Tipos de Conhecimento e Métodos Científicos

Classificado em Filosofia e Ética

Escrito em em português com um tamanho de 639,72 KB

Conhecimento Vulgar

Associado a um primeiro nível do conhecimento, está ligado à apreensão imediata, muitas vezes sensorial, da realidade. Faz parte das ferramentas fundamentais do saber viver, pois é a partir dele que orientamos a nossa vida, com poucas preocupações com o rigor.

É caracterizado como um saber superficial e espontâneo, pois resulta da necessidade de resolver problemas do quotidiano. É empírico, concreto e subjetivo, pois surge da experiência de cada ser humano situado num tempo e num espaço concretos. É assistemático, acrítico e dogmático (como verdade incontestável), pois não se fundamenta em nenhum estudo prévio, mas na acumulação de observações cujos resultados se repetem. É expresso numa linguagem vulgar (corrente), pelo que muitas vezes se originam ambiguidades.

Conhecimento Científico

Na ciência, pretende-se descrever e explicar fenómenos. Partindo de hipóteses explicativas e estabelecendo relações de causalidade entre os fenómenos observados, o cientista pretende prever a ocorrência de novos fenómenos. É sistemático, metódico e objetivo, garantindo um saber mais exato e rigoroso. Procura respostas objetivas e universais, leis (explicações da realidade que resultam da experimentação, do teste e de meios formais de prova). É portador de uma linguagem própria, técnica e exata, que evita ambiguidades interpretativas, mas com enunciados menos acessíveis. É um conhecimento experimental (inclui métodos formais de prova), crítico e revisível, pois nada é assumido como absoluto ou definitivamente fechado, por mais seguro ou justificado que, à partida, possa parecer.

Ciência e Construção: Validade e Verificabilidade de Hipóteses

Métodos Científicos

Para que as diversas ciências possam almejar um conhecimento objetivo, explicativo e preditivo, precisam de trilhar um caminho composto por diversas etapas e regras – o caráter metódico. É este caminho, o método, que garante a fiabilidade e a universalidade dos resultados da ciência, pois resulta de um trabalho organizado, rigoroso e eficaz.

Como se Estabelecem as Verdades (ou Leis) em Ciência?

Método Indutivo

A primeira sistematização de um método para fazer ciência surgiu na modernidade, com o filósofo Francis Bacon.

Segundo Bacon, o conhecimento científico é adquirido e confirmado por um processo de indução.

O conhecimento humano tem por base uma metodologia sistemática de indagação empírica assente na observação, experimentação e indução.

A indução está muitas vezes ligada ao princípio de que casos futuros serão semelhantes aos casos passados. Por conseguinte, o grau de confirmação de uma hipótese dependeria apenas do número de casos favoráveis observados, não passando o problema de uma questão de simples enumeração exaustiva das manifestações de um fenómeno.

8gnhw9LSUWtlNQ0SN34VvnajDnSMvsCmTzjHBmvpPakMY1SWV2npBb72hIneDcwDwfuB8P0tiV4OMgZI7gjUvB9kDKJZQcEBAQEBAwyRP4Hrc7qShNwNF4AAAAASUVORK5CYII=

Método Hipotético-Dedutivo

Ao contrário de Bacon, Galileu Galilei combinou a observação empírica e a dedução matemática, tendo sido um dos percursores e defensores do método hipotético-dedutivo. Este método também foi estudado por Karl Popper.

Galileu ficou universalmente conhecido pela defesa do heliocentrismo e pelas inovações técnicas que introduziu. É-lhe também atribuída a invenção de um método científico rigoroso e fiável, onde a experiência tem um lugar central.

Tal como Bacon, Galileu adota uma perspetiva verificacionista, isto é: o seu papel enquanto cientista é confrontar as hipóteses com os factos e verificar a sua verdade.

Método Experimental (ou Método Científico Simples)

Quando no teste experimental, a hipótese se confirma, o enunciado transforma-se em lei universal. Caso o resultado seja negativo, a hipótese terá de ser abandonada ou reformulada. Para Galileu, os sentidos são insuficientes para a observação científica de fenómenos, pelo que criou instrumentos e modelos que visaram tornar mais rigorosa e objetiva a tarefa do cientista.

Este método começa com as observações, a partir das quais se constroem hipóteses ou teorias, que são explicações imaginativas para os fenómenos observados. A partir delas deduzem-se as suas consequências que, se confirmadas pela experimentação, produzem uma generalização ou um enunciado universal que permitirá fazer previsões precisas – a lei. Se a experimentação não verificar a hipótese, esta é abandonada e tem de se construir uma outra que passará pelo mesmo processo.

Embora não dispense a dedução, o método experimental insere-se numa conceção indutivista e verificacionista do método científico.

Objeções à Perspetiva Simples do Método Científico

Esta perspetiva é insatisfatória porque:

  • Os pressupostos do método científico acerca da natureza da observação são contestáveis;
  • Os pressupostos do método científico acerca da natureza dos argumentos indutivos são polémicos.

Em relação à primeira, retiramos que a observação dos factos não é ponto de partida da ciência e a observação nunca é completamente neutra e objetiva; a observação é seletiva.

Crítica: A Observação Não é o Ponto de Partida da Ciência

Ao contrário do que pensamos, a observação dos factos não é o ponto de partida da ciência. A nossa subjetividade (conhecimento e expectativas do observador) interfere com o juízo que fazemos acerca do que vimos. Partir do princípio que o conhecimento e as expectativas de quem faz ciência não têm qualquer influência nas observações pode conduzir a conclusões erradas.

Crítica: A Observação Nunca é Completamente Neutra e Objetiva

As observações são então profundamente influenciadas pelos conhecimentos prévios e pelas expectativas do observador. O cientista é um ser humano situado num espaço e num tempo concretos. A sua humanidade, na qual se incluem conhecimentos, mas também ideologias e valores, afetos e desejos, reflete-se no trabalho que realiza. Não existe, pois, observação pura.

Crítica: A Observação é Seletiva

Os cientistas não se limitam a observar; pelo contrário, selecionam os aspetos específicos sobre os quais se concentram. Quando os cientistas, como Hooke, registam observações, concentram-se sobre determinados aspetos e ignoram outros. Esta seleção envolve uma decisão que revela um enquadramento mental e pressupostos teóricos prévios.

Exemplo: “Todos os metais se dilatam ao serem aquecidos” – enunciado universal, pois abrange a totalidade dos acontecimentos de um tipo particular.

Será que esta aparente regularidade das leis da natureza é suficiente para justificar a indução?

Para Hume, não: a indução é racionalmente injustificável, mesmo que permaneça psicologicamente inevitável. Qualquer tentativa de justificar a crença na fiabilidade da indução está, à partida, condenada ao fracasso.

Karl Popper e o Falsificacionismo

Um enunciado é científico se, e somente se, for falsificável.

Popper é um cético em relação ao poder preditivo da indução. Para ele, o problema central da filosofia da ciência é o problema da demarcação: o que nos permite distinguir uma teoria científica de uma teoria não científica? Como se distingue da pseudociência?

No final da Primeira Guerra Mundial surgem: a teoria física da relatividade, o marxismo e a psicanálise. A teoria de Einstein, por ser uma teoria física, era fácil de aceitar como científica, mas e as outras áreas? São igualmente merecedoras de estatuto científico?

O filósofo construiu um sistema em clara oposição à perspetiva verificacionista dos positivistas lógicos. A ideia central da sua perspetiva é a seguinte: Como se faz a ciência? Em alternativa à conceção indutivista, Popper propõe um modelo hipotético-dedutivo em duas fases:

  1. O cientista formula uma hipótese ou teoria;
  2. Procura falsificar essa teoria. Se o conseguir fazer, isso significa que a teoria está errada e que tem de partir em busca de uma nova.

A ciência progride por meio de refutações e conjeturas. Este modelo põe em evidência o papel central do erro como motor de progresso. A ciência avança quando conseguimos mostrar que um certo enunciado científico sobre o mundo é falso.

Assim, o estatuto da ciência é sempre provisório. Embora visemos a verdade, nunca podemos estar certos de a alcançar.

No seu ponto de vista, Popper chamou a este método das conjeturas e refutações, também designado por falsificacionismo.

  1. Para Popper, os cientistas não iniciam o seu trabalho pela observação, mas por uma teoria. Estas, na medida em que não podem nunca ser confirmadas (indução), são sempre simples conjeturas e devem ser sujeitas a rigorosos testes experimentais que as tentem falsificar.
  2. Testar uma teoria significa, para Popper, ver se esta pode ser refutada, falsificada, isto é, procurar mostrar a sua falsidade.
  3. Assim se espera, de deteção de erro em deteção de erro, avançar em direção à verdade. Por mais provas que tenhamos, nunca poderemos dizer que uma teoria é absolutamente verdadeira. Em contrapartida, podemos provar que é falsa. Os testes têm essa função. O teste que confirma a teoria é apenas mais um e, no fundo, nada prova, enquanto um único teste pode desmentir uma teoria, isto é, mostrar que essa teoria, ou parte dela, é falsa.

Teoria Falsificável vs. Teoria Falsificada

  • Teoria falsificável (ou refutável) – teoria que tem a propriedade de poder ser sujeita a testes e de ser verdadeira ou falsa;
  • Teoria falsificada (ou refutada) – teoria que já se provou ser falsa. Foi sujeita a testes e não resistiu.

U0Q3oOAeCnAAAAAElFTkSuQmCC

O grau de corroboração de uma teoria depende mais da severidade do que da quantidade de testes a que pode ser ou a que foi submetida. É medido através do sucesso demonstrado pela hipótese ao sobreviver aos testes.

Critério de Demarcação

O objetivo de Popper foi distinguir ciência de não ciência. A marca da ciência é a sua testabilidade.

Neste sentido, uma teoria só tem estatuto científico se for falsificável, isto é, se puder ser colocada à prova através de um teste que torne possível a sua refutação.

Critério de Demarcação: Positivistas vs. Popper

Popper, com este critério de demarcação, contribuiu para o desenvolvimento da epistemologia evolucionista, pois tem como objetivo mostrar que os cientistas procedem de forma racional e argumentada e aceitam a revisão das suas convicções em função das críticas que recebem.

Racionalidade Científica e a Questão da Objetividade

Thomas Kuhn e o Progresso em Ciência

A ciência progride por revoluções científicas.

Tal como Popper, Kuhn foi um crítico das teorias indutivistas, mas foi-o também de Popper e das teorias falsificacionistas. Como progride a ciência? A ciência é objetiva? Ao contrário da conceção normal (os cientistas descobrem mais e mais verdades sobre o mundo), Kuhn propõe uma conceção radicalmente nova:

  • Rejeita que a ciência progrida por simples acumulação de conhecimentos e sem conflitos;
  • Afirma que a evolução do conhecimento científico ocorre por solavancos, por abalos sucessivos, isto é, por meio de revoluções científicas.

vw9O+TIEDAAAAAAElFTkSuQmCC

De acordo com a perspetiva kuhniana, a partir do momento em que um novo paradigma se impõe, a ciência entra numa evolução cíclica em que alternam três fases: normal, crítica e revolucionária. O progresso de uma ciência acontece da seguinte forma:

w8gF+cKTJOaOgAAAABJRU5ErkJggg==

Da Ciência Normal à Fase Crítica

Três são as tarefas de ampliação do paradigma levadas a cabo pelo cientista da ciência normal:

  • Determinação dos factos significativos;
  • Correspondência entre factos e teoria;
  • Reajustamento da teoria.

4HawAAAABJRU5ErkJggg==

Um cientista não abandona facilmente um paradigma. A atividade de ciência normal, tal como Kuhn a concebe, é extremamente conservadora e dogmática. Porém, por vezes, no trabalho de ciência normal, o cientista confronta-se com falhanços, com peças do puzzle que parecem não encaixar.

A estes falhanços, dá-se o nome de anomalias. O aparecimento destas no seio do paradigma não é, à partida, um problema, mas a sua acumulação pode vir a constituir-se como tal. As anomalias levam a um esforço suplementar por parte da comunidade científica, no sentido de tentar preservar a visão do mundo que o paradigma encerra.

Só quando as anomalias não podem ser ultrapassadas e se vão acumulando é que os fundamentos do paradigma são postos em causa, instaurando-se um período de crise. O grau das anomalias, e não apenas a sua quantidade, também contribui para a crise do paradigma, pois quanto mais graves e sérias são as anomalias e quanto mais tempo resistem à eliminação, mais a crise paradigmática se acentua.

kJn8KOh6yfDTKTv6GtpCfgoKCgoKOhpT+D510QUnhJl4NAAAAAElFTkSuQmCC

Da Fase Crítica à Fase Revolucionária

As crises, ao instalarem uma proliferação de versões do paradigma, fazem afrouxar as regras da resolução de enigmas, o que torna possível, por fim, a emergência de um novo paradigma. Acontece, então, uma revolução científica. Em que consiste?

A revolução científica corresponde a uma mudança de paradigma. Põe fim à crise e mostra que a comunidade científica aderiu a um novo paradigma. Estão, pois, criadas as condições para que se dê início a um novo período de ciência normal.

O episódio revolucionário dá lugar a uma reconstrução de todo o universo científico, partindo de novos princípios, o que altera não apenas as generalizações teóricas mais elementares em que se baseia o trabalho dos cientistas, como os seus métodos, aplicações e instrumentos. Trata-se de uma forma radicalmente nova de ver o mundo.

O paradigma entra em crise porque se descobrem cada vez mais fenómenos que não estão de acordo com o paradigma. Durante uma época de crise, a confiança no paradigma diminui e a investigação característica da ciência normal dá lugar a um período de ciência extraordinária. Assim, o fim de uma crise só poderá ocorrer quando surgir um novo paradigma.

No entanto, a instauração de um novo paradigma não é tarefa fácil. Para que seja possível o seu aparecimento, é preciso que surja primeiro uma nova teoria. Quando isto acontece, afirma Kuhn, dá-se o passo decisivo para a ocorrência de uma revolução científica. Kuhn considera que a diferença de paradigmas é de tal modo radical que eles não se podem comparar. Este facto revela que existe uma incomensurabilidade entre paradigmas. Deste modo, estamos perante uma das teses mais controversas defendidas por Kuhn, a qual nos leva a concluir que é impossível determinar se um paradigma é superior ou mais verdadeiro do que outro.

Assim, pode concluir-se que o conceito de verdade é, segundo Kuhn, sempre relativo a um paradigma, ou seja, aquilo que é verdade num paradigma pode não ser noutro.

wMeNStW1X+gFQAAAABJRU5ErkJggg==

nkU1rPkDRcEAAAAASUVORK5CYII=

Entradas relacionadas: