência como único conhecimento admissível). Dentro desse contexto, Auguste Comte formulou a tese de que o espírito humano teria três processos históricos diferentes: o teológico, o metafísico e, finalmente, o positivo. No teológico, as explicações viriam a partir do sobrenatural; no metafísico, viriam das ideias e reflexões abstratas que procuravam explicar a origem da vida e do universo em si; no positivo, graças à maturidade espiritual humana, as respostas seriam obtidas única e exclusivamente pelas ciências, ou seja, pela razão. Dentro do racionalismo privilegiado pelos positivistas, a ciência seria o único conhecimento possível e seu método, o único válido para se entender todas as atividades humanas. De acordo com essa ideia, Comte procurou explicar as relações sociais tomando os modelos da biologia (a sociedade como um organismo coletivo).
França, Inglaterra, Holanda, Bélgica, Itália, Alemanha “deveriam” elevar as regiões partilhadas e dominadas (ainda que sem o consentimento destas) à condição de civilização, tirando as mesmas de seu estado de atraso (seu estado de “fósseis vivos”).
O capitalismo e seus propósitos não eram a única referência no cenário mundial. O mundo do século XIX ainda estava pasmo com as teorias do cientista inglês Charles Darwin, que entre 1831 e 1836, a bordo do Beagle, fez observações e conclusões espantosas.
Darwin lançou a teoria da evolução biológica das espécies animais, que consistiu basicamente na ideia de que entre os indivíduos de uma espécie há variações, e sobrevivem aqueles cujas características se adaptam ao ambiente (seleção natural).
Comte, assistindo às transformações de produção e pensamentos europeus, ficou impressionado com as teorias de Darwin e as transpôs para suas análises sociais, o que gerou a tese do Darwinismo social. Por essa teoria, com as estruturas sociais ocorreria o mesmo que acontece entre as espécies animais, em que apenas os mais capacitados sobrevivem: só as mais bem estruturadas e com capacidade de manutenção sobreviveriam. Caberia, portanto, às sociedades com um nível mais complexo de existência (industrializadas e urbanizadas) a tarefa de garantir a vida das sociedades ruralizadas, poligâmicas, politeístas e de tecnologias rudimentares da Oceania, Ásia e África com a finalidade de garantir-lhes a existência, equilíbrio e possibilidade de elevação a formas mais evoluídas de organização. Partindo dos conceitos biológicos de “luta pela existência” e de “sobrevivência do mais apto”, tentaram dar um (suposto) fundamento “científico” às diferenças raciais ou sociais.
Além de refletir o otimismo da industrialização como ação de desenvolvimento material, o darwinismo social foi abraçado como mais uma grande justificativa pelos países imperialistas. Estava ali a desculpa definitiva para a intervenção completa do capitalismo naquelas regiões.
Auguste Comte identificou dois princípios vitais na sociedade: o princípio dinâmico, representante das formas mais complexas de existência de uma estrutura social (urbanização e industrialização) e o princípio estático, correspondente às formas elementares de organização (família, religião, propriedade, linguagem). Para Comte, esses movimentos sociais completam-se, devendo ser dado privilégio ao estático como garantia de preservação da ordem e do bom funcionamento de uma sociedade.
Para o pensador francês, justifica-se a intervenção em uma estrutura social desajustada e desequilibrada por conflitos e revoltas se a intenção for a de dar-lhe equilíbrio e bom funcionamento. Com a resolução dos embates, a harmonia passaria a vigorar na área de intervenção – por meio do incentivo à coesão e ao bem-estar -, possibilitando condições para a sua evolução.
O advento da República no Brasil teve, por base, em seus primeiros momentos, os princípios positivistas, defendidos por nomes como Miguel Lemos e Benjamin Constant. A própria Bandeira Nacional, adotada como símbolo pelo Decreto-Lei de 19 de novembro de 1889, apresenta a legenda “Ordem e Progresso”, que expressa a crença na resolução dos problemas sociais por estímulo à união social e à evolução natural da nação, um dos ideais da política defendida por Comte. Em geral, os primeiros adeptos do Positivismo no Brasil foram jovens da burguesia comercial, cujos interesses pela industrialização contrapunham-se aos dos grandes latifundiários.
ÉMILE DURKHEIM
Émile Durkheim foi um dos pensadores que mais contribuiu para a consolidação da Sociologia como ciência empírica e para a sua instauração no meio acadêmico, tornando-se o primeiro professor universitário dessa disciplina. Pesquisador metódico e criativo deixou um considerável número de herdeiros intelectuais. O sociólogo francês viveu numa Europa conturbada por guerras e em vias de modernização, e sua produção reflete a tensão entre valores e instituições que estavam sendo corroídos e formas emergentes cujo perfil ainda não se encontrava totalmente configurado.
As referências necessárias para situar seu pensamento são, por um lado, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial e, por outro, o manancial de ideias que, sobre esses mesmos acontecimentos, vinha sendo formado por autores como Saint-Simon e Comte. Entre os pressupostos constitutivos da atmosfera intelectual da qual se impregnaria a teoria sociológica durkheimiana, cabe salientar a crença de que a humanidade avança no sentido de seu gradual aperfeiçoamento, governada por uma força inexorável: a lei do progresso. Esse princípio, herdado da filosofia iluminista, foi compartilhado por praticamente todos os autores do século XIX, embora assumisse conotações particulares na obra de cada um deles. Aguçava-se, então, a consciência de que o repertório de ideias e valores da velha ordem social, do qual ainda sobreviviam alguns elementos, fora destruído pelo vendaval revolucionário de 1789 e que era, portanto, necessário criar um novo sistema científico e moral que se harmonizasse com a ordem industrial emergente. O industrialismo, com sua incontida força de transformação, impunha-se a todos como a marca decisiva da sociedade moderna. Por outro lado, difundia-se a concepção de que a vida coletiva não era apenas uma imagem ampliada da individual, mas um ser distinto, mais complexo, e irredutível às partes que o formam. Esse seria, precisamente, o objeto próprio das ciências sociais, e seu estudo demandava a utilização do método positivo, apoiado na observação, indução e experimentação, tal como vinham fazendo os cientistas naturais. Desse modo, as ciências da sociedade deveriam aspirar à formulação de proposições nomológicas, isto é, de leis que estabelecessem relações constantes entre fenômenos.
Durkheim recebe também a influência da filosofia racionalista de Kant, do darwinismo, do organicismo alemão e do socialismo de cátedra. Mas seu pensamento não apenas faz eco às ideias recebidas, senão que as refunde num novo sistema, chegando com frequência a contestar tendências intelectuais dominantes de seu tempo. Um dos alvos da crítica durkheimiana, em tal sentido, foi ao que chamou de individualismo utilitarista representado por Herbert Spencer, para quem a cooperação é o resultado espontâneo de interesses particulares. Durkheim via na ciência social uma expressão da consciência racional das sociedades modernas, mas não excluía o diálogo com a História, a Economia e a Psicologia, embora apontasse os limites de cada uma dessas disciplinas na explicação dos fatos sociais.
MAX WEBER
À época de Max Weber, travava-se na Alemanha um acirrado debate entre a corrente até então dominante no pensamento social e filosófico, o positivismo, e seus críticos. O objeto da polêmica eram as especificidades das ciências da natureza e das ciências do espírito e, no interior destas, o papel dos valores e a possibilidade da formulação de leis. Wilhelm Dilthey (1833-1911), um dos mais importantes representantes da ala antipositivista, contrapôs à razão científica dos positivistas a razão histórica, isto é, a ideia de que a compreensão do fenômeno social pressupõe a recuperação do sentido, sempre arraigado temporalmente e adscrito a uma weltanschauung (relativismo) e a um ponto de vista (perspectivismo). Obra humana, a experiência histórica é também uma realidade múltipla e inesgotável.
Mas foram Max e Nietzsche, reconhecidos pelo próprio Weber como os pensadores decisivos de seu tempo, aqueles que, segundo alguns biógrafos, tiveram maior impacto sobre a obra do sociólogo alemão. A influência de Marx evidencia-se no fato de ambos terem compartilhado o grande tema – o capitalismo ocidental – e dedicado a ele boa parte de suas energias intelectuais, estudando-o da perspectiva histórica, econômica, ideológica e sociológica. Weber propôs-se a verificar a capacidade que teria o materialismo histórico de encontrar explicações adequadas à história social, especialmente sobre as relações entre a estrutura e a superestrutura. Em suma. Procurou compreender como as ideias, tanto quanto os fatores de ordem material, cobravam força na explicação sociológica, sem deixar de criticar o monismo causal que caracteriza o materialismo marxista nas suas formas vulgares.
Weber também é herdeiro da percepção de Friedrich Nietzsche (1844-1900) segundo a qual a vontade de poder, expressa na luta entre valores antagônicos, é que torna a realidade social, política e econômica compreensível. Isso refletia preocupações correntes de historiadores, sociólogos e psicólogos alemães, interessados pelo caráter conflituoso implícito no pluralismo democrático.
Enfim, cabe lembrar a originalidade de Weber no refinamento dessas e de outras ideias que estavam presentes nos debates da época. Os conceitos com os quais interpretou a complexa luta que tem lugar em todas as arenas da vida coletiva e o desenvolvimento histórico do Ocidente como a marcha da racionalidade representam um avanço em termos de precisão metodológica.
KARL MARX
‘O trabalhador é tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais cresce sua produção em potência e em volume. O trabalhador converte-se numa mercadoria tanto mais barata quanto mais mercadorias produz. A desvalorização do mundo humano cresce na razão direta da valorização do mundo das coisas. O trabalho não apenas produz mercadorias, produz também a si mesmo e ao operário como mercadoria, e justamente na proporção em que produz mercadorias em geral.
As formulações teóricas de Karl Marx acerca da vida social, especialmente a análise que faz da sociedade capitalista e de sua superação, provocaram desde o princípio tamanho impacto nos meios intelectuais que, para alguns, grande parte da sociologia ocidental tem sido uma grande tentativa incessante de corroborar ou de negar as questões por ele levantadas. Mas a relevância prática de sua obra não foi menor, servindo de inspiração àqueles envolvidos diretamente com a ação política. Herdeiro do ideário iluminista, Marx acreditava que a razão era não só um instrumento de apreensão da realidade mas, também, de construção de uma sociedade mais justa, capaz de possibilitar a realização de todo o potencial de perfectibilidade existente nos seres humanos. As experiências do desenvolvimento tecnológico e as revoluções políticas, que tornaram o Setecentos uma época única, inspiraram sua crença no progresso em direção a um reino de liberdade.
Além das dificuldades inerentes à complexidade e extensão da obra de Marx, o que aumenta o desafio de sintetizá-la, o caráter sucinto de algumas de suas teses tem dado lugar a interpretações controversas. O que se procura a seguir é apresentar, para os que se iniciam no pensamento marxista, seus fundamentos conceituais e metodológicos.