Técnicas Retrospectivas no Restauro Moderno e Contemporâneo
Classificado em Artes e Humanidades
Escrito em em português com um tamanho de 10,12 KB
Técnicas Retrospectivas
Autora: Lilian Nakashima
Baseado em: Restauro Contemporâneo e Moderno de Simona Salvo
1. Definição e Origens
Fig. 3: Sede da editora Mondadori em Milão, Oscar Niemeyer.
O Restauro Moderno e Contemporâneo é uma nomenclatura comum que define os aspectos teóricos e práticos da intervenção sobre a arquitetura pós-industrial. Estes aspectos são considerados, na novidade e especificidade que os caracteriza, em relação ao contexto disciplinar mais amplo do restauro arquitetônico.
Este âmbito é também definido como restauro "do moderno", "do novo" ou "dos Novecentos".
Esta temática, surgida há cerca de trinta anos na Europa Setentrional, configurou-se inicialmente como reação ao risco que corriam os ícones modernistas, que voltaram à ribalta da historiografia arquitetônica no segundo pós-guerra, mas que se encontravam em condições de degradação.
Fig. 4: Capela Ronchamp, Le Corbusier.
No Docomomo (Documentation and Conservation of Modern Monuments), fundado na Holanda em 1988 por iniciativa de um grupo de arquitetos tecnólogos do Politécnico de Delft, desenvolveram-se as premissas de uma visão retrospectiva e tecnicista do tema. No rastro dessa visão, consolidou-se uma aproximação essencialmente pragmática.
Este tipo de metodologia será almejado também por organismos internacionais de tutela, tais como:
- ICCROM (International Centre for the Study of the Preservation and Restoration of Cultural Property - http://www.iccrom.org/)
- ICOMOS (International Council on Monuments and Sites - http://www.icomos.org/en/)
- UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization - http://whc.unesco.org/)
Estes organismos estão interessados em uma estratégia politicamente correta, ainda que disciplinarmente pouco embasada, de difusão global de uma ideia corrente de conservação do patrimônio cultural enquanto instrumento de diálogo entre os povos.
2. Orientações e Abordagens
Fig. 5: Louis Kahn, Dacca; Le Corbusier, Chandigard; Brasília.
Difundida em todo o mundo, a arquitetura Novecentista é inevitavelmente o fulcro de interesses de várias naturezas. A sua recepção é, portanto, condicionada por valores culturais e simbólicos, além de concretamente por valores de uso, referidos à atualidade, em torno dos quais tomam forma intervenções voltadas a refazer mais do que a conservar.
Fig. 6: Barragan, Satélite.
Ou seja, adota-se uma perspectiva oposta àquela reservada ao antigo e de nenhum modo estranha ao restauro enquanto tal, mais próxima àquela do projetista ou do tecnólogo que olha o moderno como a linha direta da própria genealogia, na qual se reconhece sem mediação histórica.
Fig. 7: MASP, São Paulo.
Tal distanciamento do núcleo científico do restauro fez retroceder a reflexão sobre o contemporâneo à ideia, há tempos superada, de que se deva agir sobre a imagem de um testemunho, e não sobre a consistência material, abrindo caminhos a novas formas de restauro (ou ripristino).
A propensão a “refazer” é aqui justificada pelo argumento empírico e privado de verificação científica, segundo o qual os preceitos do restauro tradicional não seriam válidos para a arquitetura contemporânea por causa da sua específica consistência, rebelde a toda forma de conservação ou perpetuação, e pela sua figuratividade, impossível de se transmitir se privada da sua integridade.
Fig. 8: Colonia Calambrone, Itália.
Deste modo, seria desejável garantir um estatuto científico autônomo deste setor em relação ao restauro arquitetônico, legitimado igualmente por um fundamento filológico referido à subsistência, em muitos casos, de gráficos de projeto, imagens de época, testemunhos diretos e, às vezes, à contribuição do próprio autor da obra na nova intervenção.
Fig. 9: Ville Savoye, Le Corbusier.
Este comportamento, que revela o prevalecer de valores icônicos em contrapartida à realidade material e histórica do edifício, fica muito evidente a partir dos repetidos trabalhos de recuperação, por exemplo, da Ville Savoye de Le Corbusier, manifesto da arquitetura purista. Estes trabalhos foram conduzidos repetidas vezes (em 1963, 1977, 1985, 1998) e sustentados também por uma manutenção contínua, com a qual a obra é reconduzida a um estágio irreal de perfeição, quase como se tratasse realmente de um ícone, e não de verdadeira arquitetura exposta à ação do tempo e dos agentes atmosféricos.
3. Especificidade e Desafios Críticos
Fig. 10: FAU - USP, Vilanova Artigas.
A especificidade no âmbito em questão é, ao contrário, focada no desconforto histórico-crítico, que interessa o ato de reconhecimento de valor, inevitavelmente obstaculizado pela ausência de um destacamento histórico congruente e de uma historiografia consolidada.
Neste sentido, o comportamento retrospectivo em relação à arquitetura contemporânea pode ser interpretado como indolente projeção sobre o passado da fraqueza da nossa civilização que, por vários motivos, tende a reapropriar-se dos símbolos do passado recente, negando a incidência daquele breve, mas denso, lapso de tempo passado entre a criação de tais obras e a recepção das mesmas no presente.
Fig. 11: Vitra Museum, Frank Gehry.
Isso não exclui que a produção artística contemporânea seja guiada pelos valores ideológicos e metafóricos atribuídos aos materiais, pelo manifestar-se da condição física do edifício e pelos desdobramentos do gesto criativo em si: como ensina a arte dos Novecentos, até hoje o significado da obra contemporânea reside tanto na abstração conceitual quanto na sua vivida materialidade.
Fig. 12: Villa Tugendhat; Seagram Building, Mies van der Rohe.
Lentamente, hoje se procede em direção à superação da barreira histórica, estagnada desde a Segunda Guerra Mundial, que divide as obras consideradas de conclamado valor monumental daquelas frequentemente consideradas de simples edilícia corrente. Deixada sob o perfil da tutela institucional no transcorrer destes canônicos cinquenta anos, essa barreira não é capaz de colher o atual acelerado ritmo de modificação da realidade social e cultural.
Apesar do recente desenvolvimento hipertrófico do tema, hoje não parece ter-se modificado a predileção inicial pelo refazer, reconstruir e restituir, embora alguns inconsistentes repensamentos e poucos, mas eficazes, casos de verdadeiro restauro tenham dado provas da resistência dos princípios cardinais da disciplina tradicionalmente conhecida.
Fig. 13: Edifício Pirelli, Gio Ponti, Milão.
O demonstra a intervenção sobre as fachadas contínuas do arranha-céu Pirelli em Milão, arquitetura complexa e moderníssima, encarada como ação crítico-conservativa e conduzida dentro do respeito da autenticidade material da obra, superando as dificuldades operacionais impostas pelo alumínio anodizado, pelo vidro e pelas matérias plásticas da sua fachada contínua. O crescimento do setor, além disso, estimulou interesses dos empreendedores (pensemos no impulso provocado pela recuperação do concreto armado sobre a produção de materiais para o restauro ou aquele oferecido pelas empresas que produzem ou reproduzem revestimentos modernos), sem todavia estimular o debate e pesquisa em termos realmente conservativos.
Fig. 14: Falling Water House, F. L. Wright.
O tema constitui, portanto, um desafio para essa disciplina, e talvez para a cultura da memória no seu complexo, pois implica o progressivo reconhecimento dos valores de hoje e coloca em prova a capacidade de adaptação de teorias e métodos do restauro a expressões figurativas e suportes materiais rebeldes e sem precedentes, obrigando a adentrar-se em um campo aplicativo que a disciplina ainda não explorou.
No campo da arte contemporânea e da cinematografia, reconhece-se todavia uma madura capacidade crítica e técnica no encarar com equilíbrio e clareza conceitual problemas de restauro totalmente novos e muito complexos. Trata-se de experiências que nos fazem esperar em um realinhamento conceitual e operativo também no setor da arquitetura, ainda parado numa posição substancialmente retrógrada.
Bibliografia
- CORDARO M. (1994). La conservazione e la memoria dell’esperienza artistica dell’ultimo cinquantennio. In Gregory T., Morelli M. (a cura di), L’eclisse delle memorie, Roma-Bari, pp. 65-72.
- Il restauro del Moderno (2006). Número monográfico de «Parametro», 266.
- La Sauvegarde du moderne (1997/98). Número monográfico de «Faces», 42/43.
- VARAGNOLI C. (1998). Un restauro a parte. In «Palladio», 22, pp. 111-115.
- SALVO S. (2007). Il restauro dell’architettura contemporanea come tema emergente. In Carbonara G. (a cura), Trattato di restauro architettonico, IX, Torino, pp. 265-336.
Fonte original em italiano: Restauro, contemporaneo e moderno (http://www.wikitecnica.com/restauro-contemporaneo-e-moderno/)