Teoria Geral da Responsabilidade Civil

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Responsabilidade: Conceitos Fundamentais

A vida em sociedade estabelece direitos e deveres, demanda organização e exige regras para viabilizar o equilíbrio e o convívio social.

Dever jurídico: conduta externa de uma pessoa imposta pelo direito positivo por exigência da vida social (comando dirigido à inteligência e à vontade dos indivíduos impondo obrigações).

Princípios de Ulpiano

Ulpiano estabeleceu 3 princípios fundamentais para a vida em sociedade:

  • Viver honestamente (Honeste vivere);
  • Não lesar (Neminem laedere);
  • Dar a cada um o que é seu (Suum cuique tribuere);

RESPONDERE – obrigação de assumir as consequências do ato praticado; “encerra a ideia de segurança ou garantia da restituição ou compensação do bem sacrificado”.

Se um ato ilícito praticado por um agente causa dano a outrem, há o dever de indenizar.

A responsabilidade é sempre um dever sucessivo.

Dever Jurídico Originário e Sucessivo

  • Dever jurídico originário – não lesar (obrigação)
  • Dever jurídico sucessivo – reparar (responsabilidade)

A obrigação é o vínculo jurídico que confere ao credor o direito de exigir do devedor o cumprimento de determinada prestação (decorre da lei ou da vontade – contrato).

“A responsabilidade civil é a sombra da obrigação” (Larenz)

Responsabilidade civil é o dever de reparar o prejuízo decorrente do descumprimento de um dever jurídico preexistente (da obrigação) -> lei (ato ilícito) -> acordo de vontades (contrato).

Função da Responsabilidade Civil

Reparar o dano, recolocando o prejudicado no status quo ante.

Responsabilidade – Neminem Laedere – Não Lesar

Restitutio in Integrum – Reparar

Função da Reparação:

  • Compensatória do dano (status quo ante);
  • Punitiva do ofensor (persuadir para não lesar);
  • Desmotivação social da conduta (intolerância de conduta lesiva);

“Indenizar pela metade é responsabilizar a vítima pelo prejuízo restante”.

Natureza Jurídica da Responsabilidade Civil

Sancionadora-compositiva.

Espécies de Responsabilidade

A responsabilidade tem como elemento nuclear a conduta violadora de uma obrigação, da qual nasce um dever de reparar.

Responsabilidade Jurídica vs. Moral

A responsabilidade jurídica se distingue pela força estatal – coercitividade/sanção.

Responsabilidade Civil vs. Penal

A ilicitude é a mesma, o que muda é a natureza do dever jurídico (obrigação) violado.

  • O ilícito civil é um minus/resíduo em relação ao ilícito penal (mais grave);
  • No Direito Penal há uma violação a uma norma de direito público e o ofendido não está individualizado: é a própria sociedade;
  • No Direito Penal o ilícito atinge bens sociais e não meramente patrimoniais;
  • No Direito Penal a responsabilidade é pessoal e intransferível com penas de caráter pessoal (privação de liberdade);
  • A tipicidade é requisito no Direito Penal. No Direito Civil, qualquer ação pode causar prejuízo e obrigar a reparação;
  • A culpabilidade é mais ampla no Direito Civil.

Quando o fato repercute na esfera civil e penal, haverá o acionamento do mecanismo reparatório da responsabilidade civil, bem como a movimentação do sistema repressivo da responsabilidade penal.

As esferas de responsabilidade são autônomas.

Para os Romanos não havia distinção entre a responsabilidade civil e a penal, tudo se resolvia com a pena imposta ao causador do dano (que podia ser pessoal ou pecuniária).

A Lex Aquilia Damno inseriu a discussão de culpa na responsabilidade e estabeleceu uma pequena distinção entre as esferas de responsabilização.

Efeitos da Sentença Penal na Esfera Cível

  1. Sentença penal condenatória faz coisa julgada no cível quanto ao dever de indenizar.

    Prescrição: Art. 200, CC. "Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva." (Ação ex delicto).

    • O artigo 200 do Código Civil estabelece uma causa de suspensão da prescrição quando houver relação de prejudicialidade entre o fato a ser apurado na esfera penal e suas consequências na cível (STJ).
    • Atenção aos crimes de menor potencial ofensivo e aos que dependam de representação do ofendido.
  2. Sentença Penal Absolutória:
    • Inexistência de crime: ? (Depende do fundamento)
    • Inexistência do fato: Faz coisa julgada no cível.
    • Inexistência/Insuficiência de prova: Não faz coisa julgada no cível.
    • Negativa de autoria: Faz coisa julgada no cível.
    • Motivo peculiar do Direito Penal (atipicidade, excludente de culpabilidade): Não afeta o cível.

Responsabilidade Contratual vs. Extracontratual

Leva em consideração a existência e o descumprimento de uma obrigação de natureza contratual (arts. 389/395, CC) ou o simples ilícito civil (arts. 186/187, CC).

Responsabilidade Subjetiva vs. Objetiva

  • Subjetiva: O dano decorre de conduta culposa do autor. Cabe à vítima provar a culpa do autor do dano.
  • Objetiva: Responsabilidade pelo risco da atividade ou por previsão legal. Independe de culpa do agente causador do dano.

Responsabilidade Direta vs. Indireta

  • Direta: Cada um responde pela sua própria conduta (é a regra).
  • Indireta: Terceiro responde pela conduta do autor do dano (existência de vínculo entre o autor e o terceiro).

Contexto Histórico da Responsabilidade Civil

O instituto da Responsabilidade Civil (RC) sofreu expressiva alteração no curso da história:

Evolução Histórica Inicial

  • Tempos remotos: Vingança Privada - O dano provoca a reação imediata e coletiva. Não há qualquer controle, limite ou proporcionalidade entre o fato e a sanção.
    • Reparação do mal pelo mal;
    • Vindita meditada (vingança posterior).
  • Direito Romano inicial: Inseriu a ideia de delito (controle mínimo), mas:
    • Não havia distinção entre delito penal e civil.
    • Não havia ideia de culpa como requisito de responsabilidade.
  • Lei de Talião: Insere um início de proporcionalidade na vingança com a adoção da máxima: olho por olho, dente por dente.
  • Lei das XII Tábuas: Inicia a fase de composição (substituição da vindita pela compensação).
    • Composição tarifada – o quantum era fixo e obrigatório.
  • Lex Poetelia Papiria (326 a.C.): Substituição das penas pessoais/corporais pelas patrimoniais.
  • Lex Aquilia Damno (286 a.C.): Inseriu a culpa como elemento necessário à configuração da responsabilidade civil. Estabelece as primeiras distinções entre a responsabilidade civil e a criminal e fixa o início da fase de reparação do dano pela aplicação da sanção pecuniária.

Desenvolvimentos Posteriores e Revoluções

  • Direito Francês: Desenvolve a ideia de culpa contratual e delitual (extracontratual) e apresenta a distinção entre reparação e responsabilidade.
  • Revolução Francesa e o Estado Liberal:
    • Tríade Axiológica: Liberdade (irrestrita) / Igualdade (isonomia formal) / Fraternidade (boa-fé).
    • Autonomia da vontade.
    • Pacta sunt servanda.
  • Revolução Industrial: Surto do progresso e multiplicação dos danos (acidentes de trabalho).
    • Responsabilidade fundada exclusivamente na culpa não atendia aos problemas sociais.
    • Expansão da responsabilidade com a aplicação da presunção da culpa do agente.
    • Surgimento da Teoria do Risco e da Responsabilidade Objetiva: “Ubi emolumentum, ibi onus”; “Ubi commoda, ibi incommoda”.
    • Exploração da mão de obra (muito trabalho e salários baixos).
    • Exploração de mulheres e crianças.
    • Péssimas condições de trabalho.
    • Descompasso entre a liberdade irrestrita e a dignidade do indivíduo (âmbito civil/constitucional).

Evolução da Tríade Axiológica:

  • Liberdade (autonomia privada)
  • Igualdade (isonomia substancial)
  • Fraternidade (solidarismo constitucional).

Visão sistêmica do direito e diálogo das fontes – nova visão do Direito Civil: Direito Civil Constitucional.

Princípio da solidariedade social – disposições constitucionais de responsabilidade objetiva.

Fonte da Obrigação de Indenizar: O Ato Ilícito

A teoria geral do fato jurídico denomina o evento danoso decorrente da natureza como fato jurídico em sentido estrito, enquanto o comportamento humano comissivo ou omissivo se chama ato jurídico, que por sua vez se subdivide em ato jurídico em sentido estrito e negócio jurídico.

O ato ilícito destaca-se como espécie do ato jurídico, encerrando a ideia de um comportamento humano voluntário comissivo ou omissivo contrário ao direito e que causa dano a um terceiro (vítima).

Com efeito, o ato ilícito é fonte primeira da responsabilidade civil, pois a violação de uma obrigação (primária ou originária) legal ou contratual enseja o surgimento de uma obrigação secundária consistente no dever de reparar o dano, ou seja, na responsabilidade civil.

Para Cavalieri Filho, o fato gerador da Responsabilidade Civil é o ato ilícito (conduta humana voluntária violadora do dever geral de não lesar).

Foi no Código Civil Alemão (BGB – 1896) que surgiu o conceito de ato ilícito.

Conceito e Natureza do Ato Ilícito

Ato ilícito é a conduta humana voluntária, omissiva ou comissiva, desejada (dolo) ou indesejada (negligência, imprudência ou imperícia), violadora do dever geral de não lesar e cujos efeitos são contrários ao direito, os chamados danos.

“Ilícito é a transgressão de um dever jurídico” (San Tiago Dantas)

Toda conduta contrária à norma jurídica é ilícita (ilicitude).

Duplo Aspecto da Ilicitude

  • Objetivo (Amplo): Toda conduta contrária ao Direito. São atos objetivamente ilícitos, independentemente da vontade/consciência do sujeito; basta o caráter socialmente nocivo do ato ou do seu resultado. A culpa não integra o conceito de ato ilícito no aspecto amplo.
  • Subjetivo (Estrito): “A qualificação de uma conduta como ilícita implica fazer um juízo de valor a seu respeito”. A ilicitude só aparece quando a conduta contrária ao Direito decorre da vontade (culpa) do agente. Há juízo de valor da conduta do agente. A culpa integra o conceito de ato ilícito. (Conduta ilícita e culposa!)

Em sentido amplo, o ato ilícito indica apenas a ilicitude do ato, ou seja, a conduta antijurídica (contrária ao Direito) sem qualquer referência ao elemento subjetivo (análise culposa do agente), é o chamado ato ilícito lato sensu.

Em sentido estrito, o ato ilícito é o conjunto de pressupostos da responsabilidade ou da obrigação de indenizar fundada em culpa.

Em sede de responsabilidade subjetiva, a culpa integrará o conceito de ato ilícito e caracterizará um dos seus pressupostos.

Para a responsabilidade objetiva, bastará a ilicitude em sentido amplo.

Excludentes de Ilicitude

Nem todo ato danoso é ilícito, assim como nem todo ilícito é danoso.

A ilicitude está vinculada à ideia de conduta contrária ao Direito (antijurídica).

A obrigação de indenizar só existe quando alguém pratica uma conduta danosa a outrem, seja ela considerada ilícita ou lícita.

Nos casos previstos no art. 188 do CC (excludentes da ilicitude), a conduta, embora cause dano a outrem, não viola dever jurídico, não está sob a censura da lei, pois albergada por previsão legal.

No sistema atual também existe responsabilidade por ato lícito!

Dever de indenizar mesmo em ato lícito (arts. 929 e 930 do CC).

  1. Exercício Regular de um Direito: É o direito exercido regularmente, de acordo com a boa-fé, o fim econômico e social. Agir em conformidade com a lei não gera responsabilidade, ainda que seja nocivo a outrem (Ex.: cobrança de dívida, propositura de ação).

    Abuso de direito: O exercício excede os limites estabelecidos na lei. (CJF - Enunciado 37: “Art. 187: a responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico.”)

  2. Legítima Defesa: Repelir injusta agressão, utilizando moderadamente os meios necessários (art. 25 do CP).
    • Agressão atual ou iminente (Legítima Defesa Real).
    • Repulsa à agressão própria ou de terceiro.
  3. Estado de Necessidade: Conduta que destrói ou deteriora coisa alheia para afastar perigo iminente.
    • Limitado ao indispensável para remoção do perigo.
    • Não afasta o dever de indenizar (art. 929 e 930, CC).

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