A Teoria da Infração Penal e a Imputação Objetiva do Risco

Classificado em Outras materias

Escrito em em português com um tamanho de 15,6 KB

Introdução à Teoria da Infração Penal

A teoria da infração penal é fruto de uma nova perspetiva do direito que adveio de regimes jurídicos europeus fortemente influenciados pela Revolução Francesa – que deu origem ao Código Napoleónico. Todos os ramos do direito foram influenciados, e o direito penal não foi exceção. Este é o ramo que mais lida com os direitos fundamentais.

Antes da Revolução de 1789 havia uma grande proximidade entre o direito secular (ou temporal, ou das pessoas) e o direito teleológico (ou metafísico). A justificação para punir tinha como base o direito teleológico, ou seja, era metafísica.

Dois autores alemães, Franz Von Liszt e Ernst Von Beling, instituíram a teoria da infração penal, com base na ideia de ajudar o juiz a percorrer um caminho metodológico que leva à punibilidade, que deve ser percorrido para punir alguém por determinado facto.

Este caminho deve permitir que o tribunal, quando puna alguém, o faça com uma sã consciência de que respeitou todos os direitos do arguido. Assim, visa tentar atribuir mais certeza à culpa do arguido (porque os métodos anteriormente utilizados potenciavam a punição de inocentes).

A grande preocupação destes autores é a seguinte:

  • Que a ação sirva para excluir a punibilidade dos comportamentos não humanos.
  • Que o comportamento fosse típico. Assim, não é crime se não estiver tipificado.
  • O comportamento típico deve ser ilícito, o que significa que não pode estar justificado (como sucede com a legítima defesa, que exclui a ilicitude).
  • Aferir se é possível imputar o crime a título de culpa. Se for o caso, o agente pode ser punido.

Existe nesta altura uma grande confusão entre as ciências da razão teórica – as quais são ciências exatas – e as ciências da razão prática – as quais dizem como o homem se deve comportar. Os clássicos criam a teoria da infração penal com base nas ciências exatas.

A Teoria Clássica da Infração Penal

A ação prende-se com um movimento corpóreo. Assim, o ato reflexo e o sonambulismo são punidos. Excluem-se as omissões, já que estas não são consideradas comportamentos suscetíveis de punição.

Se o movimento corpóreo se enquadrasse num facto típico (tipicidade), havia crime. A tipicidade não tinha em conta os elementos psicológicos do agente, o que significa que não importava se o fazia intencionalmente ou não.

Temos ilicitude quando o comportamento, sem elementos subjetivos, não se enquadrava numa causa de exclusão.

Em matéria de culpa, o tribunal aferia se o agente atuou dolosamente. Temos dolo quando o agente atua de forma consciente e voluntária (com saber e querer).

Saber se é doloso ou negligente é, normalmente, a diferença entre haver crime e não haver crime. No direito penal pune-se a tentativa. Nesta, existe dolo. Por exemplo, se o agente tentar entrar na casa errada para arranjar a máquina de lavar, não há dolo.

Os finalistas – isto é, os defensores da teoria finalista – defendem que o dolo deve ser integrado no tipo porque na tipicidade já se deve aferir a sua existência. Por exemplo, A dispara acidentalmente uma arma, ao limpá-la, e a bala passa a dois centímetros de B. Não faria sentido classificar este facto como um facto típico e ilícito, para só depois, na culpa, aferir se o agente atuou de forma dolosa ou negligente.

Como problemas desta posição apontam-se os seguintes: inexistência de valoração de factos e normas – já que apenas constata o movimento corpóreo, o que retira a possibilidade de punir por omissão; o crime é muitas vezes considerado praticado sem que se tenha aferido a existência de dolo – assim, a preocupação com os elementos subjetivos fica relegada para a culpa.

A Teoria Neoclássica da Infração Penal

Os neoclássicos baseiam-se na perspetiva kantiana da ciência. Assim, distinguem as ciências exatas das ciências do espírito, da razão prática, nas quais se estudam os comportamentos das pessoas e as leis morais.

Tentam, desde logo, valorar os comportamentos porque só faz sentido que sejam domináveis. As normas penais avaliam o comportamento, o qual revela a atitude da pessoa. Todo o comportamento suscetível de atacar valores deve ser tido em conta no direito penal. Este pode ser tanto positivo (ação) como negativo (omissão). Refere-se que Von Liszt, no final, também começou a abordar esta ideia.

Outra grande diferença reside na ideia de culpa. Surge a ideia de liberdade de decisão, a qual só é suscetível de punição se for uma decisão livre.

Os clássicos e os neoclássicos apresentam uma visão meramente objetiva do crime. Os finalistas, por seu turno, alteram essa perspetiva.

Para os clássicos a subsunção, isto é, o juízo pelo qual o facto concreto se enquadra na previsão da norma, era feita de uma forma não valorativa.

A partir dos neoclássicos passa-se a valorar os factos e as normas, ou seja, a considerar as circunstâncias e o contexto social em que o facto aconteceu. Estes defendem que o direito é uma ciência social. Por vezes, o mesmo facto pode ser valorado de forma distinta (por exemplo, um insulto num estádio de futebol e num tribunal).

Sempre que o comportamento atenta contra um valor, é suscetível de ser penalmente censurado. As omissões passam a ser consideradas.

A culpa tem uma grande influência kantiana. Kant recupera a ideia de liberdade de decisão – seja por saúde mental (sendo que os inimputáveis não podem ser censurados), que é uma circunstância endógena à pessoa; seja por uma situação em que a valoração concreta do facto nos leva a decidir que a decisão não é livre (por exemplo, a tábua de salvação), que é uma circunstância exógena –, a qual é pressuposto da culpa. A censura aplica-se sempre. Só se pode punir se a decisão for livre.

O dolo e a negligência mantêm-se, como se viu, na culpa.

A Teoria Finalista da Infração Penal

Na conceção finalista, a principal questão era compreender o que é a ação (comportamento atentatório de um valor).

Para haver ação é necessário que o agente, mentalmente, pré-represente um fim e atue de forma a atingi-lo (o que inclui a omissão). Não é necessário atingir o fim. Para além disso, o fim não precisa ser criminoso e pode não estar relacionado com o crime (pelo que passa a abranger os crimes negligentes).

Na tipicidade – ao contrário do que sucede na responsabilidade civil – o elemento central do crime é o dolo, sendo este fundamental. Welzel defende que o dolo deve fazer parte do tipo. Welzel também desenvolveu a figura da tentativa.

A punibilidade está fortemente dependente da culpa. Não pode haver pena sem culpa e a pena não pode ultrapassar a medida da culpa. A culpa ganha, aqui, alguma autonomia.

Os neoclássicos defendem a retribuição da culpa. Os finalistas são defensores da prevenção geral negativa.

A Teoria da Imputação Objetiva do Risco

A teoria do risco estabelece dois pressupostos que devem ser verificados para que haja imputação.

Houve várias decisões em tribunais, nomeadamente na Alemanha, que colocaram em causa a teoria da causalidade adequada. Esta conduzia a soluções injustas, daí a necessidade de corrigir esta teoria. Começaram a ser utilizados vários critérios que, posteriormente, foram englobados na teoria do risco, a qual evolui para uma teoria autónoma (deixou de ser critério acessório e corretor de outras teorias).

Verifica-se se, juridicamente, o resultado é causa do comportamento.

Na criação do risco proibido excluem-se os comportamentos inseridos no risco permitido, considerados normais na vida em sociedade.

Welzel, criador da teoria da causalidade adequada, defende que a subsunção deve ser valorativa.

O risco pré-existente pode levar ao resultado. A atuação do agente aumenta esse risco ou leva a que o resultado atinja um bem jurídico de maior valor. Por exemplo, A aponta uma arma à perna de B. C bate em A com um pau, que, num ato reflexo, dispara para a cabeça de B, matando-o. C aumenta o risco.

Quando não há aumento? Quando se diminui o risco (por exemplo, B salva A de ser atropelado por um comboio, empurrando-a e lesando a sua integridade física, mas salvando-lhe a vida) ou o risco se mantém idêntico ou análogo (riscos alternativos). Por exemplo, desviar um comboio para um desabamento de terra em vez de colidir com outro comboio.

Numa interpretação das normas, in dubio pro libertate, que significa: “em caso de dúvida, para a liberdade”.

Grande parte dos autores entendem que as relações de alternatividade ou subsidiariedade implícita são relações de subsunção.

Funcionando o primeiro pressuposto (caso contrário, não há imputação objetiva) há uma presunção de que funciona o segundo. Se há um resultado típico e alguém criou ou aumentou o risco, presume-se que o resultado é a materialização do risco. Para haver imputação objetiva, o resultado tem de ser a materialização do risco.

Em princípio, se há a criação do risco para o resultado, este é a materialização daquele.

Na prática, seleciona-se o comportamento que pode dar origem ao resultado. A teoria do risco é aplicada a esse comportamento.

Por exemplo, A dispara na direção de B, que morre. Em princípio, a morte de B é a materialização do risco criado por A. Em princípio, é, a não ser que a matéria de facto provada determine que o facto se deve a um risco pré-existente (o que significa que o risco já existia previamente).

Por exemplo, A dispara na direção de B, atingindo-o no peito. B morre de uma crise de hipertensão porque comeu um presunto salgado. A criou o risco, mas a morte de B não é a materialização desse risco. No direito penal, não há relevância da causa virtual.

Suponhamos que um empresário vende pincéis feitos de pelo de cabra, que é importado da China e deve ser desinfetado. Não o foi, e quatro operários morrem. O tribunal decidiu que não foi o vírus conhecido que matou os operários, mas provavelmente um outro que não era conhecido nem removível pelo desinfetante (de acordo com o estabelecido pelo médico legista). Era previsível que daquela ação do empresário (não desinfeção dos pelos) resultariam mortes. Se condenássemos o empresário, estaríamos a imputar alguém por um comportamento cujo resultado não era evitável (vírus desconhecido). Ora, como sabemos, in dubio pro reo.

Começou-se a questionar a teoria da causalidade adequada: se o comportamento levaria ao resultado – este critério não deve ser utilizado. Por outro lado, estamos a falar de licitude e ilicitude, e ainda estamos na tipicidade. Alguns autores defendem que não houve aumento do risco porque este não decorre do comportamento do agente.

O resultado não é a materialização do risco criado pelo agente, mas sim a materialização de um risco pré-existente.

Por exemplo, A discute com B e dispara contra B. B vai para o hospital. Mal é internado, deflagra um incêndio e B morre. A criou o risco de matar B. Com o incêndio, surge um segundo risco, que é posterior. A causa da não materialização do risco surge depois do primeiro, interrompendo-o. Fala-se em desvio quando o novo risco provoca uma interrupção ao risco inicial.

Os desvios podem ser previsíveis, os quais são irrelevantes (alguns consideram que nem sequer existe risco), ou imprevisíveis – só estes são relevantes, pois impedem a materialização do primeiro risco.

Será necessário fazer outros juízos de previsibilidade, de modo a aferir se era previsível que o risco produzisse o resultado.

É exemplo do primeiro tipo (riscos previsíveis) o caso em que A atira B da ponte abaixo. O vento empurra-o contra o pilar da ponte, e B morre esmagado.

Será um risco imprevisível se A empurrar B da ponte abaixo e, contra este, disparar C, um caçador de patos, que o mata.

A empurra B da ponte. A empurra B de um navio, em pleno Oceano Pacífico, em água infestada por tubarões. Em ambos os casos, B é comido por um tubarão. No primeiro exemplo temos um desvio imprevisível, sendo que a morte não é imputada a A. No segundo caso temos um desvio previsível, e a morte é imputada a A.

O desvio pode advir de três situações: de um facto natural, do comportamento de terceiro e da própria vítima. Nestes dois últimos casos estamos a falar de comportamentos humanos.

Por exemplo, A teve um grande acidente, chega ao hospital e o médico está a assistir a um jogo de futebol, não o assiste, o que resulta na morte de A. Ao não interromper o risco, o médico está a fazê-lo de forma proibida e a assumir o risco do resultado.

A, atingido por um tiro, passa pelo hospital e pensa: "vou ter de preencher muita papelada, vou para casa", acabando por morrer devido à perda de sangue. Nestes casos, não há uma alteração ou interferência no mundo causal, há um desvio imprevisível.

Os comportamentos humanos podem ser por ação ou por omissão, a qual é relevante quando se omite um resultado que seria esperado.

No risco proibido há uma violação de uma norma, que não tem de ser necessariamente jurídica. As proibições existem para evitar resultados.

Ao tratar da materialização, temos uma exigência: que o resultado esteja dentro da esfera de proteção da norma proibida. E se o resultado estiver fora dessa esfera de proteção? Em princípio, presume-se que está dentro. O resultado fora da esfera de proteção da norma constitui um outro desvio.

Por exemplo, A conduz atrás de B. C está numa árvore, à beira da estrada, a colher pinhões. A ultrapassa B numa curva. C cai da árvore. A atropela e mata C. A cria um risco proibido para o resultado típico, mas a proibição não visa evitar o atropelamento de quem cai da árvore. Nada tem a ver com o risco contido; está fora da esfera de proteção da norma.

Numa estrada com limite de 90 km/h, este é reduzido para 50 km/h na aproximação de uma passadeira. D reduz para 30 km/h. C começa a ultrapassá-lo. A, impaciente, ultrapassa B e acaba por embater em C. O STJ decidiu que não se podia imputar a morte de C a A, pois estava fora da esfera de proteção da norma.

Entradas relacionadas: