Vigência e Aplicação da Legislação Tributária
Classificado em Direito
Escrito em em português com um tamanho de 17,84 KB.
Vigência e Aplicação da Legislação Tributária
1 – Após o término do processo de formação da lei (sanção ou veto do Presidente da República ou derrubada do veto pelo parlamento) entramos numa nova fase do processo legislativo, a fase complementar. Na fase complementar, o Presidente da República promulga a lei atestando sua existência e a inovação da ordem jurídica, determinando sua publicação.
2 - A lei que completou todo o seu ciclo de formação presume-se válida, mas esta presunção não é absoluta, podendo ser legitimamente afastada por meio da instauração de controle de constitucionalidade (difuso ou concentrado). A validade, portanto, está presente quando o processo de produção e formação da lei houver observado as diretrizes e os requisitos procedimentais previstos na Constituição Federal e no Regimento Parlamentar (aspecto formal) e seu conteúdo não agredir a Constituição Federal (aspecto material).
3 - É com a publicação que se gera a presunção de que todos conhecem a lei, não sendo permitido a ninguém escusar-se de cumpri-la alegando desconhecimento (art. 3º da Lei de Introdução ao Código Civil - Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942).
4 - Todavia, para que a lei regularmente publicada efetivamente obrigue seus destinatários a sua observância, é necessário que ela esteja em vigor.
5 - O legislador tem certa discricionariedade para determinar o termo inicial da vigência de uma lei que elabora. Entretanto, por questões de segurança jurídica e pacificação social, a Lei Complementar nº 95, que trata da elaboração, redação, alteração e consolidação das leis, estipula, no seu artigo 8º, que a vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão.
6 - Nas leis não-urgentes, de maior repercussão, deve haver um descolamento entre a publicação e vigência. Neste caso, o período de tempo entre a publicação da lei e a sua entrada em vigor denomina-se vacatio legis.
7 - A norma vigente tem, via de regra, total aptidão para produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos que o legislador quis disciplinar. Em outras palavras, a regra é que a norma vigente seja eficaz. Todavia, nem sempre isso acontece. Em direito tributário, tem-se um exemplo bem claro disso. A Constituição Federal, definindo o princípio da anterioridade, proíbe aos entes federados cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou (CF, art. 150, III, "b"). É fácil perceber que a regra não proíbe a vigência da lei que institui ou majora tributo no mesmo exercício de sua publicação, mas tão-somente adia para o exercício subseqüente a produção de efeitos dessa norma, ou seja, adia sua eficácia. Não se trata, aqui, de vacatio legis, pois nesse caso o descolamento ocorre entre vigência e eficácia e não entre publicação e vigência.
8 - É condição de eficácia da lei sua Vigência.
9 - Válida, sob o ponto de vista técnico-jurídico, é a lei constitucional (formal e materialmente).
10 - Vigente é a lei que terminou seu ciclo de produção, foi publicada, existe juridicamente e já atingiu o termo porventura determinado pelo legislador para possuir força de atingir seus objetivos finais, apesar de ser possível a existência de algum outro requisito para a efetiva produção de efeitos. Para estar vigente, também é necessário que a lei não tenha sido revogada, declarada inconstitucional pelo STF em sede de controle concentrado, ou suspensa pelo Senado Federal após declaração de inconstitucionalidade pelo STF em sede de controle difuso.
11 - Eficaz é a lei que está completamente apta a gerar imediatamente os efeitos jurídicos pretendidos pelo legislador.
12 - A lei especial derroga a lei geral (lex specialis derrogat legem generali) é um princípio da hermenêutica jurídica (ciência da interpretação jurídica).
13 - "Artigo 101 do CTN. A vigência, no espaço e no tempo, da legislação tributária rege-se pelas disposições legais aplicáveis às normas jurídicas em geral, ressalvado o previsto neste Capítulo."
Vigência Espacial
14 - O estudo da vigência espacial da legislação tributária tem por objetivo revelar qual o âmbito territorial em que cada norma integrante da legislação tributária vigora, sendo de observância obrigatória.
15 - A regra fundamental aqui é a da territorialidade. Tal regra é bastante simples de entender. Cada ente federativo possui um território, claramente demarcado. As normas expedidas por um ente só têm vigência dentro do seu respectivo território, não sendo aplicáveis aos fatos ocorridos em territórios dos demais entes. Assim, as normas expedidas pela União Federal têm vigência e aplicação em todo o território nacional. As normas editadas pelo Estado de Pernambuco têm vigência e aplicação tão-somente neste estado, não sendo aplicável, por exemplo, no Estado da Paraíba. Já as normas editadas pelo município de Ilhéus-BA têm vigência e aplicação dentro do território de Ilhéus, não incidindo sobre fatos ocorridos no território de Itabuna-BA.
16 - "Art. 102 do CTN. A legislação tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios vigora, no País, fora dos respectivos territórios, nos limites em que lhe reconheçam extraterritorialidade os convênios de que participem, ou do que disponham esta ou outras leis de normas gerais expedidas pela União." O dispositivo enuncia a regra (territorialidade) por intermédio da enumeração das exceções (casos de extraterritorialidade).
A Extraterritorialidade Prevista em Convênio de Cooperação
17 - Segundo o CTN, a extraterritorialidade é admitida nos limites em que é reconhecida nos convênios de que participem os Municípios, Estados e o Distrito Federal. Neste caso, não parece haver qualquer arranhão ao princípio federativo, pois para que uma norma editada por um determinado ente federado tenha vigência no território de um outro é necessária a expressa aquiescência deste, manifestada mediante convênio. Em outras palavras, preservada a autonomia para adesão ou retirada do pacto, a autonomia legislativa dos entes conveniados é totalmente garantida.
A Extraterritorialidade Prevista em Norma Geral Nacional
18 - Segundo o CTN, haverá também extraterritorialidade nos limites do que disponham o próprio Código ou outras normas gerais expedidas pela União. Assim, como as normas gerais em matéria tributária devem necessariamente estar disciplinadas em lei complementar nacional elaborada pela União (CF, art. 146, III), tem-se a esdrúxula autorização para que o Congresso Nacional, atuando como Parlamento da Federação, estipule casos em que a norma expedida por um ente federado terá vigência também no território de outros. As leis que estipulem tais casos devem se ater a situações em que a extraterritorialidade se impunha como única solução viável para determinado problema, sob pena de inconstitucionalidade por agressão ao pacto federativo, que tem como consectário a autonomia – inclusive legislativa – dos entes que compõem a federação.
19 - Um exemplo em que a existência de um problema legitima a extraterritorialidade prevista em lei de caráter nacional é a criação de novo ente federativo mediante o desmembramento territorial de outro. Nessa situação, o novo ente criado precisa instalar um parlamento, elaborar sua própria legislação tributária, instituindo seus tributos com obediência às regras da anterioridade, da noventena e da irretroatividade. Aqui, o problema salta aos olhos: num dos momentos em que um ente mais precisa de recursos (inclusive para criar seu parlamento) a cobrança de tributos estaria absolutamente impedida. A solução necessária, eficaz e razoável é a prevista no art. 120 do CTN, qual seja, salvo disposição legal em contrário, a pessoa política constituída pelo desmembramento territorial de outra aplica a legislação desta até a entrada em vigor de sua própria legislação. O dispositivo está em plena consonância com o art. 102, visto que o CTN, editado pela União como norma geral em matéria tributária, foi, justamente por isso, recepcionado com o status de lei complementar.
Vigência Temporal
20 - Após a publicação da lei, segue-se sua vigência, o que pode ser verificar de imediato ou após um lapso temporal previsto no próprio texto legal (vacatio legis).
21 - No caso de ausência de disposição expressa no texto da lei porventura editada, o ordenamento jurídico ainda prevê uma solução subsidiária, constante no art. 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, nos termos abaixo transcritos:
"Art. 1º Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.
§ 1º Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada."
22 - Publicada uma lei tributária, a vigência se dará de acordo com a cláusula própria que deve constar do próprio texto legal. No caso de inexistência de disposição expressa, deve-se observar o prazo de quarenta e cinco dias após a data de publicação (vacatio legis) para o início da vigência.
23 - No caso de aplicação de lei brasileira em território estrangeiro (caso admitida via tratado, por exemplo), a vigência dar-se-ia no prazo de três meses.
24 - Com base na regra da especialidade, portanto, são as seguintes as regras de vigência das normas complementares (CTN, art. 103):
I – Os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas entram em vigor, salvo disposição em contrário, na data de sua publicação.
Tais atos (Portarias, Instruções Normativas, Atos Declaratórios Normativos) também deveriam conter cláusula expressa de vigência, caso em que se observará o prazo previsto. Entretanto, na ausência de disposição expressa (daí o salvo disposição em contrário) a vigência virá colada com a publicação não ocorrendo o fenômeno da vacatio legis.
II – As decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa entram em vigor, salvo disposição em contrário, 30 dias após a data de sua publicação.
Quando a lei atribui eficácia normativa aos impropriamente chamados "órgãos de jurisdição administrativa", as decisões por estes proferidas passam a ter duplo efeito. O primeiro efeito atinge apenas a pessoa que é "parte" no processo, o contribuinte que impugnou o ato da administração fazendária. O segundo decorre da eficácia normativa conferida por lei, de forma que a tese adotada na decisão passa a integrar a legislação tributária vinculando os servidores da administração fazendária respectiva.
Dessa forma, se decisão final de órgão julgador estadual declara improcedente lançamento feito contra contribuinte "X", entendendo que não incide ICMS no deslocamento de mercadoria feito entre filiais da mesma empresa, imediatamente a decisão beneficia o contribuinte "X" que deixa de ser devedor. Se a legislação deste mesmo Estado atribuiu eficácia normativa às decisões finais do proposto órgão julgador, após o prazo estabelecido na lei a decisão passará a possuir efeito normativo, "entrando em vigor".
Perceba-se que cabe à lei que trata do processo administrativo fiscal do ente federado estabelecer o prazo após o qual a decisão entrará em vigor, mas, na ausência de disposição expressa (daí, novamente, o "salvo disposição em contrário"), a decisão entrará em vigor trinta dias após a data da sua publicação.
III – Os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, entram em vigor, salvo disposição em contrário, na data neles prevista.
O artigo 104 do CTN e o Princípio da Anterioridade
25 - "Segundo o Código Tributário Nacional, os dispositivos de lei que revoguem isenções relativas a impostos sobre o patrimônio ou a renda somente entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a sua publicação, salvo se a lei dispuser de maneira mais favorável ao contribuinte."
"Conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal as isenções não condicionadas ou sem prazo definido podem ser revogadas a qualquer tempo por lei e, uma vez revogada a isenção, o tributo volta a ser imediatamente exigível, sendo impertinente a invocação do princípio da anterioridade."
26 - Relembre-se, porém, que se a lei concede isenção, pode, por óbvio entrar em vigor imediatamente, pois trará uma surpresa positiva para o contribuinte.
Aplicação da Legislação Tributária
27 - A legislação tributária é composta por um conjunto de normas gerais e abstratas que versam sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes. São normas gerais porque não têm destinatários específicos e determinados, sendo aplicáveis a todas as pessoas que porventura se ponham nas situações previstas. São normas abstratas porque não versam sobre situações concretas, mas apenas sobre hipóteses que, se verificadas no mundo concreto, gerarão as consequências previstas na própria norma.
Princípio da Irretroatividade no CTN
28 - "Art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início, mas não esteja completa nos termos do artigo 116."
29 - A legislação tributária se aplica aos fatos futuros, quando estes vierem a se verificar e àqueles pendentes, assim denominados pelo CTN os fatos cuja ocorrência tenha se iniciado, mas não tenha se concluído.
30 - Para quem admite a existência dos fatos geradores complexivos, durante o exercício financeiro de 2006, o fato gerador do IPTU/2006 é pendente. Para quem considera que todo fato gerador é instantâneo, o FG do mesmo IPTU/2006 é futuro. Em ambos os casos é possível a aplicação de legislação tributária modificada em 2006.
Exceções Legais ao Princípio da Irretroatividade
31 - Neste ponto, é fundamental entender que o princípio da irretroatividade conforme definido no artigo 150, III, "a", da Constituição Federal não possui qualquer exceção. Não há, portanto nenhuma hipótese em que se possa cobrar tributo em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.
32 - No que se refere ao princípio da irretroatividade disciplinado no CTN, a abrangência é mais ampla, o que dá ensejo ao surgimento de exceções. A maior amplitude porque se fala da irretroatividade de toda a legislação tributária e não apenas da lei que institua ou majore tributos. Já as exceções serão possíveis em situações bem específicas em que, obviamente, não se estará tratando de majoração ou instituição de tributo.
33 - Os estudiosos da hermenêutica jurídica classificam a interpretação quanto à fonte em administrativa (a feita pelas autoridades administrativas na aplicação da norma aos casos concretos, doutrinária (a feita pelos estudiosos do direito), jurisprudencial (aquela adotada reiteradamente pelos órgãos judiciários nos processos que lhe são submetidos) e a autêntica (aquela emanada do mesmo órgão responsável pela elaboração da norma interpretada).
34 - Art. 106, I do CTN estatui que "a lei aplica-se a ato ou fato pretérito em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados".
35 – Exceções à irretroatividade da legislação tributária:
- A Lei Expressamente Interpretativa;
- A lei mais benéfica acerca de infrações e penalidades.
36 – A retroatividade a lei mais benéfica acerca de infrações e penalidades é uma hipótese de retroatividade decorrente de uma forte influência do direito penal, ramo da ciência jurídica em que a retroatividade da lei mais benéfica é praticamente absoluta, inclusive beneficiando pessoas já condenadas por decisões judiciais transitadas em julgado.
37 - Apesar da influência, deve-se ter em mente que, em se tratando de direto tributário penal, compostos de normas tributárias que punem infrações de natureza tributário-administrativa, a lei mais benéfica retroage, mas não alcança os atos definitivamente julgados, conforme assevera expressamente o inciso II do art. 106, do CTN, assim redigido:
II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:
a) quando deixe de defini-lo como infração;
b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;
c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.
38 - Atente-se para o fato de que as três alíneas do transcrito art. 106, II, tratam exclusivamente de infrações e suas respectivas punições de forma que não haverá retroatividade de lei que verse sobre tributo, seja a lei melhor ou pior.
39 - Assim, a título de exemplo, se alguém deixou de pagar imposto de renda enquanto à alíquota de 27,5%, não será beneficiado por uma posterior redução da alíquota para 25%, pois, em se tratando das regras materiais sobre tributos (alíquotas, bases de cálculo, contribuinte, fatos geradores), a legislação a ser aplicada será sempre a vigente na data do fato gerador.