A Tragédia do Rei, da Rainha e da Aia Leal
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Um rei moço e valente partira a batalhar por terras distantes, deixando só e triste a rainha e um filho pequeno. O rei perdeu a vida numa das batalhas e foi chorado pela rainha. Sendo herdeiro natural do trono, o bebé estava sujeito aos ataques de inimigos, dos quais se destacava o seu tio, irmão bastardo do rei morto, que vivia num castelo sobre os montes, com uma horda de rebeldes. O pequeno príncipe era amamentado por uma aia, mãe de um bebé também pequeno. Alimentava os dois com igual carinho, pois um era seu filho e outro viria a ser seu rei. A escrava mostrava uma lealdade sem limites.
Porém, o bastardo desceu da serra com a sua horda e começou uma matança sem tréguas. A defesa estava fragilizada, pois a rainha não sabia como fomentá-la, limitando-se a temer e a chorar a sua fraqueza de viúva sobre o berço de seu filho. Uma noite, a aia pressentiu uma movimentação estranha, verificando a presença de homens no palácio. Rapidamente se apercebeu do que iria passar-se e trocou, sem hesitar, as crianças dos respectivos berços. Nesse instante, um homem enorme entrou na câmara, arrebatou do berço de marfim o pequeno corpo que ali descansava e partiu furiosamente. A rainha, que entretanto invadira a câmara, parecia louca ao verificar as roupas desmanchadas e o berço vazio. A aia mostrou-lhe, então, o berço de verga e o jovem príncipe que ali dormia.
Entretanto, o capitão dos guardas veio avisar que o bastardo havia sido vencido, mas infelizmente o corpo do príncipe tinha também perecido. A rainha mostrou, então, o bebé e, identificando a sua salvadora, abraçou-a e beijou-a, chamando-lhe irmã do seu coração. Todos a aclamaram, exigindo que fosse recompensada. A rainha levou-a ao tesouro real, para que pudesse escolher a jóia que mais lhe agradasse. A ama, olhando o céu, onde decerto estava o seu menino, pegou num punhal e cravou-o no seu coração, dizendo que agora que tinha salvo o seu príncipe, tinha de ir dar de mamar ao seu filho.
Estrutura da AçãoIntrodução
(Primeiros parágrafos)
Apresentação do rei e do seu reino. Partida do rei para a guerra, deixando sozinhos a rainha, o filho e o reino. Desenvolvimento
Era um punhal de um velho rei (…) e que valia uma província.”
Comportamento das personagens aquando da morte do rei: a aia troca as crianças quando pressente o ataque ao palácio pelo ambicioso e malvado tio e a sua horda; morte do tio e do escravozinho; reacção das personagens à morte do suposto principezinho.
Conclusão
(três últimos parágrafos)
Por amor ao filho, a aia suicida-se.
Neste conto, estamos perante uma narrativa fechada, pois apresenta um desenlace irreversível.
A articulação das sequências narrativas (momentos de avanço) faz-se por encadeamento. Os momentos de pausa abrem e fecham a narrativa e interrompem, por vezes, a narração com descrições (espaço, objetos, personagens).
Personagens
Caracterização física das personagens
Rei – Moço, formoso.
Tio – Face escura, homem enorme.
Aia – Bela, robusta, olhos brilhantes.
Príncipe – Cabelo louro e fino, olhos reluzentes.
Escravo – Cabelo negro e crespo, olhos reluzentes.
Caracterização psicológica das personagens
Rei – Valente, alegre, rico, poderoso, sonhador, ambicioso.
Rainha – Desventurosa, chorosa, solitária, triste, angustiada, grata, surpreendida.
Tio – Mau, terrível, cruel, ambicioso, selvagem.
Aia – Leal, nobre, venerável, sofredora, dedicada, terna, perspicaz, decidida, corajosa.
Príncipe – Frágil, inseguro.
Escravo – Simples, seguro e livre.
Ao longo do texto, está presente o processo de caracterização direta, pois as informações são dadas pelo narrador. No entanto, há também informações que são deduzidas a partir do comportamento das personagens (caracterização indireta).
A Aia, personagem principal, torna-se uma personagem modelada no fim do conto, porque adquire uma densidade psicológica significativa. Mulher dedicada ao filho, ao príncipe e aos reis, prova, com o gesto da troca das crianças, uma grandeza de alma que não pode ser compreendida por nenhum humano e que, por consequência, não tem nenhuma recompensa ou pagamento material. A crença espiritual que alimenta o seu gesto demonstra uma simplicidade de pensamento que coloca o dever acima de tudo: o dever de escrava e o dever de mãe. O desejo da aia de provar que a cobiça e a ambição podem estar arredadas de um coração leal fez com que ela escolhesse um punhal para pôr termo à sua vida. Trata-se de um objeto pequeno, certeiro, que remete para
o caráter decidido da personagem e que era o maior tesouro que aquela mulher ambicionava, pois esse objeto lhe abriria caminho para o encontro com o seu filho, para cumprir o seu dever de mãe, dando-lhe de mamar.
O rei, a rainha, o tio, o príncipe e o escravo são personagens secundárias e planas. Não são identificadas por um nome próprio, uma vez que remetem para a intemporalidade da história.
As crianças estão, no conto, marcadas pela sua posição social: uma dorme em berço de ouro entre brocados, a outra, num berço pobre e de verga. À hora da morte, é por essa marca que o inimigo vai identificar o futuro rei. O príncipe não intervém diretamente na ação, mas é o centro das atenções de todas as personagens. A personagem escravo existe para salvar a vida do príncipe.
Tempo
Não há referências a datas ou locais que permitam localizar a ação no tempo. Há apenas algumas expressões referentes ao tempo: «lua cheia», «começava a minguar», «noite de Verão», «noite de silêncio», «luz da madrugada».
É à noite que acontecem os principais acontecimentos desta história, como: a morte do rei, o nascimento do príncipe e do escravo, o ataque ao palácio, a troca das crianças, as mortes do escravo, do tio e da sua horda. No entanto, a ação fecha com a morte da aia, de madrugada.
O núcleo central da ação centra-se numa noite. A condensação de um tempo da história tão longo, numa narrativa curta (conto), implica a utilização de sumários
ou resumos (processo pelo qual o tempo do discurso é menor do que o tempo da história); de elipses (eliminação, do discurso, de períodos mais ou menos longos da história).
Quanto à ordenação dos acontecimentos, predomina o respeito pela sequência cronológica.
Espaço
A ação localiza-se num reino grande e rico, «abundante em cidades e searas», e decorre num palácio. Toda a ação decorre nesse espaço, sendo que alguns recantos do palácio são sobrevalorizados por oposição a outros, por exemplo, a câmara onde o príncipe e o filho da escrava dormiam e a câmara dos tesouros.
No entanto, alguns espaços exteriores adquirem alguma importância, como por exemplo: o primeiro espaço é onde o rei é derrotado e, consequentemente, morto, o que vai deixar a rainha viúva, o filho órfão e o povo sem rei; o segundo acaba por ser um elemento caracterizador do vilão do conto: «vivía num castelo, à maneira de um lobo, que entre a sua alcateia, espera a presa». Através desta apresentação, o leitor fica na expectativa do que irá acontecer, visto que ela é indicadora de confrontação e de tragédia. É também determinante no clima que se vive no palácio, que denota temor e insegurança.
O espaço é descrito do geral para o particular, do exterior para o interior. Primeiramente, é-nos apresentado «um reino abundante em cidades e searas», onde se situa um palácio, habitado por um príncipe frágil que é protegido no seu berço pela sua ama. À medida que se desenrolam os acontecimentos, o espaço vai-se concentrando cada vez mais, acabando a Aia por se suicidar na câmara dos tesouros. Verifica-se um afunilamento do espaço.
No exterior, no alto, encontramos um «castelo sobre os montes», «o cimo das serras», povoado pelo tio bastardo e a sua horda, que vigiam a presa – o príncipe que vivia no palácio. Cá em baixo, «na planície, às portas da cidade», existe um palácio, onde a população e o príncipe estão desprotegidos e são presa fácil. No interior da «casa real», há uma câmara com um berço, um pátio, a galeria de mármore, a câmara dos tesouros, onde estão a rainha, a aia, o príncipe e o escravo.
Quanto ao espaço social, temos a descrição de um ambiente da corte – palácio, rei, rainha, aias, guardas.
Simbologia:
Ao longo da ação, há inúmeras referências ao ouro, material precioso e incorruptível, símbolo de perfeição. Para além do seu valor material, simboliza a salvação, a elevação a uma forma superior de vida, mais espiritual. O príncipe, frágil e inocente, tem cabelos louros e dormia no seu berço com o seu guizo de ouro fechado na mão. Na câmara dos tesouros, todos os objetos cintilavam e até o céu se tingia de ouro. E era no céu que se encontrava o escravo, salvo dos perigos, e era junto dele que a aia desejou estar.
Por outro lado, a presença da escuridão, da noite ao longo da ação, acentua o caráter trágico da mesma. Os cabelos negros do escravo, em contraste com os cabelos louros do príncipe, são referências à morte do primeiro versus a salvação do segundo.
Era uma vez um jovem rei, que partiu para longe para a guerra, deixando a amada, o filho recém-nascido e o reino desprotegidos.
O rei faleceu numa batalha e a tristeza entrou no palácio, deixando inseguro o seu filho, futuro rei, que tinha um rival mais perto do que poderia imaginar: o seu tio bastardo, um homem cruel, agressivo, mau, que tudo faria pelo poder.
Ao lado do príncipe dormia um menino que era filho de uma escrava que amamentava os dois. Partilhavam o quarto, embora em berços diferentes: o do herdeiro do trono era rico e o do escravo era pobre. A escrava, aia da rainha, tinha nascido naquele palácio, era fiel aos seus senhores e preocupava-se com o que lhes poderia acontecer no futuro, por isso estava alerta.
Uma noite, o tio bastardo invadiu o palácio com um exército de malfeitores e a aia, sem pensar duas vezes, trocou os bebés de berço. Não se apercebendo da troca, os homens levaram e mataram o escravozinho.
A rainha, desesperada, correu para o quarto do filho quando a aia lhe mostrou, destapando o berço, que tinha trocado os bebés. Beijou a aia, considerou-a como irmã e quis recompensá-la, dando-lhe a escolher, dos imensos tesouros daquele reino, o que ela quisesse. A aia, escrava leal, pegou num punhal valioso e cravou-o no peito, dizendo que ia juntar-se ao seu filho, que já tinha cumprido o seu dever.