Pensamento Jurídico: Da Grécia Antiga à Era Moderna

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PENSAMENTO JURÍDICO GREGO

Conceção Democrática de Direito

Na Grécia Antiga, o direito era concebido de forma democrática, com os cidadãos da polis legitimando o poder político. No entanto, esse acesso era vedado a mulheres, escravos e estrangeiros.

O direito era visto como proveniente de uma ordem natural das coisas, e o direito positivo deveria estar em conformidade com essa ordem. Não havia divergência entre direito natural e direito positivo, e acreditava-se que não havia homem sem Estado, nem Direito sem Estado.

SÓCRATES

Sócrates, um racionalista crente na razão humana, associava-se a uma visão intelectualista. Ele estabeleceu uma ligação entre a lei da vontade humana (direito e estado) e o princípio intelectualíssimo da razão. Para Sócrates, o Estado deixava de ser um produto convencional da vontade dos homens.

Apesar de reconhecer a existência de leis injustas, Sócrates defendia a obediência do Homem, pois o ato de desobedecer significaria a destruição da lei. No plano da Filosofia do Direito e do Estado, Sócrates acreditava que o Homem só podia ser entendido dentro do Estado, e que o Estado era uma unidade perfeita. Seu respeito pela lei, mesmo que injusta, demonstra uma conceção autoritária de Estado e de direito.

PLATÃO

Platão tinha uma conceção objetivista e idealista do Estado, vendo-o como uma unidade perfeita onde o Homem atinge a perfeição moral. O Estado, para Platão, derivava da própria natureza das coisas, e a ordem natural das coisas ditava que uns nascem para servir e outros para serem servidos.

Cada indivíduo tinha uma função e tarefa a cumprir dentro do Estado, o que demonstra uma conceção autoritária. Platão não reconhecia direitos do Homem ou direitos da pessoa humana face ao Estado, acreditando que o Estado educava e atribuía funções aos cidadãos. O delinquente era visto como um homem doente que precisava de ser tratado, mas se a pena não o corrigisse, ele devia ser eliminado.

Platão via a justiça como devida proporção, onde cada elemento contribuía para o bem comum e a harmonia do todo.

ARISTÓTELES

Aristóteles tinha um sistema de ideias naturalista-idealista, com uma compreensão de direito e do Estado semelhante à de Platão. Ele via o Homem como um animal político que atinge o seu desenvolvimento completo no Estado, na convivência com os outros.

Para Aristóteles, o Estado virtuoso deveria contribuir para a perfeição de cada um, e o Homem deveria procurar a virtude, evitando extremismos. Ele defendia o meio termo e virtudes como ponderação, sabedoria e justiça, que determinavam o conteúdo das leis.

Aristóteles identificou diversos tipos de justiça:

  • Distributiva (vertical): do Estado para com os cidadãos, distribuindo bens e honras segundo o mérito;
  • Sinalagmática (horizontal): entre cidadãos;
  • Comutativa: responsabilidade contratual (negócios e contratos);
  • Judiciária: responsabilidade extracontratual (reparação de danos).

A justiça, para Aristóteles, era a busca da igualdade, e a equidade servia para corrigir a aplicação da lei ao caso concreto.

Aristóteles via o Homem como um animal político e o Estado como uma imposição da natureza, o que demonstra uma conceção autoritária e totalitária. Para ele, o Homem só existe dentro do Estado.

Outras Correntes

Revolucionários-Sofistas

Numa época de ceticismo, os sofistas evidenciaram que as leis eram a expressão do interesse dos mais fortes. Eles viam o direito como uma criação arbitrária dos homens, e o Estado como um mero produto convencional resultante de um contrato.

O direito, para os sofistas, reduzia-se à lei, que era a expressão da vontade dos mais fortes. Eles defendiam que o Homem deveria opor-se à injustiça, e que uma lei que violasse o princípio da igualdade e da liberdade era uma lei injusta.

Céticos

Os céticos negavam a existência do direito natural, argumentando que a razão humana não conseguia concebê-lo. Para eles, só existia o direito positivo, cujo conteúdo era a vontade de quem governa. Eles defendiam que todos os conceitos são relativos, e que a ciência avança através de juízos de probabilidade e do erro.

Epicuristas

Os epicuristas acreditavam que o Estado não derivava de nenhuma ordem natural das coisas, mas de um acordo entre os homens. Através desse contrato, os homens transferiam os seus poderes para o Estado, o que implicava a existência de um Direito antes do Estado.

PENSAMENTO JURÍDICO MEDIEVAL

A Idade Média, que se estendeu do século V ao século XV, foi marcada pela queda do Império Romano do Ocidente e por uma crise no pensamento jurídico romano. Houve uma perda da cultura jurídica, com a falta de universidades e a vulgarização do direito romano.

No entanto, o direito do Corpus Iuris Civilis não foi totalmente esquecido, e surgiram condições para o seu renascimento no século XI, com a evolução trazida pela escola dos Glosadores e Comentadores.

Na Idade Média, o Cristianismo teve um papel central na compreensão do Estado e do Direito na Europa Ocidental, moldando-os e dando origem à ideia de Estado de direito.

O Cristianismo enfrentou a dificuldade de decidir se continuaria como um movimento assente num conjunto de ideias morais ou se se converteria numa única filosofia. A construção desta teologia passou por três fases:

  1. Até ao século V, com Santo Agostinho;
  2. Do século V ao século XII, com São Tomás de Aquino;
  3. Do século XII em diante.

SANTO AGOSTINHO

Santo Agostinho, o primeiro grande pensador da Igreja Católica, foi influenciado pelo pensamento grego, especialmente por Platão. Sua visão era fundada num pessimismo político e da natureza humana.

Pessimismo

Santo Agostinho via a Igreja e o Estado, na sua dimensão sensível, como meios para chegar à Cidade de Deus e à Cidade Terrestre. Ele contrapunha essas duas cidades suprassensíveis, uma virada para o homem corrompido e outra para o homem pertencente a uma comunidade mais espiritual.

Santo Agostinho questionava o papel do Estado, que deveria realizar a justiça. No entanto, ele tinha uma visão pessimista do Estado, vendo-o como corrupto e incapaz de realizar a justiça. O único meio de realizar a justiça, para Santo Agostinho, era através da subordinação do Estado à Igreja e da conversão dos povos ao cristianismo.

Justiça

Para Santo Agostinho, a justiça era o amor de Deus e derivava da vontade de Deus. O Direito Justo era aquilo que Deus quisesse, e sua visão era marcada pela entrega do Homem a Deus.

Direito Natural

Santo Agostinho acreditava que o Direito Natural provinha da vontade de Deus, e que o direito positivo deveria estar em conformidade com essa vontade. O Direito Natural, para ele, não tinha qualquer conteúdo porque provinha da vontade de Deus, que não está sujeita a regras de racionalidade.

Santo Agostinho via o Direito Natural como estando acima do Estado, o que marca o início da conceção do Estado de Direito. Ele também tinha uma visão universalista, vendo a Igreja como estando acima do Estado e os monarcas como devendo respeitar o Papa.

SÃO TOMÁS DE AQUINO

São Tomás de Aquino, o principal representante da escolástica, viveu no fim da Idade Média, num ambiente de desenvolvimento económico, saber e cultura. Houve um regresso ao Direito Romano no Ocidente e um desenvolvimento geral na Europa, o que marcou uma época de otimismo.

São Tomás de Aquino tinha uma compreensão diferente do Homem, do Estado e do Direito, com perspetivas distintas das de Santo Agostinho.

Justiça e Bem

Para São Tomás de Aquino, a justiça e o bem eram aquilo que Deus quisesse, mas Deus não podia deixar de querer o que é justo e bom (racionalismo). Deus, para ele, autovinculava-se, criando a lei e estando sujeito a ela.

Direito Natural

São Tomás de Aquino acreditava que o Direito Natural não provinha da vontade de Deus, mas sim da razão de Deus. Deus, para ele, criou a lei eterna e tem de a cumprir, o que demonstra a prevalência da razão sobre a vontade.

Papel do Estado

São Tomás de Aquino via o Estado como tendo um papel positivo, com a função prioritária de manter o bem, a paz e a justiça. O Estado, para ele, era a forma, e os indivíduos a matéria, e o Estado deveria certificar-se de que os indivíduos praticam o bem.

Filosofia Política

São Tomás de Aquino defendia a subordinação do Estado à Igreja, com o Estado responsável pelo bem-estar material e a Igreja pelo bem-estar espiritual. Como a Alma é mais importante que o Corpo, a Igreja era superior ao Estado.

PENSAMENTO JURÍDICO MODERNO

Os tempos modernos, que se estendem do século XV em diante, foram marcados por dois fenómenos da cultura europeia: o Humanismo e o Renascimento.

Houve a descoberta de novos mundos e culturas, e o desenvolvimento do capitalismo e da burguesia. Deus deixou de estar no centro do Universo, dando lugar ao Homem, o que foi o primeiro grande passo para a separação da Igreja do Estado.

O nascimento do Estado moderno foi acompanhado por movimentos que afirmavam os poderes reais e pelo esforço para a centralização do poder. Desenvolveram-se teorias políticas de centralização do poder, tanto do ponto de vista externo (autonomia do soberano em relação ao Papa) como interno (reforço do poder dos reis em detrimento da Igreja).

O Direito Natural Jusracionalista dividiu a Europa em dois territórios: a Península Ibérica, que seguia os ditames medievais e onde o Direito Natural tinha uma origem metafísico-religiosa; e o resto da Europa, onde o direito provinha da razão humana (racionalismo).

O pensamento jurídico político da Era Moderna questionava o que era o Estado e como a justiça deveria ser realizada, passando da nobreza para o Estado.

MAQUIAVEL

Maquiavel é associado à entrada nos tempos modernos, e seu pensamento rompeu com o pensamento da Idade Média, especialmente com a ética cristã e a conceção política até então existente.

Maquiavel era marcado pelo pessimismo e defendia um governo todo poderoso liderado por um Príncipe. Sua obra “O Príncipe” fornece conselhos para atingir esse objetivo.

Maquiavel via o Homem, à semelhança da natureza, como um conjunto de forças antagónicas que viviam em constante guerra e precisavam de um governo forte. O Homem, para ele, tinha fome e queria segurança, e não conseguia ser bom sem um poder forte que o tirasse do Estado de Natureza.

O Príncipe, para Maquiavel, era detentor de um poder sem limites, onde os fins justificam todos os meios. Sua obra defendia um Estado Forte para a libertação de Itália.

A razão do Estado, para Maquiavel, traduzia-se num interesse superior que não impunha limites à atuação do Príncipe. Ele autonomizou o político da Igreja, e não tinha conceção de direito justo, defendendo que mais valia ser temido do que amado.

JEAN BODIN

Jean Bodin também defendia a existência de um Estado forte, numa época em que a França estava dividida por guerras e ansiava por um poder político forte.

Bodin defendia um Estado Absolutista, central e soberano, que não tivesse ninguém acima de si (diferenciando-se de Maquiavel por defender limites à atuação do Estado).

Bodin desenvolveu o conceito de soberania, que era o poder que, acima de si, fora Deus, não admite qualquer outro. A soberania, para ele, era um poder ilimitado e permanente que deveria estar nas mãos do monarca.

No entanto, Bodin reconhecia limites à soberania, como o direito da família, o direito de propriedade, o Direito Natural e as leis fundamentais (como a lei sálica, que impedia o monarca de alienar o património do Reino, e a proibição de aumentar impostos sem o consentimento dos cidadãos, salvo em estado de necessidade).

Bodin foi criticado por confundir soberania com soberano e por não explicar a origem do poder. No entanto, suas teses inspiraram as Monarquias Absolutistas, apesar de ele compreender que o poder do Estado está sujeito a limitações.

HUGO GRÓCIO

Hugo Grócio é considerado o fundador do direito natural racionalista. Sua obra “A guerra e a paz” defendia a humanização da guerra.

Grócio afirmava a necessidade do Direito Internacional Público para disciplinar as relações entre os Estados e evitar a guerra entre todos. Para ele, a soberania e a independência dos Estados nunca são absolutas.

Grócio defendia a transição completa do poder do povo para o monarca, justificada pela transição do Estado Natural para o Estado Social, com o objetivo de atingir a paz. O povo não podia revoltar-se contra o Estado porque transferiu o poder através de um contrato social, celebrando com este um pacto de sujeição.

Grócio privilegiava a ordem em detrimento da justiça.

HOBBES

Hobbes, um autor inglês, era defensor do absolutismo numa época em que as correntes liberais estavam a implementar-se em Inglaterra.

Hobbes tinha uma visão pessimista do Homem, vendo-o como egoísta, feroz e insaciável. Esse egoísmo, para ele, implicava uma inevitável transição do Estado Natural para o Estado Social, que se efetivava através de um contrato social com o propósito de criar um Estado que impedisse os Homens de se aniquilarem uns aos outros.

Para Hobbes, a origem do poder estava no povo, que o transferia para os soberanos.

JOHN LOCKE

John Locke recebeu influência do pensamento iluminista e foi um autor democrata, liberal e burguês, influenciando os franceses e a Revolução Francesa.

Locke defendia a afirmação da liberdade individual, tendo o indivíduo como ponto de partida. Ele questionava a origem do poder e decompunha a sociedade para chegar ao indivíduo, a partir do qual se constrói o Estado.

Locke tinha uma visão otimista do Homem no Estado Natureza, onde o homem seria completamente livre, com o limite da auto-conservação da espécie. A transição para o Estado Social, para Locke, era necessária por causa das paixões dos homens.

Estado Natureza e Estado Social

A transição do Estado Natureza para o Estado Social, para Locke, ocorria através de um contrato social que garantia direitos inalienáveis, ou seja, direitos que o Homem não perde com a mudança de Estado. O Estado, para Locke, deveria ser reduzido ao mínimo, intervindo apenas para proteger essencialmente a vida.

Locke acreditava que o verdadeiro soberano é a comunidade, e que a lei deveria ser votada, o que significa um poder sediado num parlamento representativo. No entanto, o sufrágio não era universal na sua época.

JEAN JACQUES ROUSSEAU

Jean Jacques Rousseau transformou em universal o que era individualista em John Locke. Sua obra “O Contrato Social” tem o ponto de partida no indivíduo, afastando-se das correntes racionalistas e olhando para a realidade concreta e humana.

Rousseau acreditava que o Homem é bom por natureza e que a sociedade é que o corrompe. Em sua obra, ele defendia que o Homem era livre – uma conceção otimista da natureza humana – e que o problema residia nas convenções que os homens foram celebrando entre si, que os foram corrompendo.

Conceito de “Vontade Geral”

Rousseau desenvolveu o conceito de «vontade geral», que é a vontade coletiva da comunidade, diferente da «vontade individual», da «vontade da maioria» e da «vontade unânime». A «vontade geral» corresponde ao bem comum da comunidade e tem algo de metafísico.

Transação do Estado Natural para o Estado Social

Para Rousseau, cada indivíduo deve alienar todos os seus direitos a favor da comunidade, recebendo em troca direitos naturais como direitos civis pelo Estado. A liberdade deixa de ser natural e passa a ser política, e a vontade geral obriga o Homem a ser livre (mesmo que não o queira).

A vontade geral, para Rousseau, traduz-se na vontade soberana, que se encontra no Estado. Sua filosofia política partiu do indivíduo, mas acabou por demonstrar uma conceção totalitária do Estado, destruindo o ponto de partida: o indivíduo.

KANT

Kant inaugurou uma nova época no pensamento filosófico europeu, distinguindo dois períodos: um antes, onde o sujeito girava em torno do objeto, e um depois, onde o objeto gira em torno do sujeito.

Kant escreveu as obras Crítica da Razão Pura e Crítica da Razão Prática. Na primeira, ele trata do mundo «do ser», colocando o sujeito no centro do conhecimento. Na Crítica da Razão Prática, ele aborda a problemática do «dever-ser», falando do domínio da vontade e da moral.

Direito Natural

Para Kant, o Direito Natural provém da razão humana (Direito Racional) e é uma ideia regulativa, um «dever-ser» a priori, relativa às relações entre os Homens no Estado Natureza. Kant não define o que é o Direito, mas sim as condições de uma boa vontade jurídica.

Direito e Moral

Kant via o Direito como uma normatividade que só pode definir-se como critério de liberdade, ou seja, como meio de permitir a realização do Homem em si e nas relações com os outros.

O fim do Direito, para Kant, é o de permitir uma sempre maior liberdade de cada um e de todos, à custa da esfera do seu arbítrio. As limitações que o Homem sofre no Estado Civil provêm de restrições ao seu arbítrio, mas não da sua liberdade.

Conceção Kantiana do Homem

Kant acreditava que o Homem nasceu livre e deve permanecer livre. A liberdade, para ele, é a integração da vontade humana numa ordem racional de fins, achando nessa integração a sua própria lei. O Homem, para Kant, consubstancia um fim em si mesmo.

Estado Natureza

Kant determinava que o Direito Natural já obriga os Homens no Estado Natureza. Há já nele personalidade humana, propriedade e contratos. O que falta é o poder público para garantir esses direitos. Para Kant, o direito subjetivo é anterior ao Estado.

A transição do Estado Natural para o Estado Social, para Kant, é apenas uma transição do direito privado para o direito público e da justiça comutativa para a justiça distributiva. A liberdade jurídica já existia antes do Estado. Essa transição explica-se através do contrato social, que é apenas uma ideia que permite a regulação entre os Homens.

Vontade Geral

Kant via a vontade geral como um facto empírico e uma expressão da própria universalidade da razão, na qual o indivíduo toma parte como legislador. Para ele, não são os interesses que unem os homens, mas sim a razão universal legisladora. A vontade geral é, por conseguinte, uma ideia que permite unir os Homens.

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