Vícios do Negócio Jurídico: Erro, Dolo e Coação

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Vícios e Defeitos do Negócio Jurídico

Introdução

A doutrina subdivide o estudo da matéria em dois grandes grupos:

  • Vícios da Vontade ou do Consentimento

    Erro, dolo, coação, estado de perigo e lesão.

    OBS: Estado de perigo e lesão consistem em novidades introduzidas pelo Novo Código Civil (NCC).

  • Vícios Sociais

    Fraude contra credores e simulação.

    OBS: Com o advento do NCC, a simulação passou a ser hipótese de nulidade.

Erro (Art. 138 a 144 do Código Civil)

Conceito de Erro

Consiste na falsa representação da realidade fática em relação à pessoa, ao objeto do negócio ou ao direito, acarretando vício na vontade da parte que celebrou o negócio jurídico.

"Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio."

Requisitos para Caracterização do Erro

  • Erro Substancial (Art. 139 do CC)

    Introdução de erro de direito no inciso III, sendo uma exceção ao disposto no Art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

    OBS: O erro acidental não acarreta anulação do negócio jurídico (Art. 142 do CC).

    "Art. 139. O erro é substancial quando:

    I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;

    II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;

    III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico."

  • Erro Perceptível

    Por pessoa de diligência normal (outra parte do negócio jurídico).

  • Erro Escusável (Justificável)

    Divergência na doutrina (posição majoritária sustenta que não consiste em requisito necessário).

"Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante. (Ex: João faz doação pensando que alguém salvou a sua vida)."

"Art. 141. A transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta. Ex: realização de negócio jurídico por meio da internet."

"Art. 142. O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração de vontade, não viciará o negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada."

"Art. 143. O erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade." (Haverá somente a retificação do cálculo, mantendo-se o negócio jurídico).

"Art. 144. O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante." (Princípio da conservação dos contratos / de acordo com os princípios da eticidade e operabilidade).

Prazo Decadencial do Erro

Quatro anos, contados da celebração do negócio jurídico (Art. 178, inciso II, do CC).

Dolo (Art. 145 a 150 do Código Civil)

Conceito de Dolo

Consiste no emprego de artifício ardiloso para enganar alguém e obter benefício (erro provocado).

Tipos de Dolo

  • Dolo Essencial (Art. 145 do CC)

    O dolo é a causa do negócio (negócio jurídico anulável).

    "Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa."

  • Dolo Acidental (Art. 146 do CC)

    O negócio teria sido realizado de qualquer forma, mas de modo diferente (não admite anulação do negócio, gerando apenas perdas e danos).

    "Art. 146. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo."

    "Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado."

  • Dolo de Terceiro (Art. 148 do CC)

    • Se a parte a quem aproveite tem ciência do dolo: aplica-se a regra do dolo essencial (anulabilidade do negócio).
    • Se a parte a quem aproveite não tem ciência do dolo: aplica-se a regra do dolo acidental (subsiste o negócio jurídico e o terceiro responde por perdas e danos).

    "Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou."

  • Dolo do Representante (Art. 149 do CC)

    Distinção necessária:

    • Representante Legal: O representado responde civilmente até a importância do proveito que teve.
    • Representante Convencional: O representado responde solidariamente com o representante por perdas e danos.

    "Art. 149. O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos."

    "Art. 150. Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização."

Classificação Doutrinária do Dolo

  • Quanto ao Conteúdo

    • Dolo Bom (dolus bonus): Consiste naquele dolo tolerável, caracterizado pelo exagero sobre as qualidades de um bem.
    • Dolo Mau (dolus malus): Intenção de enganar alguém e causar prejuízo.
  • Quanto à Conduta das Partes

    • Dolo Positivo ou Comissivo: Dolo praticado por meio de ação (conduta positiva).
    • Dolo Negativo ou Omissivo (Reticência Acidental / Art. 147 do CC): Dolo praticado por omissão. Ex: venda de um imóvel que sofre constantes alagamentos (alienante omite esse fato).
    • Dolo Recíproco ou Bilateral (Dolo Compensado Art. 150 do CC): Ambas as partes atuam dolosamente, pretendendo prejudicar o outro mediante emprego de artifícios (aplicação da regra de que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza). Destarte, não há anulação do negócio jurídico e ninguém pode reclamar perdas e danos. Diferencia-se dos casos de nulidade absoluta, pois não se aplica a regra referida.

Prazo Decadencial do Dolo

Quatro anos, contados da celebração do negócio jurídico (Art. 178, inciso II, do CC).

Jurisprudência: Erro e Dolo

Ementa: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. EXISTÊNCIA DE USUCAPIÃO EM FAVOR DO ADQUIRENTE. OCORRÊNCIA DE ERRO ESSENCIAL. INDUZIMENTO MALICIOSO. DOLO CONFIGURADO. ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO.

1. O erro é vício do consentimento no qual há uma falsa percepção da realidade pelo agente, seja no tocante à pessoa, ao objeto ou ao próprio negócio jurídico, sendo que, para render ensejo à desconstituição de um ato, haverá de ser substancial e real. 2. É essencial o erro que, dada sua magnitude, tem o condão de impedir a celebração da avença, se dele tivesse conhecimento um dos contratantes, desde que relacionado à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração de vontade, às qualidades essenciais do objeto ou da pessoa. 3. A usucapião é modo originário de aquisição da propriedade em razão da posse prolongada da coisa, preenchidos os demais requisitos legais, sendo que, aqui, como visto, não se discute mais sobre o preenchimento desses requisitos para fins de prescrição aquisitiva, sendo matéria preclusa. De fato, preenchidos os requisitos da usucapião, há, de forma automática, o direito à transferência do domínio, não sendo a sentença requisito formal à aquisição da propriedade.

4. No caso dos autos, não parece crível que uma pessoa faria negócio jurídico para fins de adquirir a propriedade de coisa que já é de seu domínio, porquanto o comprador já preenchia os requisitos da usucapião quando, induzido por corretores da imobiliária, ora recorrente e também proprietária, assinou contrato de promessa de compra e venda do imóvel que estava em sua posse ad usucapionem. Portanto, incide o brocardo nemo plus iuris, isto é, ninguém pode dispor de mais direitos do que possui. 5. Ademais, verifica-se do cotejo dos autos uma linha tênue entre o dolo e o erro. Isso porque parece ter havido, também, um induzimento malicioso à prática de ato prejudicial ao autor com o propósito de obter uma declaração de vontade que não seria emitida se o declarante não tivesse sido ludibriado – dolo (CC/1916, Art. 92). 6. Portanto, ao que se depreende, seja pelo dolo comissivo de efetuar manobras para fins de obtenção de uma declaração de vontade, seja pelo dolo omissivo na ocultação de fato relevante – ocorrência da usucapião –, também por esse motivo, há de se anular o negócio jurídico em comento. 7. Recurso especial não provido.

STJ - REsp 1163118 RS (13/06/2014)

Ementa: JUIZADOS ESPECIAIS. CONSÓRCIO. TAXA DE ADESÃO. DOLO. 1. Há vício de consentimento quando o preposto ou representante autônomo do consórcio induz maliciosamente em erro a consumidora, levando-a a crer que receberia no mês seguinte o valor da carta contemplada. 2. Nos termos do Art. 145 do Código Civil, "São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa". Invertido o ônus da prova, e não produzindo a ré nenhuma prova de que seu preposto não se valeu de artifícios maliciosos para influenciar a manifestação de vontade da contratante, induzindo-a em erro, a invalidação do contrato é medida que se impõe face à verossimilhança dos fatos alegados pelos autores. (Acórdão N. 559929, 20100310285196ACJ, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, julgado em 29/11/2011, DJ 20/01/2012 P. 222). 3. Diversa a hipótese de desistência do consórcio, objeto da Reclamação N. 3.752-GO do STJ. 4. Recurso conhecido e desprovido. 5. Honorários pela recorrente no valor de R$500,00 (quinhentos reais), mais custas.

TJ-DF - ACJ 75439020118070004 DF (29/05/2012)

Coação (Art. 151 a 155 do Código Civil)

Conceito de Coação

Consiste na pressão física (vis absoluta) ou psicológica (vis compulsiva) exercida em face de outro para a celebração de um negócio.

  • Coator: Quem pratica a coação.
  • Coato, Coagido ou Paciente: Quem sofre a coação.

"Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.

Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação."

"Art. 152. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela."

Requisitos para Anulação por Coação

(Art. 151 do CC)

  • Fundado temor;
  • Dano iminente e considerável;
  • Em face da pessoa, família ou seus bens (se não for pessoa da família do paciente, o juiz analisará com base nas circunstâncias).

Análise em Concreto (Art. 152 do CC)

Deve-se levar em consideração o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias para a constatação de coação.

Descaracterização da Coação (Art. 153 do CC)

Temor reverencial e ameaça de exercício normal de um direito.

"Art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial."

Coação de Terceiro (Arts. 154 e 155 do CC)

  • Se a parte a quem aproveite tivesse conhecimento ou devesse ter conhecimento da coação: o negócio jurídico é anulável e a parte beneficiada responderá solidariamente com o terceiro por perdas e danos.
  • Se a parte a quem aproveite não tinha conhecimento da coação: subsiste o negócio jurídico e o terceiro responde por perdas e danos.

"Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos."

"Art. 155. Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas as perdas e danos que houver causado ao coacto."

Prazo Decadencial da Coação

Quatro anos, contados da cessação da coação (Art. 178, inciso I, do CC).

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