Transformações na Segurança Pública e Violência Urbana

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Na mesma direção, à medida que os problemas relacionados à violência e ao crime vão se tornando mais densos e mais complexos, dificilmente equacionáveis nos estritos termos propostos pelo direito liberal de punir, fundado no princípio da responsabilidade individual, apela-se progressivamente para a segurança privada, razão do rápido desenvolvimento de um mercado e indústria altamente sofisticados do ponto de vista tecnológico. Ademais, as enormes potencialidades de intercâmbio e comunicação oferecidas pela cibersociedade rompem com as fronteiras convencionais do Estado-nação, tanto no que concerne às atividades do crime organizado quanto às atividades de inteligência policial capazes de combatê-lo.

Em outras palavras, as novas tecnologias de comunicação alteram sobremodo o controle estatal do território, como sugerido como um dos elementos essenciais do conceito weberiano de Estado e de soberania estatal. Garland resume nestes termos seu argumento:

as tendências correntes sugerem a erosão de "um dos mitos fundadores da sociedade moderna: nomeadamente, o mito de que a soberania do Estado é capaz de prover segurança, lei e ordem, e controle do crime nas fronteiras de um território. Esse desafio para a mitologia da lei e da ordem é antes de tudo mais efetivo e mais incontestável porque ocorre no momento em que a difundida noção de 'soberania do Estado' já está sob ataque em não poucos fronts" (1996, p. 448).

Em particular, três são as frentes de maior impacto: a invenção da polícia comunitária, a expansão dos serviços de segurança privada e a internacionalização das operações policiais. É forte o reconhecimento de que, na atualidade, os problemas de segurança pública se tornaram de tal sorte complexos que as agências públicas e estatais encarregadas de implementar lei e ordem mostram-se insuficientes para fazê-lo. Para que essas agências, em especial as policiais, se mostrem mais efetivas, apela-se com mais frequência para o concurso da comunidade, que assim se converte em parceira na prestação de serviços de segurança.

A comunidade é corresponsabilizada na tarefa de exercer vigilância local e recolher informações, bem como apontar problemas de desordem urbana, de deterioração de prédios residenciais e estabelecimentos comerciais, de incivilidades praticadas por adolescentes e por grupos não enraizados na vizinhança — orientações conhecidas como "broken windows" (Wilson e Kelling, 1982; Kelling e Coles, 1996). Via de regra, tais orientações são reconhecidas, em não poucos estudos e avaliações profissionais, como porta de entrada do crime violento e organizado, particularmente nas comunidades onde habitam em sua maioria cidadãos das classes urbanas pauperizadas.

Em cidades como Nova York, essas orientações foram radicalizadas, conformando, na década passada, a chamada política de "tolerância zero". Análises sugerem, contudo, que as supostas virtudes do policiamento comunitário — maior envolvimento de policiais com problemas locais e maior participação e interesse dos cidadãos nas atividades policiais — acabam, em verdade, enfraquecendo as tradicionais responsabilidades do poder público em suas atribuições exclusivas de executar policiamento preventivo e repressivo, bem como investigar crimes e apontar seus possíveis autores. Em outras palavras, o policiamento comunitário está longe de contribuir para o reforço das agências encarregadas de lei e ordem e, por conseguinte, para assegurar a soberania do Estado de Direito.

Na mesma direção, quanto às tendências de desenvolvimento da segurança privada. O crescimento do mercado privado de segurança é uma realidade que não pode mais ser negada. Por um lado, vem atender aos sentimentos, sempre crescentes, de que a vida urbana contemporânea se torna cada vez mais insegura, o que alimenta o medo e a intranquilidade dos cidadãos face ao futuro de suas vidas, de seu patrimônio e mesmo dos valores que julgam superiores. Contra isso, é preciso se proteger, daí a ampla oferta de serviços e equipamentos de proteção pessoal, visando dificultar ou impedir ataques de qualquer espécie. Por outro lado, reconhece-se cada vez mais que os perigos se encontram difusos pelos mais distintos espaços, como sejam aeroportos, shoppings, parques públicos, estádios esportivos, escolas e universidades, numa palavra, espaços por onde circulam multidões e onde o fluxo de atividades é frenético, dificultando o policiamento e a vigilância preventivas (Ocqueteau, 1997).

A privatização dos serviços de segurança é apontada, por inúmeros especialistas, como uma forte tendência à erosão da autoridade estatal de controle do crime e da violência (Shearing, 1992; Christie, 1993; Garland, 2001). Isso se dá, ao menos, em virtude de dois efeitos: primeiramente, a transferência da responsabilidade pública para a responsabilidade privada e individual. O propósito de uma vida segura passa a ser visto como um problema de ordem pessoal, não necessariamente afeta a órbita do poder público. Se as autoridades públicas puderem prover serviços eficientes de segurança pública, tanto melhor. Se não, algo esperado pelo público em geral, não há outra alternativa senão recorrer aos serviços proporcionados pelo mercado privado de segurança.

Em segundo lugar, para serem eficientes para os consumidores, essas empresas precisam desenvolver seus próprios instrumentos de ação e sobretudo seus sistemas privados de informação a respeito dos quais o poder público não dispõe de qualquer controle, nem mesmo tem o direito de fazê-lo. De algum modo, essas empresas devem também prever e prover alguma modalidade de sanção, uma espécie de "política retributiva" que ofereça aos consumidores a sensação de que justiça foi aplicada, em curto espaço de tempo, sem os inconvenientes e sem os elevados custos judiciais.

Por exemplo, é o que se sucede com frequência nos grandes estabelecimentos comerciais, em que vigilantes privados exercem alguma forma de sanção direta contra consumidores que praticam pequenos delitos de apropriação de mercadorias e bens. É essa espécie de política retributiva, líquida e certa, que garante a crença dos cidadãos de que o mercado é mais eficiente do que o Estado na prestação dos serviços de segurança. No limite, o poder estatal abdica do monopólio na distribuição e aplicação de sanções, de acordo com os princípios que regem o devido processo legal, entre os quais direito amplo à defesa, direito de pronunciar-se somente perante a autoridade judiciária, direito de não ser submetido a tratamento violento ou humilhante.

Por fim, a internacionalização das atividades policiais. É flagrante a internacionalização do crime, em particular de suas formas empresariais e organizadas. Em virtude da extensão e complexidade das operações bancárias, de transferência de redes e dos mecanismos de telecomunicações, multiplicaram-se em curto espaço de tempo atividades como fraudes, espionagem, tráfico de armas e de drogas, terrorismo, bem como outras atividades ilegais que envolvem transações comerciais através de fronteiras nacionais (Sheptycki, 1995). Na esteira desse processo, multiplicam-se igualmente as agências de regulação internacional, em particular organismos da ONU e da União Europeia, entre outros, assim como se expandem os organismos policiais internacionais com a Interpol (International Criminal Police Commission) e o DEA (Drug Enforcement Agency).

Para tanto, dois movimentos vêm se consolidando: por um lado, cada vez mais, em matéria de crime organizado, os diferentes países são como que constrangidos a aceitar as orientações dos organismos reguladores internacionais. Tornam-se signatários de convenções internacionais que, não raro, fazem com que as legislações penais nacionais precisem ser modificadas para atender às exigências e requisitos firmados. Por outro, a inserção de qualquer país nesse processo leva necessariamente aos acordos bilaterais entre Estados-nação que implicam intercâmbio de atividades policiais, inclusive troca de informações normalmente sigilosas. Com isto, a repressão ao crime organizado acaba submetida à autoridade extrajurisdicional, o que se traduz em perda significativa do papel do Estado-nação em suas tarefas de controle social e de aplicação da lei e da ordem.

Herbert (1999) reúne uma série de argumentos para contestar essas tendências. Embora reconheça que a maior parte desses fatos e processos esteja em curso — tais como policiamento comunitário, privatização dos serviços de segurança, internacionalização das atividades policiais etc. — nada disso, contudo, justifica falar em quebra do monopólio estatal da violência física legítima e, menos ainda, de enfraquecimento da soberania do Estado-nação.

Ele sustenta que as estatísticas disponíveis revelam extraordinária expansão do Estado no controle do crime, nos termos que Gordon (1991) nomeou de "justice juggernaut". As despesas com polícia cresceram, durante os anos 80, seja em nível federal, estadual ou local, do mesmo modo que cresceram as destinadas à expansão dos serviços judiciais. A população encarcerada cresceu, entre 1980 e 1992, cerca de 168%. A taxa de encarceramento saltou, no mesmo período, de 138 por 100.000 habitantes para 329, a mais elevada do mundo. Nessa mesma direção, Wacquant (1999) demonstrou o quanto, em diferentes sociedades do mundo ocidental — em particular nos Estados Unidos — a retração do espaço anteriormente (isto é, até os anos 70 do século passado) ocupado pelo Estado-providência estimulou a rápida expansão do Estado penal, mais propriamente das políticas de contenção rigorosa de criminosos e de repressão a potenciais autores de crimes.

Os argumentos de Herbert, contudo, são muito mais elaborados. No tocante à polícia comunitária, ele sugere, com base em estudos de caso, que a suposta corresponsabilização é, em verdade, ilusória. A participação e parceria da comunidade não são efetivamente levadas a sério pelos escalões superiores das agências policiais que continuam insistindo no aperfeiçoamento dos métodos de patrulhamento, na profissionalização das atividades policiais e na implementação de meios técnicos cada vez mais sofisticados e avançados, como o georreferenciamento de ocorrências policiais e o amplo recurso à informatização das técnicas de vigilância, repressão e investigação. No que concerne à expansão da segurança privada, Herbert lembra que esse não é um fenômeno recente, pelo menos nos Estados Unidos. Há algumas décadas, a privatização dos presídios é uma realidade por todo aquele país. Embora venham sendo, atualmente, apontados alguns problemas — tais como o interesse dos empresários do setor pela expansão do encarceramento, do que resultam pressões locais sobre as autoridades judiciais ou sobre as cortes de justiça, a par de outros problemas relacionados a abusos de poder cometidos por agentes penitenciários — as avaliações quanto à eficiência dos serviços tendem a ser positivas.

Em decorrência, Herbert não acredita que a existência e mesmo a expansão dos serviços de segurança privada comprometam o monopólio estatal da violência. Ao contrário, o endurecimento das políticas públicas de controle do crime sugere tendências contrárias aos prognósticos de vários analistas, entre os quais os já citados Garland e Shearing. Finalmente, Herbert igualmente não acredita que a internacionalização das atividades policiais enfraqueça a soberania do Estado-nação.

Primeiramente, ele argumenta que a cooperação entre polícias não passa de simples troca de informações visando à prisão de suspeitos. Em decorrência, a cooperação não age no sentido de enfraquecer o poder dos Estados nacionais, mas justamente de reforçá-lo ao proporcionar mais e melhor informação para tornar as agências nacionais de controle do crime mais eficientes e operativas. Ademais, a cooperação limita-se àquelas ações consideradas crimes nas legislações penais nacionais. Assim, não há quaisquer evidências de que a soberania dos Estados-nação esteja ameaçada. Os obituários seriam prematuros, carecem de razão de ser.

O debate está apenas começando. As razões e argumentos a favor ou contra a tese da crise da soberania política do Estado-nação dependem, é certo, do modo pelo qual distintos analistas entendem as tradições kantianas e weberianas na constituição do Estado moderno. Sobretudo, se consideram que as tarefas apontadas por Weber já se encontram esgotadas, ensejando novos arranjos institucionais e políticos que proporcionem o controle dos crimes nesta "era da globalização". Se é assim, cabe então indagar: no caso brasileiro, em que medida o crescimento da violência — em suas múltiplas formas — é resultado de um processo de perda do controle do território e, por conseguinte, do monopólio estatal da violência física legítima? Em que medida as ações governamentais, em seu propósito de resgatar a lei e a ordem e o monopólio estatal da violência, têm logrado ou não avanços nessa direção? São essas questões que emergem do livro de Soares.


Conceito de Violência

Hoje em dia, a palavra violência possui grande destaque no cenário nacional e internacional. A violência está nas ruas, nos jornais, nos debates acadêmicos, nas conversas informais. Segundo Dias (1997, p. 103-104), o termo tem origem no Latim, vem de vis. Vis absoluta significa violência física. Violência moral vem das expressões vis compulsiva e vis impulsiva. No Dicionário Aurélio (1993, p. 563), a violência significa qualidade de violento, ato violento e ato de violentar.

Segundo Luiz Eduardo Soares (2005, p. 245), a palavra violência possui múltiplos sentidos:

Pode designar uma agressão física, um insulto, um gesto que humilha, um olhar que desrespeita, um assassinato cometido com as próprias mãos, uma forma hostil de contar uma história despretensiosa, a indiferença ante o sofrimento alheio, a negligência com os idosos, a decisão política que produz consequências sociais nefastas (...) e a própria natureza, quando transborda seus limites normais e provoca catástrofes.

Seguramente, a palavra violência tem diferentes sentidos para cada membro da sociedade, mas dificilmente esse termo está desvinculado da ideia de crime, tendo em vista que assaltos, homicídios, estupros, etc., condutas criminosas descritas no Código Penal Brasileiro, são ações violentas que causam grande repulsa social. Por isso, existe hoje, para a sociedade em geral, essa relação violência–crime ou crime-violência, visto que as condutas criminosas presentes no Código Penal e nas leis penais extravagantes brasileiras são condutas que, na grande maioria dos casos, são praticadas com violência.

As concepções básicas de violência derivam da discriminação racial, cultural e da marginalização social. É importante fixar, mas sem se estender, uma vez que não constitui o objetivo deste trabalho, que esses fatores acabam por constituir uma longa luta entre classes sociais e tornam-se pontos de políticas que, em lugar de serem solucionados, ressurgem a cada nova campanha eleitoral como questão a ser resolvida.

Entretanto, modernamente sustenta-se que a criminalidade é um fenômeno social normal. Durkheim, citado por Bitencourt (2003, p. 1), afirma que “o delito não é só um fenômeno social normal, como também cumpre outra função importante, qual seja, a de manter aberto o canal de transformações de que a sociedade precisa”.

Bitencourt (2003, p. 2) concorda em parte com Durkheim e conclui que “as relações humanas são contaminadas pela violência, necessitando de normas que a regulem”. Quando tratamos de Direito Penal, estamos, de alguma maneira, tratando de violência. Assim, apesar de ser estudada também por sociólogos, antropólogos, etc., e de possuir vários conceitos, no presente trabalho será estudada a violência criminalizada que, ao ser praticada, viola regras do ordenamento jurídico penal.

O Estado tem a função de estabelecer políticas que atendam às necessidades dos indivíduos em sociedade, uma vez que sua origem, seja jurídica, natural, violenta ou contratual, dá-se sempre com a intenção de viabilizar a convivência humana, restringindo o homem à sua categoria de animal racional e objetivando afastá-lo o quanto possível da condição natural violenta existente em todos eles. Dentro desta perspectiva, o Direito surge como essa forma de controle, de incumbência do Estado. Para o termo, diversos conceitos foram formados, cada um conforme a corrente formadora. Há o Direito de acordo com a sociologia, o Direito puro, a filosofia, entre outras. Para Nader (2009, p. 78), o “Direito é o conjunto de normas ditadas pela razão e sugeridas pelo appetitus societatis”. Nader, citando Immanuel Kant (2009, p. 78), cita que o “Direito é o conjunto das condições segundo as quais o arbítrio de cada um pode coexistir com o arbítrio dos outros, de acordo com a lei geral de liberdade”.

Diante disso, percebe-se que este elemento surge como processo de adaptação humana às suas investidas sociais, ou seja, o homem, perante suas necessidades, cria mecanismos que possibilitem sua melhor adequação ao meio em que vive. Com a necessidade de paz, ordem e bem comum, a sociedade é obrigada à criação de um organismo de instrumentalização e regência desses valores. O Direito faz-se necessário como um instrumento de definição de bem comum; é uma necessidade coletiva, não podendo, assim, corresponder à vontade individual, muito menos atender somente a esta. A intenção de estabelecer um sistema de normas que vigore de forma a estar sempre presente é afastar ao máximo a insatisfação populacional após o abuso de autoridade, existente quando aqueles que possuem condições privilegiadas, seja política ou economicamente, utilizam-se do poder para agir de má-fé e, dessa forma, privilegiar e beneficiar somente os que lhes aprouver. Firmando essa espécie de conduta e outras que trazem desagrado à sociedade, estabelece-se um novo termo conhecido por violência urbana. Não há como afirmar que a conduta arbitrária é reservada exclusivamente ao meio urbano, pois se sabe que onde há o homem, há o Direito e, uma vez existente este, com certeza também haverá sua forma despótica. Entretanto, o objetivo aqui é analisar tão somente a violência urbana. Quando se trata do termo violência, não há como defini-la de maneira total, íntegra, pois essa traz consigo um conjunto de significação que pode ser empregada nos mais diversos aspectos. Parte da sociedade acredita que ela está somente associada aos fatos regidos pelo Direito positivo e por seu representante maior no que se refere à punição de condutas contra a vida humana ou seus princípios fundamentais. Entretanto, faz-se necessária a compreensão de que corresponde à violência desde o simples ato de jogar papel no chão ao ato mais covarde contra o ser humano ou o bem público. Nesta construção, vê-se agora a importância de instituir uma política, por meio do Estado, no que tange à seguridade social, ou seja, à segurança pública. Esta garante o livre exercício da democracia quando possibilita ao indivíduo liberdade de trabalho, de diversão, de construção e ascensão. Ou seja, quando garante os direitos fundamentais e individuais da pessoa no exercício de sua cidadania. As instituições responsáveis por essa atividade atuam no sentido de inibir, neutralizar ou reprimir a prática de atos socialmente reprováveis, assegurando a proteção coletiva e, por extensão, dos bens e serviços. A segurança pública tem, portanto, função primordial para a construção do regime que norteia o bem-estar entre as pessoas, estabelecida como política pelo Direito, que deve visar às relações sociais de forma o mais atual e eficaz possível. Sendo assim:
Segurança pública é um conjunto de processos, dispositivos e medidas de precaução para assegurar à população que esteja livre do perigo (segura) de danos e riscos eventuais à vida e ao patrimônio. É um conjunto de processos políticos e jurídicos destinados a garantir a ordem pública na convivência pacífica de homens em sociedade.

Segurança Pública

Através de seus agentes, seguradores públicos, é que se estabelece o bem comum. A segurança pública não se restringe ao serviço policial ou a qualquer outra forma de combate à criminalidade. Sua área de atuação é bem mais diversa, atuando através das instituições estatais que regulam sua forma de atuação para garantir a proteção coletiva dos bens e serviços. Neste conceito, orientam-se as garantias individuais, a liberdade, a participação comunitária, o pluralismo organizacional e outros. Faz-se necessária a compreensão de que os responsáveis pela segurança pública não são somente aqueles agentes que integram as instituições de segurança, mas sim todos os cidadãos, uma vez que toda comunidade é constituída por várias pessoas, onde estas, em favor do bem-estar, estabelecem uma democracia — no caso do Brasil — para que um só representante responda por parte de suas competências. Mas isso não quer dizer que o restante da responsabilidade será abandonado, pois essa concessão de poder tem a função apenas de centralizar e organizar a sociedade, não de repassar responsabilidades. A questão do estabelecimento e da institucionalização do Estado foi colocada por diversos pensadores, como Thomas Hobbes, em sua obra Leviatã, na qual expôs a constituição estatal por meio de um contrato admitido pelos mais fracos em função dos mais fortes, o que seria uma maneira de evitar a guerra. Enquanto outro pensador, Jean-Jacques Rousseau, frisou o mesmo tema, porém, para ele, o Estado teria se constituído da livre iniciativa das pessoas para a fixação do bem comum. Também contribuiu com esta questão Karl Marx:

Como o Estado surgiu da necessidade de pôr fim à luta de classes, mas surgiu também no meio da luta de classes, normalmente o Estado é a classe dominante economicamente mais poderosa, que por seu intermédio se converte também em classe politicamente mais forte e adquire novos meios para submeter e explorar a classe oprimida. (Marx, Engels, F. Origens da Família, do Estado e da Propriedade Privada. Buenos Aires: s.ed., 1924, p. 196).

A Polícia como Veículo da Segurança Pública

A principal participação na segurança pública dá-se por meio da polícia, que, desde sua criação, tem sua função questionada no que tange às maneiras adequadas de agir, uma vez que alguns alegam ser esta a força opressora, que tem a função de, através da força absoluta, reprimir o crime. Em contrapartida, há quem alegue displicência e ineficácia por parte dela. Sua atuação não deve estar em nenhuma dessas posições. As legiões romanas eram sediadas fora dos limites das cidades e tinham por missão defendê-las de invasores. Não podiam entrar na cidade sem permissão do governo. No final do Império Romano, surge o pretorianismo, militarização transitória de algumas funções de segurança pública. A expressão “Polícia” é, pois, exclusivamente civil, eis que deriva do grego polis — que significa cidade — e do latim civitas — que significa civil. E, assim, a expressão “Polícia Civil” é redundante, um pleonasmo, e “Polícia Militar” é contraditória. Há uma forte contradição no que se refere à atuação policial, no hodierno. Sendo esta a responsável por ordenar e regrar os crimes e todas as formas de atuação desordenadas da sociedade, cabe à polícia ser a organização administrativa que deterá o poder de reter a liberdade individual para garantir a coletiva. Após as mais variadas formas e ambientes de desordem, coube à polícia se especializar, atuando em dois campos: a preventiva e a repressiva. A primeira tem por obrigação estabelecer a segurança coletiva, enquanto a última é conhecida por militar, que diz respeito à seguridade judicial. Para Caio Tácito (2002, p. 152): “O Poder de Polícia é o conjunto de atribuições concedidas à Administração Pública para disciplinar e restringir, em favor do interesse público adequado, direitos e liberdades individuais”.

Diante desta afirmação, faz-se necessário saber que, quando este poder é ultrapassado, ou seja, quando a polícia atua de forma a abusar do poder que lhe é concedido, em lugar de se confirmar a democracia, por meio dos agentes praticantes e estabelecedores da mesma, vai se firmar um poder arbitrário. Entretanto, é crucial que se entenda ainda a situação dos próprios agentes policiais, cujos não possuem condições necessárias e suportáveis para se estabelecerem como autoridade perante a sociedade, tampouco oferecerem segurança às próprias famílias que, junto a eles, habitam bairros com alto índice de criminalidade. Não possuem salários adequados ao risco da profissão que exercem, entre outras questões, tornando-se ineficientes, uma vez que não possuem estímulos nem as condições mínimas para o exercício da atividade. Entretanto, apesar de ainda estar muito distante do necessário, criam-se aos poucos políticas de melhorias às situações policiais. Prova disto é a inclusão dos agentes de segurança pública em cursos a distância que aumentam a autoestima dos profissionais por meio da saúde, bem-estar e desenvolvimento pessoal. Ainda, projetos de leis complementares, como o que dispõe sobre a aposentadoria para os agentes que exercem atividade de risco, e as medidas que estabelecem o piso salarial destes, previstas respectivamente — Lei Complementar nº 554/2010 e Emendas Constitucionais nºs 300/2008 e 446/2009.

(...) o controle da criminalidade e violência depende do reconhecimento da importância do trabalho realizado pelo policial, por intermédio da adoção de uma política coerente de valorização desses profissionais.

Reflexões sobre Causas e Soluções da Violência Urbana

Devido à violência ser urbana, suas causas estão diretamente ligadas ao meio urbano. São possíveis causas: “a explosão demográfica, as mudanças geopolíticas, a comunicação em massa, a distribuição de drogas em grande escala” (KOSOVSKI, 2003, p. 172-176), dentre outros. Para Bauman, uma das causas da criminalidade é a intensificação da sociedade de consumo, a formação ideológica gerada pela mídia, trazendo como sinônimo de felicidade o consumo desenfreado. No entanto, a maior parte da população brasileira não possui condições financeiras que permitam tantos gastos, então essa busca pela felicidade acaba por ser um fator agravante de um problema visto muitas vezes como sem solução. Boa parte dos doutrinadores busca, como os citados acima, as causas para a violência urbana; há quem fale em herança genética, como é o caso de Vergara. Outros, como Durkheim, afirmam ainda: “os laços sociais são as normas que todos aprendem a respeitar, que mantêm a sociedade unida”. Dentre as diversas teorias, fato é que a violência urbana tem como um de seus principais motivos a grande população que, de forma demasiada, vem aumentando nas grandes cidades. Pelo fato de não haver policiamento suficiente para conter a criminalidade dos grandes centros, marginais veem no aglomerado de pessoas e no insuficiente número de policiais a possibilidade de realizar pequenos furtos. E são justamente nestes que podem ocorrer mortes e outros delitos. A faixa etária e o sexo são índices que, a princípio, podem parecer preconceituosos, que se encontram nas pesquisas e estudos realizados por estudiosos como desencadeadores da violência. Devido à maior liberdade concedida pela sociedade machista aos filhos, são eles os que mais ficam nas ruas e almejam objetos de grande valor, como automóveis e drogas. A idade também contribui, uma vez que são os jovens os que mais se deixam influenciar por propagandas e conceitos consumidores. Assim, utilizam-se de pequenos furtos para adquirirem, a princípio, objetos sem importância, até conquistarem experiência e passarem a roubos maiores. O sociólogo Inácio Cano, doutor em Sociologia pela Universidad Complutense de Madrid e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), em estudos realizados dentro desta vertente, afirmou: “É simples assim: quanto maior for o percentual de homens jovens na população, maior será a taxa de criminalidade. ‘Sexo e idade são os dois únicos fatores inequivocadamente relacionados à criminalidade. O censo mais recente mostra que houve um crescimento da população de 15 a 24 anos. Se esse grupo diminuir, o crime diminui naturalmente. Na Califórnia isso ocorreu”, diz Cláudio Beato, da UFMG.” Devido às políticas sociais instaladas pelo Estado atingirem alvos errados — uma vez que não primam pelos verdadeiros necessitados, criando possibilidades para que aqueles que estão em área de risco, nas drogas, nos crimes, encontrem condições favoráveis à sua reabilitação — criam-se situações de discriminação e, nestes ambientes bem menos favorecidos pela segurança pública, fica mais fácil de se estabelecer o crime. Nestas áreas onde o Estado não se faz presente, dá margem à instituição de outros ‘estados’ para controlar e reger as necessidades locais. A ausência do Estado cria estados paralelos, ficando muito difícil para a segurança pública depois conseguir adentrar nestes locais, sendo vista como representante de uma ordem que não se faz presente, portanto, não existe ou não quer realizar-se para aqueles que ali estão. Esta impessoalidade torna-se fator gerador de insegurança tanto no tocante ao Estado para com a população, quanto na esfera do povo para com ele mesmo. Pois, devido ao grande número de habitantes presentes nas grandes cidades, as pessoas não estabelecem comunicação fraterna. A desestruturação familiar é o resultado inicial, causando outros problemas como o drama da violência urbana. A disseminação de armas de fogo também constitui outro fator gerador de violência, aumentando os índices de crime, que, em boa parte das vezes, envolvem arma de fogo.


Conceito de Crime

É importante estudar, ainda que de maneira breve, o conceito de crime, visto que no presente trabalho tratamos da violência urbana quando praticada através de condutas criminosas. O Código Criminal de 1830, no artigo 2º, § 1º, previa que: “Julgar-se-á crime ou delito toda ação ou omissão contrária às leis penais”. O Código Penal de 1890, no artigo 7º, dispunha que: “Crime é a violação imputável e culposa da lei penal”. A Lei de Introdução ao Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 3.914/41) dispõe que:

“Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.”

Atualmente, coube à doutrina elaborar o conceito, pois não há no Código Penal vigente definição de crime. Nas lições de Fragoso (2004, p. 172), “crime é a ação (ou omissão) típica, antijurídica e culpável”. E continua o autor explicando que: isso significa dizer que não há crime sem que o fato constitua ação ou omissão; sem que tal ação ou omissão correspondam à descrição legal (tipo) e sejam contrárias ao Direito, por não ocorrerem causas de justificação ou exclusão de antijuridicidade; e, finalmente, sem que a ação ou omissão típica e antijurídica constitua comportamento juridicamente reprovável (culpável).

A doutrina hoje prevê, no âmbito estritamente conceitual, os conceitos formal, material e analítico de crime. O conceito formal estabelece uma relação de contrariedade entre o fato e a lei penal. Segundo Luiz Regis Prado (2002, p. 206), “o delito é definido sob o ponto de vista do Direito positivo, isto é, o que a lei penal vigente incrimina (sub specie juris), fixando seu campo de abrangência – função de garantia (art. 1º, CP)”. Sob o aspecto material, mais uma vez citamos Fragoso (2004, p. 175), que ensina que: “É o crime um desvalor da vida social, ou seja, uma ação ou omissão que se proíbe e se procura evitar, ameaçando-a com pena, porque constitui ofensa (dano ou perigo) a um valor da vida social.”

Além dos conceitos formal e material, que, como visto pelas definições acima transcritas, não são suficientes para permitir uma análise dos elementos estruturais do conceito de crime, foi elaborado o conceito analítico. Foi com Carmignani (1833) que se iniciou a elaboração do conceito analítico de crime, mas esse conceito está implícito na obra de outros autores que o antecederam, tais como Deciano (1551) e Bohemero (1732).

Para Carmignani, para ocorrer o fato delituoso é necessário o concurso de uma força física (ação executora do dano material do delito e do desígnio malvado do agente) e uma força moral (culpabilidade e dano moral do delito). Essa concepção clássica levou ao sistema bipartido, que divide o conceito de crime em um elemento objetivo (ação ou omissão típica) e um subjetivo (culpabilidade). Entretanto, a doutrina alemã fez uma análise mais rigorosa das características do delito, introduzindo o requisito da tipicidade (Ernest Beling, em 1906) e da antijuridicidade (Karl Binding). Assim, crime é toda ação ou omissão típica, antijurídica e culpável.

Esse conceito é adotado por parte dos doutrinadores brasileiros, entre eles Cezar Roberto Bitencourt (2003, p. 145). A doutrina dominante no Brasil, entretanto, não admite que a culpabilidade faça parte do conceito de crime, afirmando ser apenas pressuposto de aplicação de pena, conceituando crime como ação típica e antijurídica.

Temos ainda no país doutrinadores que incluem a punibilidade no conceito analítico de crime. Entretanto, acertadas são as lições de Assis Toledo que, citado por Bitencourt (2003, p. 146), ensina que a punibilidade não pode ser elemento constitutivo do crime. Bitencourt (2003, p. 146) concorda com Assis Toledo e afirma que a punibilidade não pode ser incluída no conceito analítico de crime porque não faz parte do crime, sendo apenas sua consequência. Dessa forma, a exclusão da punibilidade não exclui o crime.

Assim, todo aquele que praticar uma conduta (ação ou omissão) e ela for típica, antijurídica e culpável, estará violando alguma regra do Código Penal ou norma penal extravagante, estando, portanto, sujeito à penalidade prevista para tal conduta.

Direitos Humanos, Violência Urbana e Segurança Pública

Quando se faz referência ao ser humano, há algo que lhe é fundamental, que não cabe a outra espécie que não a sua. Trata-se dos direitos humanos. Capazes de resguardar a segurança do homem em sociedade, os direitos humanos constituem um conjunto de normas que, diferente de outros contornos jurídicos, não se baseia na sanção, mas na salvaguarda da dignidade, mesmo daquele que agiu de má-fé. Independentemente da situação, vítima e criminoso, por corresponderem à mesma espécie — a humana — devem obter tratamento igual, cabendo aos outros ramos do Direito instituírem regras cabíveis a cada situação, porém sempre na observância destes direitos. Tratando-se de segurança pública e de suas necessidades, como explicado, deve-se fazer longa reflexão antes de qualquer crítica ao sistema de segurança pública, uma vez que nem mesmo os próprios agentes possuem muitas vezes condições psicológicas e físicas para estabelecerem a seguridade social. Os direitos humanos, não por outro motivo, são tão resguardados em nível mundial pelo fato de ser este o garantidor da preservação da espécie humana. Esta, que na escala animal ocupa o topo, por serem estes animais os únicos racionais e capazes de resguardar a existência dos demais. O mais importante quando se trata de direitos humanos é que nascem com o homem e independem da condição social, cultural, raça, religião, cor ou qualquer outro aspecto que possa condicionar diferença entre os seres. Defensores desses direitos colocam sempre a necessidade de se criar políticas que viabilizem a socialização em lugar da construção de mais presídios ou leis de redução de pena. O Estado, quando não cria possibilidade de educação, saneamento e de tudo que dignifica a pessoa humana, não pode cobrar retorno algum destas pessoas. Entretanto, muitas vezes os direitos, de uma maneira geral, encontram-se em mão dupla, sendo que, numa mesma questão, necessitam resguardar um direito, mas, assim, estarão infringindo outros. Por exemplo, o direito à informação pode ir de encontro ao direito à privacidade. Dessa forma, os direitos humanos primam pela segurança pública e o bem-estar social, assim como resguardam os direitos daqueles que, infelizmente, promovem a violência urbana, pelo fato de ambos (seguradores da segurança x vândalos) pertencerem à mesma espécie e, portanto, serem regidos pelo mesmo sistema. Assim, considerando-se os direitos humanos como garantia inerente a todo ser desta espécie, uma vez que a sua não observância ou seu desrespeito gera atos bárbaros, é por meio dele que não só uma sociedade, mas todos os países membros, podem se expressar de forma diferente através de suas constituições, pois formam comunidades de culturas divergentes, porém sempre com os mesmos direitos humanos, porque, independentemente da cultura, todos pertencem à espécie singular. A existência humana, na perspectiva de seu dinamismo, projeta-se em seis dimensões básicas, isto é, seis modos próprios de existir do homem: o econômico, o religioso, o da ciência, o da arte, o moral e o político, sendo que nenhum deles se manifesta cronologicamente anterior aos demais, porém nascem imediatamente com o homem, desde a sua origem, e durarão enquanto existir a espécie humana. (FREUND. L’essence Du politique, p. 5).


Escolas Penais

Escola Clássica

Não existiu, realmente, uma Escola Clássica, “entendida como um corpo de doutrina comum, relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados pelo crime e pela sanção penal”. Tal denominação foi dada pelos positivistas com conotação pejorativa à atividade dos juristas que os antecederam. Essa doutrina foi influenciada pelo Iluminismo, cujas ideias fundamentais foram escritas na obra Dos Delitos e das Penas, de Cesare Beccaria, no ano de 1764. Dele resultaram duas teorias: o jusnaturalismo (Grócio) e o contratualismo (Rousseau, sintetizado por Fichte). São doutrinas opostas, visto que o jusnaturalismo acredita em um Direito natural, resultante da vontade humana, que é eterno, e o contratualismo tem por fundamento o acordo de vontades. Mas ambos pregavam a dignidade do homem e seus direitos perante o Estado. Mas, na verdade, a Escola Clássica é simbolizada por Francesco Carrara, discípulo de Carmignani. Morto em 1888, escreveu Programa do Curso de Direito Criminal, em 1859. Os postulados da Escola Clássica de Carrara, em síntese, são: 1) o crime é um ente jurídico, pois, em sua essência, é violação de um direito, como exigência racional; 2) o fundamento da punibilidade é o livre-arbítrio; 3) a pena é a retribuição jurídica e o restabelecimento da ordem externa violada pelo crime; 4) utilização do método lógico-abstrato no estudo do Direito Penal. Para essa Escola, portanto, o crime é: “O produto da vontade livre do indivíduo; não é determinado por outra causa que não seja esse poder ilusório que tem o homem, na posse do seu livre-arbítrio, de agir independentemente de quaisquer motivos.” (grifo nosso) Outros nomes tiveram grande importância na Escola Clássica, entre eles: Kant (1724–1804), Hegel (1770–1831) e Feuerbach (1775–1833). Foram os clássicos, sob o comando de Carrara, que: “Começaram a construir a elaboração do exame analítico de crime, distinguindo os seus vários componentes. Esse processo lógico-formal utilizado pelos clássicos foi o ponto de partida para toda a construção dogmática da Teoria Geral do Delito, com grande destaque para a vontade culpável.”

Escola Positiva

A Escola Positiva surge no fim do século XIX, quando está acontecendo um grande desenvolvimento da Antropologia, Psicologia, Sociologia, etc. Isso determinou um novo rumo nos estudos das ciências penais. Essa Escola passou a defender o corpo social contra o delinquente, priorizando os interesses sociais em detrimento dos individuais. Apresenta três fases: a) a fase antropológica, cujo expoente máximo foi Cesare Lombroso (L’uomo delinquente, 1876); b) a sociológica, representada por Enrico Ferri (Sociologia criminale, 1892); e c) a fase jurídica, com Raffaele Garofalo (Criminologia, em 1885). Ao citar Ferri, Luiz Régis Prado escreve que: “O homem, afirma Ferri, age como sente e não como pensa. Adotando uma postura realista, entende ele que as ações humanas “são sempre o produto de seu organismo fisiológico e psíquico e da atmosfera física e social onde nasceu e na qual vive” – fatores antropológicos (constituição orgânica do criminoso), psíquicos (anomalias da inteligência), físicos (ambiente natural, clima, solo) e sociais (meio social – densidade diferente da população, estado da opinião pública e da religião, constituição familiar, etc.).”

A Escola Positiva defende que o meio social pode ser fator determinante de criminalidade e, além disso, podem ser destacados como seus princípios básicos, segundo Fragoso (2004, p. 57):

  • (a) O crime é fenômeno natural e social, estando sujeito às influências do meio e aos múltiplos fatores que atuam sobre o comportamento. Exige, portanto, o método experimental ou o método positivo para a explicação de suas causas;
  • (b) a responsabilidade penal é responsabilidade social (resultado do simples fato de viver o homem em sociedade), tendo por base a periculosidade do agente;
  • (c) a pena é exclusivamente medida de defesa social, visando à recuperação do criminoso ou a sua neutralização, nos casos irrecuperáveis;
  • (d) o criminoso é sempre psicologicamente anormal, de forma temporária ou permanente, apresentando também muitas vezes defeitos físicos; e
  • (e) os criminosos podem ser classificados em tipos (ocasionais, habituais, natos, passionais e enfermos de mente).


Escola Moderna Alemã

A Escola Moderna Alemã, seguindo a mesma influência da Escola Positiva Italiana, tem também conteúdo eclético. Seu principal mentor foi Franz von Liszt, mas se destacaram também Adolphe Prins, Gerard van Hamel e Karl Stoos. As principais características dessa Escola, citadas por Bitencourt (2003, p. 60), são: a utilização do método lógico-abstrato para o Direito Penal e o indutivo experimental para as ciências criminais, distinguindo o Direito Penal das demais ciências criminais; diferenciou a imputabilidade da inimputabilidade, fundamentando essa distinção não no livre-arbítrio, mas na normalidade de determinação do indivíduo, com a consequente aplicação de pena para o imputável e medida de segurança para o inimputável; “o crime é concebido como fenômeno humano-social e fato jurídico”; dessa maneira, considera o crime um fato jurídico e, ao mesmo tempo, um fenômeno social; a pena possui função finalística e buscam alternativas às penas privativas de liberdade de curta duração.

Outras Possíveis Causas da Violência Urbana

Vimos como as Escolas Penais compreendiam como o crime é concebido. Agora, sem a pretensão de fazer um estudo sociológico ou antropológico das causas da criminalidade no Brasil, é importante fazer uma abordagem a respeito do tema para tentar compreender melhor o que vem gerando o grande aumento da violência urbana no país. Não é fácil compreender as causas do crime, por isso existem muitas teorias que visam explicar o que tem gerado a criminalidade. Rodrigo Vergara, em artigo publicado na Revista Super Interessante, citando o antropólogo e cientista político Luiz Eduardo Soares, diz que: “Não há uma teoria geral sobre a criminalidade porque não há uma criminalidade ‘em geral’. Quando falamos em crime, estamos nos referindo à transgressão de uma lei, e isso engloba uma infinidade de situações diferentes, cada uma favorecida por determinadas condições”, diz ele. Em outras palavras: crimes diferentes têm causas diferentes.” Ester Kosovski (2003, p. 172-176), em artigo publicado na obra A Violência Multifacetada, fazendo uma reflexão sobre o tema, detecta alguns fatores que poderiam estar contribuindo para causar a violência, entre eles: a revolução tecnológica, a explosão demográfica, as mudanças geopolíticas, a permissividade social, os meios de comunicação em massa, a impunidade e a distribuição das drogas em grande escala. Segundo a autora (2003, p. 173-174), “esses fatores produzem um estado de ‘anomia’ (ausência de normas) ou adoção do desvio como norma, decorrente da mudança de valores, que, segundo Merton, seria motivo de incremento da criminalidade”. E continua afirmando que uma das análises sobre a violência urbana diz que esse fenômeno surge da afinidade da pobreza com o crime, visto que a intensificação das desigualdades sociais está associada ao aumento das taxas de criminalidade. Vergara, também fazendo um estudo sobre as possíveis causas da violência urbana, cita doutrinadores que buscam a causa do crime no próprio indivíduo, como a frenologia, a genética, a psique do criminoso, etc. Cita os sociólogos, que veem o crime como a resposta do homem ao meio em que vive e, transcrevendo o pensamento de Durkheim, afirma que “os laços sociais são as normas que todos aprendem a respeitar, que mantêm a sociedade unida”. Menciona a chamada Teoria do Controle, que aduz que existem três mecanismos que mantêm o comportamento do indivíduo sob controle, a saber: o autocontrole, o medo da punição e o controle social informal. Sobre esse assunto, Robert J. Sampson, explicando por que as pessoas cometem crimes, afirma que “quem tem menor controle social acaba cometendo crimes”. Segundo ele, o controle social informal está relacionado com a preocupação que as pessoas sentem em relação ao pensamento da sociedade sobre elas; assim, não cometem crimes por causa das consequências sociais. Outro fator é o controle social formal ou legal. Aí o controle é feito pelo medo de ser pego, tendo importância a eficiência do sistema penal e a legitimidade do sistema legal, ou seja, as pessoas devem acreditar que o sistema é justo e não é corrupto, caso contrário haverá desrespeito às leis, mesmo que sejam severas. O sociólogo Inácio Cano, doutor em Sociologia pela Universidad Complutense de Madrid e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), em interessante artigo também publicado na Revista Super Interessante, afirma que, entre as causas de criminalidade, existem pelo menos duas que independem de outras e, sozinhas, em qualquer tipo de sociedade, geram criminalidade, que são o sexo e a idade. São essas as palavras do sociólogo: “É simples assim: quanto maior for o percentual de homens jovens na população, maior será a taxa de criminalidade. ‘Sexo e idade são os dois únicos fatores inequivocadamente relacionados à criminalidade. O censo mais recente mostra que houve um crescimento da população de 15 a 24 anos. Se esse grupo diminuir, o crime diminui naturalmente. Na Califórnia isso ocorreu”, diz Cláudio Beato, da UFMG.” Todas as teses aqui descritas a respeito das causas da violência urbana são passíveis de críticas, mas esse não é o objetivo do trabalho. A intenção é mostrar como o crime pode ser causado por uma série de fatores e que não há como garantir que determinada pessoa cometerá ou não crimes. Por fim, é importante citar parte do artigo de Marilena Chauí (1986, p. 93-94) que, apesar de ser datado de 1986, é ainda muito atual. Ao fazer uma crítica sobre a violência no Brasil, nos diz que: “Aqui, os miseráveis que ainda não morreram de inanição assaltam e matam os pobres. Aqui, uma classe média, estupefata com a perda de vantagens econômicas que a compensavam da falta de poder político, faz justiça com as próprias mãos, armando-se para proteger os resíduos de seu passado recente. Aqui, o assassino do operário Santo Dias foi absolvido por um tribunal e os assassinos de Margarida Alves perseguem sua advogada. Aqui, um Procurador de Estado é visto assassinando a socos e pontapés um menino negro que roubara uma correntinha de ouro, enquanto logo adiante um grupo de engravatados com pastinha 007 tenta linchar um desempregado que assaltou uma moça. Aqui, um general da República agride um jornalista e o força a desculpas públicas, após definir ‘medida de emergência’ como providência democrática porque ‘democracia é respeito à lei’.”

Políticas Criminais

O Direito Penal atravessa uma época de crise que se caracteriza pela falência, em geral, das medidas penais. Em virtude disso, estão sendo feitas propostas de reformas legislativas com a intenção de se conseguir soluções eficazes no combate à criminalidade. Entretanto, diante da dificuldade de se conhecer e combater as causas da violência urbana, estamos vivendo uma época em que os índices de crescimento da criminalidade estão cada vez mais alarmantes. O problema da violência urbana envolve a sociedade, polícia, legislação, aplicação de penas, políticas preventivas, etc. Muito se tem discutido sobre como enfrentar a violência e várias medidas vêm sendo tomadas nesse sentido: implantação de polícias comunitárias, reforma legislativa, criação das APACs (Associação de Proteção e Assistência Carcerária), entre outros. Mas, apesar de todas as medidas que existem no sentido de prevenir e reprovar a criminalidade, os resultados ainda são pequenos e a impunidade continua sendo um grave problema no país. Uma pesquisa feita no Estado de São Paulo pela Secretaria de Segurança Pública do Estado e pela Pesquisa de Vitimização Ilaunud, mostra que, no ano de 1999, a população era de 37 milhões de pessoas e o número de vítimas de crimes estimado foi de 1,3 milhão (100%). Dessas vítimas, apenas 443.000 (quatrocentos e quarenta e três mil) casos foram notificados à Polícia (33% do número de vítimas). Foram instaurados 86.000 (oitenta e seis mil) inquéritos policiais (6,4%) e efetuadas 29.000 (vinte e nove mil) prisões, ou seja, 2,2%. O exemplo de São Paulo pode ser estendido para todo o país. Mesmo nos municípios pequenos do interior do Brasil, o número de crimes praticados é infinitamente maior do que os que são apurados pelo Judiciário, sem falar que grande parte dos condenados não cumpre suas penas. Por tudo isso, o tema violência urbana suscita tantas discussões em todas as áreas da sociedade. Neste cenário conturbado, surge o Direito Penal como instrumento hábil para proteger os bens jurídicos mais importantes, como a vida, patrimônio, honra, integridade física, etc. É certo que hoje vivemos um momento de expansão do Direito Penal, pois, com o crescimento populacional, a revolução industrial, dos transportes, da comunicação, etc., estão nascendo novos bens que precisam ser tutelados pelo Direito Penal, bem como essa modernização faz surgir novas modalidades delitivas. Sánchez (2002, p. 29), em estudo sobre a expansão do Direito Penal, afirma que: “O progresso técnico dá lugar, no âmbito da delinquência dolosa tradicional (a cometida com dolo direto ou de primeiro grau), à adoção de novas técnicas como instrumento que lhes permite produzir resultados especialmente lesivos; assim mesmo, surgem modalidades delitivas dolosas de novo cunho que se projetam sobre os espaços abertos pela tecnologia. A criminalidade, associada aos meios de informática e à internet (a chamada ciberdelinquência), é, seguramente, o maior exemplo de tal evolução.” O surgimento de novos crimes, o aumento da violência e a impunidade geram uma grande sensação de insegurança. Isso faz com que a sociedade em geral requeira uma resposta do Estado para tais fenômenos, principalmente uma resposta que venha do Direito Penal. A utilização do Direito Penal para solucionar tais problemas faz com que seja transferida a ele a responsabilidade de cuidar de questões que não são de sua competência. Nesse sentido são as lições de Sánchez (2002, p. 61): “O resultado é desalentador. Por um lado, porque a visão do Direito Penal como único instrumento eficaz de pedagogia político-social, como mecanismo de socialização, de civilização, supõe uma expansão ad absurdum da outrora ultima ratio. Mas, principalmente, porque tal expansão é em boa parte inútil, na medida em que transfere ao Direito Penal um fardo que ele não pode carregar.” Hoje, parece que nossa sociedade está disposta a aceitar a expansão do Direito Penal como mecanismo para conter a violência, mas, em contrapartida, há quem defenda a utilização mínima e até mesmo a abolição do Direito Penal. Assim, passamos agora ao estudo de dois movimentos ideológicos totalmente opostos em suas propostas — Lei e Ordem e Abolicionismo Penal — para entendermos como cada um visa contribuir para a melhor aplicação do Direito Penal.


Violência Urbana em Belém e Suas Reflexões

Acredita-se que, nas primeiras décadas do século XXI, a violência urbana será foco de pesquisas entre a sociedade brasileira e mundial, constituindo-se talvez o maior desafio da urbe. Alguns países, como por exemplo os Estados Unidos da América e a Colômbia, já se mobilizam na intenção de criar mecanismos que viabilizem a sustentabilidade da segurança pública. As áreas de urbanização desordenada fazem com que surjam bolsões dentro do tecido urbano, que se constituem em áreas potenciais ao desenvolvimento da violência urbana, uma vez que os indivíduos que vivem nestes espaços encontram dificuldades no que diz respeito à acessibilidade, à educação, a equipamentos de lazer, à cultura e outros. Isso faz com que diminuam as oportunidades de inserção na sociedade, levando ao aumento da formação de novos indivíduos no crime. É válido ressaltar que a violência urbana está presente em todas as classes sociais; no entanto, diversos estudos apontam que é no extrato mais pobre, onde a urbanização desordenada se faz presente, que ela se intensifica. A elaboração e implantação de ações mitigadoras, relacionadas à violência urbana, estão atreladas às políticas públicas que devem garantir à urbe suas funções. Dessa maneira, a sociedade que a habita se encontrará protegida. O tema violência urbana deve ser gerido com uma visão holística, buscando gerenciar e integrar todos os fatores componentes deste fenômeno. No Brasil, o primeiro relatório oficial sobre o desenvolvimento sustentável no país, elaborado pelo IBGE (2004), constatou que, no período de 1992 a 1999, os homicídios passaram de 19,2 para cada 100.000 habitantes para 26,18, o que reflete um aumento de aproximadamente 40%. Este trabalho busca analisar o crescimento da violência urbana no município de Belém, maior cidade em termos territoriais e em número de habitantes, e o maior centro metropolitano da Amazônia Brasileira. A questão central que norteia este trabalho é: até que ponto a criação de infraestrutura e equipamentos urbanos em áreas de urbanização desordenada está relacionada com a alteração dos índices de violência urbana nos grandes centros metropolitanos? Pressupõe-se que a precária existência de infraestrutura urbana é um dos catalisadores da violência urbana, em especial nos grandes centros metropolitanos. A diretriz desse trabalho acredita que a presença de infraestrutura urbana dentro do tecido urbano é fundamental para que os indivíduos interajam através do acesso à educação, a equipamentos de lazer, à cultura e outros, com o objetivo de aumentar as oportunidades de inserção na sociedade. Estes preceitos configuram o conceito de acessibilidade inerente à cidade. A ferramenta de sistema de informação geográfica (SIG) proporciona a este trabalho uma visualização do fenômeno, facilitando o entendimento de como a implantação de infraestrutura e equipamentos urbanos em áreas de urbanização desordenada pode contribuir para a alteração dos índices de violência urbana nos grandes centros metropolitanos. Ao produzir o mapeamento descritivo de áreas que compõem o tecido urbano investigado, devemos tratar informações como a existência ou não de infraestrutura e equipamentos urbanos, índices de violência urbana, juntamente com dados socioeconômicos.

Violência Urbana

Hoje, o tema violência urbana faz parte de discussões que acontecem nos âmbitos mais distintos, como: na academia, nos meios de comunicação em massa, nas ruas e até mesmo em reuniões sociais. E ainda assim, diante de intensos debates, a conceituação é de extrema complexidade. Muitos estudos já foram desenvolvidos objetivando detectar e compreender as causas da violência. No entanto, para detectarmos e compreendermos a violência, devemos antes conceituá-la: Segundo o Aurélio (2012, p. 234): “violência é a qualidade de ser violento. Ato de violentar. Constrangimento físico ou moral; uso da força; coação”. O termo é originário do latim vis absoluta (violência física) e vis compulsiva e/ou vis impulsiva (violência moral). A violência urbana, para Soares (apud Machado, 2006, p. 35), “vai além da etimologia da palavra; o tema violência urbana é detentor de muitos significados: (a) agressão física, (b) um insulto, (c) um gesto que humilha, (d) um olhar que desrespeita, (e) um assassinato cometido com as próprias mãos, (f) uma forma hostil de contar uma história despretensiosa, (g) a indiferença ante o sofrimento alheio, (h) a negligência com os idosos, (i) a decisão política que produz consequências sociais nefastas; (j) e a própria natureza, quando transborda seus limites normais e provoca catástrofes.” Mesmo diante da diversidade na qual o termo violência está inserido, podemos verificar que existe uma forte conexão entre a temática violência e a ideia de crime, de acordo com o relato do Código Penal Brasileiro, onde são consideradas condutas criminosas ações violentas que causam grande repulsa social, traduzidas em assaltos, homicídios, estupros, entre outros. É importante estudar, ainda que de maneira breve, o conceito de crime, visto a conexão existente com a violência urbana no momento em que é praticada através de condutas criminosas. Segundo a Lei de Introdução ao Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 3.914/41), observa-se que: “Art. 1º Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.” Ao se tratar a temática violência urbana, lançamos um grande desafio, pois temos visto muitos estudos nessa direção com resultados diversos, onde se faz cada vez mais presente a multidisciplinaridade que envolve as causas da violência. Dando alicerces a este pensamento, citaremos a seguir alguns teóricos que estudaram as possíveis causas do crime. Segundo Kosovski (apud Machado, 2006, p. 175): “Ao realizar uma reflexão sobre o tema da violência urbana, percebe-se a existência de fatores que contribuem para a instauração do panorama atual, como por exemplo: (a) revolução tecnológica, (b) explosão demográfica, (c) mudanças geopolíticas, (d) permissividade social, (e) meios de comunicação em massa, (f) impunidade, (g) distribuição das drogas em grande escala.” O panorama descrito acima concatena no que podemos chamar de “estado de anomia”, ou seja, na ausência de normas, ou ainda uma sociedade que toma como norma o desvio, em função da mudança de valores ou até mesmo da ausência deles, levando uma sociedade à criminalidade sem culpa, ou seja, esta sociedade, ao acreditar nos valores agora adotados, não percebe o ato como um fator negativo. A violência urbana é um fenômeno, como podemos ver ao analisar as teorias aqui descritas, que depende de vários fatores para ser efetivada em uma sociedade. Desta forma, não seria possível desenvolver uma definição sobre as causas do crime no seio da sociedade; no entanto, tais colocações nos levam a caminhar na direção de um estudo amplo e holístico. Segundo Maricato (1996, não paginado), “em meados dos anos 90, a violência urbana é um dos temas fundamentais que preocupa todas as camadas sociais”. O espaço, o território, o ambiente físico é parte intrínseca desse quadro, embora frequentemente esquecido e ignorado. A preocupação aqui foi destacar o espaço físico ou ambiente construído como objeto e sujeito desse processo. Para Friedmann (apud Akerman e Bousquat, 1999, p. 274), “o empowerment, ou recuperação da cidadania, através do espaço local, do espaço do cidadão, é essencial”. O território não é somente o chão em que as pessoas se deslocam; ele é o espaço onde as relações afetivas, sociais e materiais se manifestam.

Desordem Urbana

Segundo o relatório do IBGE que traduz os indicadores de desenvolvimento sustentável – Brasil 2011/2012, e tomando como referência o item segurança, pode-se analisar a evolução do coeficiente de mortalidade por homicídio que aponta os estados mais pobres, como Piauí e Maranhão, com os menores índices de 9,12 e 9,82 para cada 100.000 hab., respectivamente. E os estados mais ricos, como Rio de Janeiro e São Paulo, com os maiores índices de 50,57 e 41,92 para cada 100.000 hab., respectivamente. Segundo Gomes (2002), “é possível analisar também outros dados que embasam o conceito de que a miséria por si só não é motivo causador da violência”. Alguns países africanos, por exemplo, possuem baixíssimos coeficientes de mortalidade por homicídio, em torno de menos de três homicídios para cada 100.000 hab.

Gomes (2002, p. 96) aponta que: “A miséria transforma-se, sim, em ingrediente substancial causador da violência urbana, no momento em que submete esta população ao que se pode nomear de “urbanização desordenada”, caracterizada pela falta de policiamento, falta de segurança, de saúde, de educação, de lazer e de expectativa de vida que se traduz em condições de vida precária.” O quadro descrito acima é configurado pela ausência quase total ou, em alguns casos, ausência absoluta do Estado. Wilson e Kelling (1982) defendem a teoria que relaciona diretamente a violência urbana com a desordem urbana. Os autores pregam que a sociedade não deveria permitir que pequenas infrações fossem relevadas, pois acreditavam que tal conduta conduziria a crimes de maior gravidade. A metáfora das janelas quebradas traduz a linha de pensamento que diz: “se as janelas quebradas em um edifício não são consertadas, as pessoas que as quebraram admitirão que ninguém se importa com seus atos de incivilidade e continuarão a quebrar mais janelas e outras normas de convivência”. Na mesma linha de pensamento, Carneiro (2000) afirma que “antes do crime, há a desordem social e a decadência física. Criminosos preferem agir em áreas com sinais visíveis de desordem, porque ninguém parece se importar com o que acontece ali e, assim, suas atividades não serão imediatamente notadas.” Estudos realizados, inclusive em outros países, reafirmam a importância das variáveis socioeconômicas e agregam valores a esta pesquisa que preza a maximização dos saberes, indagando os valores da sociedade brasileira e mostrando-se necessário mapear não somente a violência urbana, mas também “mapear e investir na superação da nossa ignorância”. Segundo Gomes (2002), “é possível encontrar na primeira década do terceiro milênio quem resuma a violência urbana à miséria, pura e simples; no entanto, outra variável vem sendo considerada como ingrediente agregador: a urbanização desordenada.” Embora possamos observar que nas regiões metropolitanas a presença da violência urbana está generalizada, o mesmo não acontece quando é realizado um levantamento do endereço domiciliar dos criminosos. Em geral, estas pessoas ocupam poucos bairros, geralmente áreas com alta concentração habitacional.

Um estudo realizado pelo Justice Mapping Center, um grupo de pesquisas sediadas no Brooklyn, em Nova York, que coleciona dados referentes ao domicílio dos presos condenados, revela que, na cidade de Phoenix, no Estado do Arizona, apenas uma comunidade, a de South Mountain, que abriga apenas 1% da população do Arizona, é responsável por 6,5% de todos os detentos do Estado. O Justice Mapping Center, por meio de seus estudos, afirma que, se for possível detectar, através das pesquisas georreferenciadas, os poucos quarteirões que produzem o maior número de infratores, dessa forma é possível atuar diretamente no foco do problema com o intuito de evitar o comportamento que leva estas pessoas a se envolverem na criminalidade. Para os jovens que habitam estes bairros, torna-se muito difícil se manterem longe dos fatores de risco que levam ao envolvimento com o mundo da criminalidade. Elliot e Merril (1961), doutrinadores da Teoria Multifatorial, afirmam que muitos delitos são frutos de uma acumulação de sete ou mais circunstâncias negativas: família desagregada, miséria, falta de educação, embriaguez dos pais, desemprego, falta de segurança, más companhias e drogas. Um jovem seria capaz de conviver e superar duas ou três das características citadas acima como negativas, porém, se ele tiver que enfrentar um número maior, passa a ser muito difícil sua superação, o que o leva a ingressar na criminalidade. Segundo Sen apud Evans (2003): “a gama de capacidades é enormemente variada — desde ter acesso fidedigno a nutrição adequada a ter a possibilidade de ser um participante respeitado na vida comunitária. A expansão das capacidades das pessoas depende tanto da eliminação da opressão quanto da provisão de recursos como educação básica, saúde e redes de segurança social.” (não paginado, encontrado em http://www.justicemapping.org/). Este trabalho adota alguns pressupostos que, com base no tema proposto, foram encontrados em estudos e propostas que relatam a relação entre áreas onde é precária a existência de infraestrutura e equipamentos urbanos, tais como escola, posto de saúde, água encanada, esgoto sanitário e áreas de lazer, e o crescimento da violência urbana. Em alguns países já existe a iniciativa de reestruturar estas áreas com o intuito de equacionar o problema da violência urbana. No Rio de Janeiro, na favela da Rocinha, já pode ser vista a aplicação de um programa que foi utilizado na Colômbia; no entanto, é preciso atenção ao empregar um modelo, pois a monocultura institucional leva à mera importação de projetos que funcionaram em determinada conjuntura, sem levar em consideração a cultura e as circunstâncias nacionais.

Uma Breve Reflexão sobre Belém

O Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania — PRONASCI — prevê a articulação de políticas de segurança com ações sociais, priorizando a prevenção e buscando atingir as causas. Doze regiões metropolitanas foram contempladas pelo plano; entre elas está a região metropolitana de Belém, mais precisamente os municípios de Belém e Ananindeua. Segundo o PRONASCI, a taxa de homicídio do município de Belém é de 32 por 100.000 hab., sendo que, ao analisar a ocorrência de homicídios em Belém, percebemos que a população que se encontra na faixa etária de 15 a 29 anos é vitimizada em 52,6 por 1.000.000 hab.

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