Solidariedade Social: Mecânica e Orgânica (Durkheim)
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Solidariedade Mecânica ou por Similitudes
O conjunto das crenças e dos sentimentos à média dos membros de uma mesma sociedade forma um sistema determinado que tem a sua vida própria; pode designá-lo por a consciência coletiva ou comum, sendo esta consciência difusa em toda a extensão da sociedade, mas nem por isso tem menos caracteres específicos, que a tornam uma realidade distinta. Com efeito, é independente das condições particulares em que os indivíduos se encontram colocados; estes passam e ela permanece (As pessoas passam, a consciência fica).
A consciência comum é, portanto, uma coisa diferente das consciências particulares, embora não se realize senão nos indivíduos. Não se deve dizer que um ato ofende a consciência comum porque é criminoso, mas que é criminoso porque ofende a consciência comum. Não o reprovamos porque é um crime, mas é um crime porque o reprovamos.
A sociedade é a responsável pela punição. O que torna indubitável o caráter social da pena é que, uma vez sentenciada, já não pode ser levantada senão pelo governo em nome da sociedade. (Entretanto, há exceções em que os particulares punem, e não a sociedade).
Sabe-se que grau de energia pode tomar uma crença ou um sentimento pelo fato apenas de serem assumidos por uma mesma comunidade de homens em relação uns com os outros. Do mesmo modo que estados de consciência contrários se enfraquecem reciprocamente, estados de consciência idênticos, ao trocarem-se, reforçam-se uns aos outros. Enquanto os primeiros se subtraem, os segundos adicionam-se.
Se alguém exprime perante nós uma ideia que já era nossa, a representação que disso fazemos vem juntar-se à nossa própria ideia, sobrepõe-se-lhe, confunde-se com ela. Assim sendo, já que os sentimentos que os crimes ofendem são, no seio de uma mesma sociedade, os mais universalmente coletivos, já que eles são mesmo estados particularmente fortes da consciência comum, é impossível que tolerem a contradição.
Existe uma coesão social, cuja causa se encontra numa certa conformidade de todas as consciências particulares. Há em nós duas consciências: uma não comporta senão estados que são pessoais a cada um de nós e que nos caracterizam, enquanto que os estados que a outra compreende são comuns a toda a sociedade. Essa última representa os elementos que determinam a nossa conduta, sendo que não atuamos com vista ao nosso benefício pessoal, e sim em prol de fins coletivos.
Estamos diante, portanto, da SOLIDARIEDADE MECÂNICA, que é oriunda das semelhanças e vincula diretamente o indivíduo à sociedade. É esta solidariedade que o direito repressivo exprime, já que tal parte do direito manifesta atos que atingem diretamente o tipo coletivo ou a consciência comum.
O direito penal exige, simultaneamente, de cada um de nós um mínimo de semelhanças - sem as quais o indivíduo seria uma ameaça para a unidade do corpo social - e impondo-nos o respeito pelo símbolo que estas semelhanças exprimem e resumem, ao mesmo tempo em que são por ele garantidas.
Em suma, existe uma solidariedade social que provém do fato de certo número de estados de consciência serem comuns a todos os membros da mesma sociedade. É essa solidariedade que o direito repressivo configura materialmente.
Solidariedade Orgânica ou devido à Divisão do Trabalho
A própria natureza da sanção restitutiva basta para mostrar que a solidariedade social, à qual corresponde este direito, é de uma espécie completamente diferente.
O que distingue esta sanção é que ela não é expiatória, e sim uma reposição das coisas. As perdas e danos não têm caráter penal, sendo apenas um meio de voltar ao passado para restituí-lo tanto quanto possível à sua forma normal.
As normas de sanção restitutiva ou não fazem de todo parte da consciência coletiva, ou apenas são estados fracos desta. Enquanto o direito repressivo corresponde àquilo que é o coração, o centro da consciência comum, as normas puramente morais são dela uma parte menos central. Obs.: Mesmo fora da consciência coletiva, essas normas não dizem respeito somente aos particulares. Se assim fosse, o direito restitutivo não teria nada em comum com a solidariedade social, visto que as relações que ele regula ligariam os indivíduos uns aos outros sem os vincular à sociedade.
As normas de sanção restitutiva são estranhas à consciência coletiva, as relações que determinam não são das que indistintamente atingem toda a sociedade, estas se estabelecem imediatamente não entre o indivíduo e a sociedade, mas entre partes restritas e especiais da sociedade. Estas relações são assim muito diferentes daquelas que o direito repressivo regula, pois essas ligam diretamente a consciência particular à consciência coletiva, o indivíduo à sociedade.
As relações reguladas pelo direito cooperativo de sanções restitutivas e a solidariedade que exprimem resultam da divisão do trabalho social. Com efeito, é da natureza das tarefas especiais escaparem à ação da consciência coletiva. A violação das normas que determinam tal tipo de solidariedade não atinge assim nas suas partes vivas nem a alma comum da sociedade, provocando assim uma reação moderada. Além disso, sendo a regularidade perturbada, basta que seja restabelecida, se distanciando assim da pena, que visa a compensar um mal realizado. A solidariedade mecânica só pode ser forte na medida em que as ideias e tendências comuns a todos os membros da sociedade ultrapassem em número e em intensidade as que pertencem individualmente a cada um deles. Esta solidariedade não pode, portanto aumentar senão na razão inversa da personalidade. A consciência individual segue o tipo coletivo como coisa a seu proprietário.
Por outro lado, a solidariedade orgânica implica que os indivíduos difiram uns dos outros, sendo possível somente quando cada um tem uma esfera de ação que lhe é própria, consequentemente, uma personalidade. Assim, é necessário que a consciência coletiva deixe descoberta uma parte da consciência individual, para que aí se estabeleçam essas funções especiais que ela não pode regulamentar. A individualidade do todo aumenta ao mesmo tempo em que a das partes, caracterizando, portanto uma sociedade mais desenvolvida.
A solidariedade orgânica embasa a sociedade capitalista, já que busca complementar os interesses e as tarefas. O Direito Restitutivo não só implementa as obrigações como também o que ocorrerá caso tais obrigações não sejam obedecidas. Os interesses dos envolvidos se complementam, apesar de divergentes.