A Transição Espanhola: Da Ditadura à Democracia (1975-1978)

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1. Transição Espanhola: Da Ditadura à Democracia

1.1. Fases da Transição: Continuidade, Reforma e Ruptura

A cena política espanhola debatia entre a continuação do regime sem Franco, a promoção de uma reforma das instituições que culminaria na democracia, e a maioria que desejava uma ruptura com a ditadura para construir um sistema político baseado em forças democráticas.

Juan Carlos de Borbón foi proclamado rei. Carlos Arias Navarro assumiu a chefia do governo, e Areilza e Fraga juntaram-se ao seu gabinete. O governo de Arias Navarro apresentou o seu programa perante as Cortes, apostando na continuidade do franquismo. Propôs leis extremamente restritivas sobre a liberdade de reunião e de associação, que não contemplavam a existência de partidos políticos.

A oposição tomou a iniciativa política e traçou uma agenda comum para todas as forças antifranquistas. Os organismos unitários criados na fase final do franquismo uniram-se na Coordenação Democrática. A sua proposta era a instauração da democracia através de um governo provisório e eleições gerais, estabelecendo as bases de um novo sistema político. As forças antifranquistas exigiam liberdades democráticas e anistia para presos políticos, enquanto os conflitos laborais aumentavam. Greves gerais ocorreram na Catalunha, no País Basco e em Vitória. Em Madrid, houve setores onde a greve durou semanas, até que o governo respondeu com repressão.

O Governo Suárez e a Reforma Política

A situação levou a distinguir posições diferentes: a linha-dura aceitava a continuidade e a repressão policial para silenciar a oposição. Houve mortes de estudantes em manifestações, onde se enfrentaram facções franquistas e democráticas do carlismo. Do outro lado estavam os reformadores, que trabalhavam para afastar o governo da linha-dura. O objetivo era promover uma reforma progressiva do sistema político a partir da evolução das leis e das instituições franquistas.

O Rei Juan Carlos e os seus colaboradores forçaram a renúncia de Arias Navarro. O presidente das Cortes nomeou Adolfo Suárez, um jovem reformista, como seu sucessor. Era preciso vencer a resistência da linha-dura no governo e atrair para o seu projeto uma grande parte da oposição democrática.

Suárez iniciou contactos com as forças democráticas, concedeu anistia aos presos políticos e propôs a Lei para a Reforma Política, que reconhecia os direitos fundamentais dos indivíduos. O principal desafio era que esta lei, que propunha o desmantelamento das Cortes franquistas e o estabelecimento de uma assembleia bicameral, fosse aprovada pelas próprias Cortes. Foi aprovada após negociações entre o governo e os procuradores franquistas.

1.2. A Construção da Democracia

Abriu-se o caminho para eleições gerais. Foram emitidos vários decretos que permitiam a liberdade de associação. Os partidos políticos foram legalizados, incluindo os comunistas. A anistia para crimes políticos foi estendida. No final, o Partido Comunista foi legalizado, o que foi rejeitado pela linha-dura. Os comunistas apostavam no processo democrático, como demonstraram após os assassinatos dos advogados trabalhistas da CCOO na Rua Atocha. A decisão de legalizar o partido provocou uma crise no governo, mas garantiu a legitimidade democrática.

As Primeiras Eleições Democráticas

Em 1977, os partidos de esquerda, contrários ao regime de Franco, preparavam-se para as eleições (PSOE, PCE...). À direita, Manuel Fraga criou um novo partido, a Aliança Popular. Do lado do governo, formou-se a União de Centro Democrático (UCD) de Suárez. As eleições gerais foram pacíficas e tiveram uma elevada taxa de participação. A UCD triunfou. Suárez formou o primeiro governo democrático da Espanha após a Guerra Civil.

A Constituição de 1978

As Cortes não tinham caráter eleitoral. A sua primeira tarefa foi elaborar uma constituição democrática. Para a sua redação, foi escolhida uma comissão composta por deputados de todos os partidos representados nas Cortes. A elaboração da Constituição iniciou a política de consenso, que visava resolver as questões fundamentais para a construção da democracia. Foi aprovada uma Constituição progressista, que, embora um pouco ambígua, foi produto de um consenso que permitiu que fosse assumida tanto pela esquerda quanto pela direita. Foi publicada em 6 de dezembro de 1978. Esta Constituição definiu a Espanha como um Estado democrático e social de direito, organizado como uma monarquia parlamentar, onde a Coroa representa o Estado e o exército está subordinado ao poder civil.

Características: o caráter não-confessional do Estado; a declaração de direitos e liberdades fundamentais; a abolição da pena de morte; o castelhano como língua oficial; o estabelecimento de um Tribunal Constitucional; o mercado livre; o direito à autonomia das nacionalidades e regiões, etc.

1.3. O Estado das Autonomias

A Constituição regulou a descentralização de certos poderes do Estado e permitiu a criação de regiões autónomas. Este processo teve duas fases: pré-autonomia e autonomia política.

A primeira pré-autonomia foi concedida à Catalunha, para onde regressou Tarradellas, presidente da Generalitat. A Generalitat foi restaurada sob a sua presidência e criou-se um governo provisório composto por catalães, que defendiam a autonomia. No País Basco, foi criado o Conselho Geral Basco, e na Galiza, o governo regional galego.

A Constituição deu a possibilidade a todas as regiões de se tornarem comunidades autónomas. Cada uma é regida por um Estatuto de Autonomia, que prevê: governo próprio e parlamentos autónomos. Foram estabelecidos dois procedimentos: um rápido e completo, ao qual poderiam aceder as nacionalidades históricas, e outro mais lento. A maioria das comunidades foi constituída pelo procedimento mais lento, mas Navarra seguiu um mecanismo especial.

A concretização da autonomia política deu-se através da aprovação dos Estatutos de Autonomia. Os primeiros estatutos foram os da Catalunha e do País Basco, seguidos pelos da Galiza e da Andaluzia.


2. Crise Económica e Consenso Político na Transição Espanhola

2.1. Crise Económica Internacional e Impacto na Espanha

A crise económica internacional foi desencadeada por um grande aumento nos preços do petróleo. A economia espanhola sofreu uma recessão, com graves problemas económicos. A alta do petróleo levou a um processo inflacionário que resultou na perda de competitividade das exportações e duplicou o défice da balança comercial. A depreciação da peseta favoreceu a manutenção das exportações, as receitas do turismo e o investimento de capital estrangeiro, aliviando a gravidade do défice durante os primeiros anos. A crise energética levou a uma profunda crise industrial que teve duas causas: o aumento dos custos e dos preços de venda devido ao alto consumo de energia, e o elevado peso na indústria espanhola de bens de consumo, aço, construção e equipamento de transporte, setores onde a crise atingiu proporções graves. Consequentemente, o desemprego aumentou.

2.2. Os Pactos da Moncloa e o Consenso Político

Para enfrentar os problemas económicos, era essencial um entendimento entre o governo e as principais forças da oposição. Foram assinados os Pactos da Moncloa, uma série de acordos para a reforma e reorganização da economia, e um programa de ação jurídica e política.

Na arena política, houve a regulamentação da vida pública, em conformidade com os princípios democráticos consagrados na Constituição. No campo económico, a inflação foi reduzida, houve uma série de reformas para distribuir os custos da crise, e foi projetada uma nova estratégia de controlo da despesa pública, seguida de uma reforma fiscal e um novo quadro de relações industriais, além de uma série de medidas para agilizar o mercado de trabalho.

Outras medidas incluíram a reforma tributária para a modernização da estrutura fiscal espanhola. Entraram em vigor o Imposto Especial sobre o Capital e o Imposto de Renda. A Espanha aderiu à estrutura fiscal dos países desenvolvidos do seu ambiente e preparou o terreno para a construção do Estado de Bem-Estar Social.

Inimigos da Democracia e Ameaças à Transição

Alguns setores promoveram a violência para desestabilizar o país e impedir a construção da democracia. As principais ameaças vieram do involucionismo, golpes militares e terrorismo. As forças de direita mobilizaram-se para impedir a consolidação da democracia. Para este efeito, organizaram manifestações, grupos violentos e grupos de pistoleiros (como a Triple A). Houve tentativas de desestabilização por parte dos militares, como o golpe da Operação Galáxia.

Forças da extrema-esquerda estavam ligadas ao terrorismo e ao surgimento de organizações como o GRAPO ou a FRAP. A principal atividade terrorista veio da ETA, que realizou uma série de ataques que ceifaram a vida de muitas pessoas. Na Catalunha, a organização Terra Lliure cometeu vários ataques e sequestros antes de se dissolver.

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