Princípios da constituição fiscal e determinação do rendimento coletável

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  1. A obrigação fiscal é “indisponível e irrenunciável”

É uma obrigação indisponível e irrenunciável porque o credor do imposto não tem poder para conceder moratórias, para permitir o pagamento em prestações ou para conceder perdões de dívidas (cfr. arts.29/1 e 3, 30/2, 36/3 e 37/2 LGT). No mesmo sentido vai o art.85o/3 CPPT ao permitir a concessão de moratórias ou a suspensão da execução fiscal quando a lei assim o permita, sendo que tal concessão fora da lei e dolosamente implicam responsabilidade tributária e subsidiária. No que toca ao pagamento em prestações há a exceção do sujeito passivo poder requerer tal formato de pagamento, quando a lei o autorize (cfr. arts.42 LGT e 86o/2 e 3 e 196o CPPT).

b) Pode afirmar-se que é proibida a analogia no direito fiscal?

A integração de lacunas está proibida aos olhos do princípio da legalidade fiscal quando vise integrar matérias referentes a elementos essenciais dos impostos, porque se tais elementos têm de constar de lei, ou melhor, respeitar as reservas de lei então não faz sentido deixar-se para o aplicador das leis a integração dessas lacunas. Pelo art.11/4 LGT retira-se isto, porque deve interpretar-se que não só está proibida a integração de lacunas por recurso a analogia como isso conduz a que o legislador quisesse que não fossem colmatadas lacunas do domínio que é coberto pela reserva de lei fiscal.

Alguma doutrina na qual se inclui Casalta Nabais entende que que não pode ser rejeitada absolutamente qualquer integração do direito fiscal essencial, acreditando que deve haver uma adequada e equilibrada ponderação dos bens jurídico-constitucionais que passam pela legalidade fiscal ao exigir-se segurança jurídica, mas também passam pela igualdade fiscal ao reclamar-se justiça fiscal. Ao fim ao cabo, admite-se a integração de lacunas de matérias essenciais quando a lei assim o preveja e dentro da tal ponderação de bens jurídico- constitucionais e que o art.11/4 LGT não obsta, até porque este artigo é uma norma infraconstitucional e aqueles princípios são do plano constitucional, ou seja supralegal. Mas isto sempre do lado do legislador, porque o aplicador das normas está absolutamente proibido de integrar tais lacunas, ou seja falamos da Administração tributária, os juízes ou os particulares.

c) Qual a relevância da distinção entre a caducidade e a liquidação ao nível da extinção da obrigação fiscal?

Para além do cumprimento há outros modos de extinção fiscal, como a prescrição, a dação em cumprimento e a compensação. Tanto a liquidação como a caducidade estão relacionadas com a prescrição, regulada nos artigos 48 e 49 LGT, sendo que é de referir que as dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de 8 anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, e nos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu (48/1 LGT).

A nível da extinção da obrigação fiscal, a liquidação é o momento/etapa do procedimento tributário em que se determina o quantum do imposto e tem por objeto e fim a concretização da obrigação tributária. A liquidação surge na 2aa fase do procedimento fiscal, na chamada fase constitutiva, na qual se determina o montante de imposto a pagar, o qual, sempre que não houvesse lugar a deduções à coleta (o que era regra), coincidia com esta, a qual se apurava através da aplicação da taxa do imposto à respetiva matéria coletável . Esta, em sentido lato sensu, compreende o conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto: o lançamento subjetivo a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídica fiscal; o lançamento objetivo através do qual se determina a matéria coletável do imposto; a liquidação (stricto sensu) que se traduz na determinação da coleta através da aplicação da taxa à matéria coletável e, finalmente, as (eventuais) deduções à coleta.

No que se refere à prescrição das dívidas tributárias, há que distinguir caducidade de imposto da liquidação, poder que consta dos artigos (45 a 47 LGT). Este deverá ser exercido no prazo de 4 anos, prazo esse que não será aplicável quando a lei estabelecer outro (exemplo IMT)

d) É possível a transmissão da obrigação fiscal?

Podemos dizer que a obrigação fiscal é intransmissível, ou seja rege-se por um princípio de intransmissibilidade dos créditos e das dívidas tributárias, de acordo com o art.29/1 e 3 LGT. Mas a lei logo no mesmo artigo no n.2 estipula uma exceção que ocorre na sucessão legal, do lado passivo, e estipula uma exceção do lado ativo no que toca à sub-rogação nos direitos da Fazenda Pública, do art.41/2 LGT.


2 -No âmbito dos princípios da “constituição fiscal”, com especial relevo nas regras estabelecidas no Código do IRS, encontram-se como manifestações do princípio da igualdade fiscal o princípio do rendimento líquido e o princípio do rendimento disponível.

Não há expressão na CRP do principio da igualdade fiscal.  Ele brota do próprio geral princípio da igualdade, do art.13o CRP, no seu sentido material de igualdade na lei, aliado e articulado com os demais princípios e preceitos da constituição fiscal.
Este critério de uniformidade é o critério da capacidade contributiva. Se assim o é, temos pautada a igualdade horizontal: onde pessoas com a mesma capacidade contributiva pagarão um mesmo impostos, e temos pautada também a igualdade vertical: pessoas com diferentes capacidades contributivas pagarão diferentes impostos, na medida da proporção pela diferença entre os vários patamares da capacidade contributiva, defendendo Casalta Nabais a aplicação de taxas proporcionais para esse efeito. É a capacidade contributiva que serve de pressuposto e de critério da tributação.Enquanto pressuposto cumpre a finalidade ao aferir do objeto do imposto, do “bem fiscal”, excluindo o mínimo de existência e o máximo confiscatório. Enquanto critério, nos impostos fiscais, não há outro critério que possa ser usado senão este da capacidade contributiva. Quer isto dizer que quando os impostos seguem fins meramente fiscais – impostos fiscais vs. extrafiscais – então só este critério serve os propósitos. Nos impostos sobre o rendimento o princípio da capacidade contributiva manifesta-se através de um conceito mais amplo de rendimento, ou seja do rendimento-acréscimo (ou rendimento de mercado), através de um princípio de rendimento líquido (e não ilíquido ou bruto) daí que se devam fazer deduções específicas e abatimentos a fim de se obter o rendimento coletável em termos líquidos, mas ainda de um critério do rendimento disponível pelo qual se respeita o mínimo de existência individual assim como o mínimo de existência conjugal ou familiar. Esta ideia está traduzida tanto no art.104o/1 CRP como no art.6o/1 LGT como no art.4/1 LGT.


Alexandre, viuvo, de 55 anos, tem um filho de 10 anos, residindo em Braga.

É sócio da BragoPrédio LDA, detendo uma quota de 50%, que adquiriu em 2010 por 100.000 euros, sendo um dos 3 gerentes da sociedade. Em 2019, como gerente, auferiu uma remuneração mensal de 2.000€. Em 2018, a sociedade gerou um lucro de 200.000 euros. Tendo em Março de 2019, sido deliberada a distribuição de uma parte, cabendo a Alexandre 40.000. Alexandre é proprietário de vários imóveis, mantendo alguns arrendados: a Bartolo, um apartamento, onde este reside com a sua família, pela renda mensal de 500 euros, à “Rolamentos Braga S.A”, um armazém, pela renda mensal de 1000 euros. No apartamento teve de realizar obras de canalização no valor de 8000 euros. Por esses, imóveis, paga, respetivamente, 200€ e 500€ de IMI.  Em Dezembro, o seu filho tendo facturado o fémur a jogar futebol, foi submetido a uma intervenção cirúrgica num hospital privado, cujo valor ascendeu a 3500€

  1. A incidência real e pessoal para efeitos do IRS e a relevância de cada uma das despesas ou encargos referidos no enunciado.

Nos termos do artigo 13/1 CIRS  são sujeitos passivos as pessoas singulares  e , por outro lado, as pessoas singulares não residentes mas que obtenham rendimentos em Portugal. De acordo com o artigo  16/1/A Alexandre é residente em Portugal (critério da permanência) pelo que será tributado pela totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora do território nacional (segundo o principio da universalidade ou rendimento nacional, como se retira do artigo 15/1 CIRS). Há agregado familiar, pois, apesar de Alexandre ser viúvo tem um filho, sendo este seu dependente segundo o disposto no artigo 13o/5 a) do  CIRS. No caso de opção pela tributação conjunta, o imposto é devido pela soma dos rendimentos das pessoas que constituem o agregado familiar. Pode haver opção pela tributação conjunta, somando-se, para o efeito, os rendimentos dos sujeitos que, segundo o art.13o/4 CIRS, integram o agregado familiar, de acordo com o art.13o/3 CIRS e serão tidos como os sujeitos passivos do IRS membros daquele agregado a quem incumba a sua direção. Os arts. 2 a 11 CIRS estipulam qual a matéria em que recairá o imposto, ou seja, estipula o art.1o CIRS o elenco das categorias de rendimentos

Com efeito, Alexandre aufere rendimentos mensais 2.000€ por ser gerente enquadramos este rendimento na categoria A que se refere os rendimentos do trabalho dependente. Pela distribuição do lucro da sociedade de que é sócio e da qual irá receber dividendos vai ser tributado por rendimentos de capitais - categoria E, prevista no artigo 1/1 CIRS e detalhado nos artigos 5 e 6 CIRS;


Do rendimento decorrente do contrato de arrendamento sobre os dois imóveis enquadra-se na categoria F,  prevista também no artigo 1/1 e detalhada no artigo 8 CIRS. Aferida a incidência pessoal e a real temos agora de proceder à determinação da matéria coletável. Estas deduções específicas estão previstas nos arts.25 a 54 CIRS e destinam-se a cada uma das categorias, ou seja, quer isto dizer que se deve subsumir cada um dos rendimentos, isolada e individualmente, naquelas normas e deduzir a taxa ou o valor que lá nos é apresentada.

Relativamente as despesas referidas no enunciado, nomeadamente, a canalização no imóvel cujo valor foi de 8000€ e no IMI que teve um custo total de 700€.  Nas deduções específicas da categoria F a regra geral é a da dedução de todos os gastos que hajam sido efetivamente suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir esses rendimentos desta categoria, com exceção para os gastos de natureza financeira, como juros e afins, dos gastos relativos a depreciações e dos gastos relativos a mobiliário, eletrodomésticos e bens de conforto ou decoração, assim como o gasto com o adicional ao IMI (art.41/1 CIRS). Quanto à cirurgia do seu filho no valor de 3500€ é relevante para que depois de termos apurado a coleta do IRS procedermos às deduções à coleta constantes no artigos 77 a 87 CIRS. Com efeito, as despesas que o Alexandre teve com a cirurgia do filho serão deduzidas como despesas gerais familiares, nos termos do artigo 78-B.

  1. As regras aplicáveis para a determinação do rendimento coletável de Alexandre evidenciando a regra do engodamento e as suas excepções

A determinação da matéria coletável comporta os seguintes momentos:

Em primeiro lugar, é preciso fazer o apuramento do rendimento líquido de cada categoria através da subtração ao rendimento bruto de cada categoria das deduções específicas (despesas necessárias à obtenção do respetivo rendimento) dessa mesma categoria. Alexandre recebe 2000€ por mês (24000€ anuais) como gerente (Categoria A) logo, relativamente ao trabalho dependente terá uma dedução de 4104€ (25/1 a) CIRS); quanto ao lucro de 40.000€ em Março (Categoria E) não há lugar a qualquer dedução específica (40o e 40- A CIRS); quanto ao arrendamento de imóveis (Categoria F) há lugar a dedução relativamente a cada prédio ou parte de prédio e reporta-se a todos os gastos suportados e pagos pelo sujeito passivo para obter ou garantir esses rendimentos.Feitas as deduções e abatimentos alcançamos aquilo que, a priori, importa para efeitos de rendimento coletável: o rendimento líquido (cfr.art.22o/1 CIRS).


Seguido disto, importa aferir da regra do englobamento, no qual o sujeito passivo deve somar todos os rendimentos líquidos das várias categorias salvando as exceções que o art.22o/3 CIRS estipula, ou seja, quando o sujeito passivo seja não residente, conforme aferimos em momento de incidência pessoal, (art.22o/3/a) CIRS) ou, sendo residente, quando os rendimentos se enquadrem nas exceções do art.71 e 72o CIRS, rendimentos aos quais já não se aplica a regra do englobamento – já não se somam aos demais – e que se aplicam uma taxa proporcional, seja ela liberatória seja ela autónoma, que por norma é de 28% (cfr.art.71/1 e 72o/1 CIRS).

Mas, e ainda, pode o sujeito passivo que tenha um rendimento enquadrado em algum destes rendimentos excecionais optar, caso assim o pretenda, pela regra do englobamento, conforme nos diz o art.22o/2/b)/parte final, mas ainda nos termos dos arts.71o/8 e 9 e 72o/12 CIRS. Quer isto dizer que, apesar da lei estipular que aqueles rendimentos não devem ser englobados com os demais e deve ser-lhes aplicada a taxa especial daqueles artigos, o sujeito passivo pode contornar esta regra e ir, na mesma, para a regra do englobamento, acabando por somar estes rendimentos aos outros, que por aquele motivo não seriam englobados.

Aplicada a regra do englobamento, então ao rendimento coletável aplicam-se as taxas gerais do art.68o CIRS, taxas estas de caráter progressivo por escalões e não por classes. Aos rendimentos que não foram englobados aplicam-se – por enquanto – apenas as taxas especiais - artigo 71 e 72. As taxas dispostas nos artigos 71 (taxas liberatórias) dizem respeito a rendimentos em que o IRS é liquidado e cobrado por retenção na fonte a título definitivo, enquanto que as do 72 (taxas especiais) respeitam a rendimentos que não têm lugar a retenção na fonte. Na sequência é necessário deduzir algumas perdas.  Como diz o Prof. Casalta Nabais,  a comunicablidade das perdas para anos futuros só se verifica dentro de cada categoria, e nunca para fora. Nesta sequência, havendo perdas em certas categorias a lei permite que estas sejam reportadas para anos seguintes, ou seja o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria, após as operações de apuramento do rendimento líquido, é dedutível nos resultados líquidos positivos da mesma categoria nos anos seguintes, nos termos do art.55o/1 CIRS.  Temos assim a coleta, sendo que nesta fase teremos que fazer as chamadas deduções à coleta, que segundo o disposto no artigo 78o/1 c) do CIRS abrangem as despesas de saúde e com seguros de saúde (intervenção cirúrgica do filho). Ficamos com o valor da coleta líquida e fazemos as respetivas retenções na fonte. Finalmente, temos o valor do imposto a pagar


  1. Identifique quais os rendimentos sujeitos à retenção na fonte e a sua natureza. Suponha que numa das situações à sua escolha a retenção na fonte não foi efetuada. Aprecie a responsabilidade pelo imposto não entregue ao Estado

Liquidado o imposto, segue-se a sua cobrança ou pagamento. Sendo assim, este será pago através de retenção na fonte ou por pagamentos por conta.

Assim, é objeto de retenção na fonte, o IRS devido pelos rendimentos do trabalho dependente (com algumas exceções) e das pensões (com exceção das de alimentos) bem como os rendimentos das outras categorias nos termos dos artigos 98o a 101o. São sujeitos a retenção na fonte os rendimentos da categoria E ( artigo 71/1/a ), à taxa liberatória de 28% ;os rendimentos da Categoria A (artigo 99/1/a ) e da Categoria F à taxa de 25%(101o/1 e) CIRS).

A lei prevê a dispensa de retenção na fonte por rendimentos das categorias B e F num limite de 10.000€, o que acontece em relação à F (18700€).As entidades devedoras são obrigadas, no ato do pagamento, do vencimento, ainda que presumido, da sua colocação à disposição, da sua liquidação ou do apuramento do respetivo quantitativo, consoante os casos, a deduzir-lhes as importâncias correspondentes à aplicação das taxas neles previstas por conta do imposto respeitante ao ano em que esses atos ocorrem (98o/1 CIRS). Colocando em hipótese que a retenção na fonte não foi efetuada em relação aos rendimentos da Categoria A, há lugar à substituição tributária segundo o disposto no artigo 20o da LGT, sendo que esta se verifica sempre que, por imposição legal, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte. Esta é efetivada através do mecanismo de retenção na fonte e é também ao substituto tributário que são aplicáveis as penalizações devidas pela falta de retenção que deva ser efetuada nos termos da lei. O legislador entende que a retenção na fonte não abrange apenas a verdadeira retenção na fonte mas também os pagamentos por conta, ou seja, integra nos pagamentos por conta não só as entregas pecuniárias efetuadas pelo próprio contribuinte mas sim por terceiros

O disposto no artigo 28o/2 LGT refere isso mesmo: “Quando a retenção tiver a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, cabe ao substituído a responsabilidade originária pelo imposto não retido e ao substituto a responsabilidade subsidiária, ficando este ainda sujeito aos juros compensatórios devidos desde o termo do prazo de entrega até ao termo do prazo para apresentação da declaração pelo responsável originário ou até à data da entrega do imposto retido, se anterior."

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