A Falta de Tempo: Desculpa ou Realidade?

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Se na sociedade moderna se pensasse em termos de ciclos, a questão do tempo e a angústia gerada pela dificuldade de administrá-lo se diluiriam. Entretanto, a exigência do cotidiano é de tal modo avassaladora que a falta de tempo pode, na realidade, traduzir a falta de vontade ou a fraqueza dela.

Longe de promover o alívio, a divisão do tempo em horas traz, no mundo de hoje, um paradoxal acréscimo de ansiedade na realização das tarefas inevitáveis do dia a dia, quando o prazer se torna, não raro, refém das solicitações diárias. Assim, passamos a desejar que um Deus ex machina intervenha e nos salve do que não temos força para realizar ou para recusar. Sonhamos com soluções quase divinas que nos salvem de situações constrangedoras e nos poupem de assumir a verdade quando não desejamos corresponder a alguma expectativa do outro.

A resistência ou a preguiça do querer faz com que se alegue a famosa “falta de tempo”, que pode ser naturalmente a simples verdade, mas pode também representar um tipo de desculpa que justifique uma recusa sem causar mágoas inúteis. Muitas vezes, no entanto, essa desculpa se aplica a nós mesmos. Quantas vezes deparamos com uma mesa atolada de papéis e objetos, gavetas que imploram por arrumação, pilhas de DVDs, uma hora a ser marcada em algum médico ou uma atividade que nos faria bem, mas nos convencemos de que não temos tempo? Não seria essa falta de tempo um descaso conosco?

Uma relação inacabada com o que desejamos? Não nos questionamos, apenas cedemos a uma solução de facilidade e acomodação que ninguém ousaria contestar, uma vez que significaria forçar, insistir ou pressionar, e tais atitudes poderiam nos arremessar no assustador território da exaustão. Desse modo, a falta de tempo deixou de ser apenas uma desculpa para ser um código que encerra inúmeros significados. Mas, se você se perguntar como anda sua relação consigo mesmo, saberá que é você quem deixa de ser sua prioridade cada vez que recorre ao expediente de um argumento que, de tão difundido, conquistou certa legitimidade. Em suma, a falta de tempo é uma desculpa aceita. É como um gentlemen’s agreement, um pacto silencioso quase infantil com nossa consciência. Um segredo de polichinelo.

De tão plausível por traduzir o mundo contemporâneo, a falta de tempo como desculpa é como um castelo de cartas que pode ruir a um mero contato com a sinceridade interior. Por mais asfixiante que possa parecer, é possível criar um espaço lúdico e desprovido de tensão chamado tempo. Tempo para si, tempo para o outro, tempo para desejar tempo. Afinal, qual a maior motivação que se pode ter que não a do prazer? Consigo ou com o outro. E, assim, a desculpa se esvai e o tempo surge como fruto de uma relação mais amorosa consigo.

SELEÇÃO DO TEXTO BASE

sociedade moderna [...] a exigência do cotidiano que a falta de tempo pode, na realidade, traduzir a falta de vontade ou a fraqueza dela.

a divisão do tempo em horas traz, no mundo de hoje, um paradoxal acréscimo de ansiedade na realização das tarefas inevitáveis do dia a dia [...] Sonhamos com soluções divinas

A resistência ou a preguiça do querer faz com que se alegue a famosa “falta de tempo”, que pode ser naturalmente a simples verdade, mas pode também representar um tipo de desculpa que justifique uma recusa sem causar mágoas inúteis. Muitas vezes, no entanto, essa desculpa se aplica a nós mesmos.

a falta de tempo deixou de ser apenas uma desculpa para ser um código que encerra inúmeros significados. [...] a falta de tempo é uma desculpa aceita.

a falta de tempo como desculpa é como um castelo de cartas que pode ruir a um mero contato com a sinceridade interior. [...] é possível criar um espaço lúdico e desprovido de tensão chamado tempo. [...] a desculpa se esvai e o tempo surge como fruto de uma relação mais amorosa consigo.


Proposta de aluno: Resumo do artigo “A preguiça do querer”, de Tuna Dwek

A cientista social e tradutora Tuna Dwek publicou o artigo de opinião “A preguiça do querer” na Revista da Cultura (02/10/2013), no qual aborda a distribuição do tempo na sociedade atual.

Ao iniciar o texto, Dwek sugere que o tempo dividido em horas deve ser pensado de modo diferente, diante do cotidiano atarefado. Assim, a expressão “falta de tempo” não seria usada como alegação para “não fazer algo”, tanto para os outros quanto para aquele que usa deste artifício.

Para a autora, essa desculpa é aceita socialmente, pois o uso é recorrente, tornando-a legítima entre os sujeitos. Mas, de acordo com a cientista social, tal uso pode ser derrubado quando há sinceridade; assim, a pessoa pode encontrar/criar tempo para o bem pessoal e dos outros.

Ao finalizar o texto, Dwek afirma que a vida fica melhor sem essa desculpa.

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