Trabalho e Sociedade: Uma Análise Profunda das Transformações

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Trabalho e Sociedade:

Pode-se dizer que o trabalho existe para satisfazer as necessidades humanas, desde as mais simples, como as de alimento, vestimenta e abrigo, até as mais complexas, como as de lazer, crença e fantasia. No entanto, essa atividade humana nem sempre teve o mesmo significado, a mesma organização e o mesmo valor.

O Trabalho nas Diferentes Sociedades:

Em nossa sociedade, a produção de cada objeto envolve uma complexa rede de trabalho e de trabalhadores. Essa complexidade das tarefas relacionadas à produção é uma característica da nossa sociedade. Outros tipos de sociedade, do presente e do passado, apresentam características bem diversas.

A Produção nas Sociedades Tribais:

As sociedades tribais diferenciam-se umas das outras em muitos aspectos, mas pode-se dizer, em termos gerais, que não são estruturadas pela atividade que em nossa sociedade denominamos trabalho. Nelas todos fazem quase tudo e as atividades relacionadas à obtenção do que as pessoas necessitam para se manter - caça, coleta, agricultura e criação - estão associadas aos ritos e mitos, ao sistema de parentesco, às festas e às artes, integrando-se, portanto, a todas as esferas da vida social. A organização dessas atividades caracteriza-se pela divisão das tarefas por sexo e por idade. Os equipamentos e instrumentos utilizados, comumente vistos pelo olhar estrangeiro como muito simples e rudimentares, são eficazes para realizar tais tarefas. Guiados por esse olhar, vários analistas, durante muito tempo, classificaram as sociedades tribais como de economia de subsistência e de técnica rudimentar, passando a ideia de que elas viveriam em estado de pobreza, o que é um preconceito. Se hoje muitas delas dispõem de áreas restritas, enfrentando difíceis condições de vida, em geral, antes do contato com o chamado 'mundo civilizado', a maioria vivia em áreas abundantes em caça, pesca e alimentos de vários tipos. O fato de se dedicar menos tempo a essas tarefas não significava, no entanto, ter uma vida de privações. Ao contrário, as sociedades tribais viviam muito bem alimentadas, e isso fica comprovado em relatos que sempre demonstram a vitalidade de todos os seus membros. É claro que tais relatos referem-se à experiência de povos que viviam antes do contato com o 'mundo civilizado'. A explicação para o fato de os povos tribais trabalharem muito menos do que nós está no modo como se relacionam com a natureza, também diferente do nosso. Por um lado, para eles, a terra é o espaço em que vivem e tem valor cultural, pois dá aos humanos seus frutos: a floresta presenteia os caçadores com os animais de que necessitam para a sobrevivência e os rios oferecem os peixes que ajudam na alimentação. Tudo isso é um presente da 'mãe natureza'. Por outro lado, os povos tribais têm uma profunda intimidade com o meio em que vivem. Conhecem os animais e as plantas, a forma como crescem e se reproduzem, o que é bom e o que é ruim para comer e quando podem utilizar certas plantas e determinados animais para alimentação, para a cura de seus males ou para seus ritos. Integradas ao meio ambiente e a todas as demais atividades, as tarefas relacionadas à produção não compõem, assim, uma esfera específica da vida, ou seja, não há um 'mundo do trabalho' nas sociedades tribais.

As Bases do Trabalho na Sociedade Moderna:

Com o fim do período medieval e a emergência do mercantilismo e do capitalismo, o trabalho 'mudou de figura'. Se antes ele era visto como uma atividade penosa e torturante, passou aos poucos a ser considerado algo positivo. Isso aconteceu porque, não sendo mais possível contar com o serviço compulsório, foi preciso convencer as pessoas de que trabalhar para os outros era bom; dizia-se que só assim todos sairiam beneficiados. Para mudar a concepção de trabalho - de atividade vil para atividade que dignifica o homem - algumas instituições deram sua colaboração. Algumas mudanças ocorreram na estrutura do trabalho. Primeiro casa e local de trabalho foram separados; depois, separaram o trabalhador de seus instrumentos; por fim, tiraram dele a possibilidade de conseguir a própria matéria-prima. Tudo passou a ser dos comerciantes e industriais que haviam acumulado riquezas. Eles financiavam, organizavam e coordenavam a produção de mercadorias, definiam o que produzir e em que quantidade. Afinal, o dinheiro era deles. Essa transformação aconteceu por meio de dois processos de organização do trabalho: a cooperação simples e a manufatura (ou cooperação avançada). Na cooperação simples, era mantida a hierarquia da produção artesanal entre o mestre e o aprendiz, e o artesão ainda desenvolvia, ele próprio, todo o processo produtivo, do molde ao acabamento. A diferença é que ele estava a serviço de quem lhe financiava não só a matéria-prima, como até mesmo alguns instrumentos de trabalho, e também definia o local e as horas a ser trabalhadas. Esse tipo de organização do trabalho abriu caminho para novas formas de produção, que começaram a se definir como trabalho coletivo. No processo de manufatura (ou cooperação avançada), o trabalhador até continuava a ser artesão, mas não fazia tudo, do começo ao fim. A manufatura foi o segundo passo para o surgimento do trabalhador coletivo, ou seja, o artesão tornou-se um trabalhador sem entendimento da totalidade do processo de trabalho e perdeu também seu controle. O produto tornou-se resultado das atividades de muitos trabalhadores. E o trabalho, por sua vez, se transformou em mercadoria que podia ser vendida e comprada, como qualquer outra. Surgiu, então, uma terceira forma de trabalho: a maquinofatura. Com ela, o espaço de trabalho, definitivamente, passou a ser a fábrica, pois era lá que estavam as máquinas que 'comandavam' o processo de produção. Todo o conhecimento que o trabalhador usava para produzir suas peças foi dispensado, ou seja, sua destreza manual foi substituída pela máquina. Com esse processo ocorreu o convencimento do trabalhador de que a situação presente era melhor do que a anterior. Diversos setores da sociedade (Igrejas, governantes, empresários, escolas) colaboraram para essa mudança. Na vida real, a história era bem outra. O trabalhador estava livre, quer dizer, não era mais escravo nem servo, mas trabalhava mais horas do que antes. Max Weber, em seu livro História econômica, publicado em 1923, afirma que isso era necessário para que o capitalismo existisse. O trabalhador era livre apenas legalmente porque, na realidade, via-se forçado, pela necessidade e para não passar fome, a fazer o que lhe impunham. Ainda assim, não foi fácil submeter o trabalhador às longas jornadas e aos rígidos horários, pois a maioria não estava acostumada a isso. A maior parte da população que foi para as cidades trabalhava anteriormente no campo, onde o único 'patrão' era o ritmo da natureza, que definia quanto e quando trabalhar. Além disso, o mesmo indivíduo fazia várias coisas, não era um operário especializado em uma só tarefa.

O Trabalho na Sociedade Moderna Capitalista:

A crescente divisão do trabalho é uma das características das sociedades modernas. Os autores clássicos Émile Durkheim e Karl Marx têm visões diferentes sobre essa questão, e o pensamento de ambos marca perspectivas de análise diversas ainda hoje.

Karl Marx e a Divisão Social do Trabalho:

Para Karl Marx, a divisão social do trabalho é realizada no processo de desenvolvimento das sociedades. Ele quer dizer que, conforme buscamos atender a nossas necessidades, estabelecemos relações de trabalho e maneiras de dividir as atividades. Com a formação das cidades, houve uma divisão entre o trabalho rural (agricultura) e o trabalho urbano (comércio e indústria). O desenvolvimento da produção e seus excedentes deram lugar a uma nova divisão entre quem administrava - o diretor ou gerente - e quem executava - o operário. Aí está a semente da divisão em classes, que existe em todas as sociedades modernas. Para Marx, portanto, a divisão social do trabalho numa sociedade gera a divisão em classes. Com o surgimento das fábricas, apareceu também o proprietário das máquinas e, consequentemente, quem pagava o salário do operador das máquinas. A mecanização revolucionou o modo de produzir mercadorias, mas também colocou o trabalhador debaixo de suas ordens. Ele começou a servir à máquina, pois o trabalho passou a ser feito somente com ela. E não era preciso ter muitos conhecimentos; bastava saber operá-la. Sendo um operador de máquinas eficiente, o trabalhador seria bom e produtivo. Subordinado à máquina e ao proprietário dela, o trabalhador só tem, segundo Marx, sua força de trabalho para vender, mas, se não vendê-la, o empresário também não terá quem opere as máquinas. É o que Marx chama de relação entre dois iguais. Ou seja, uma relação entre proprietários de mercadorias, mediante a compra e a venda da força de trabalho. Ao assinar o contrato, o trabalhador aceita trabalhar, por exemplo, oito horas diárias, ou quarenta horas semanais, por determinado salário. O capitalista passa, a partir daí, a ter o direito de utilizar essa força de trabalho no interior da fábrica. O que ocorre, na realidade, é que o trabalhador, em quatro ou cinco horas de trabalho diárias, por exemplo, já produz o referente ao valor de seu salário total; as horas restantes são apropriadas pelo capitalista. Isso significa que, diariamente, o empregado trabalha três a quatro horas para o dono da empresa, sem receber pelo que produz. O que se produz nessas horas a mais é o que Marx chama de mais-valia. As horas trabalhadas e não pagas, acumuladas e reaplicadas no processo produtivo, vão fazer com que o capitalista enriqueça rapidamente. E assim, todos os dias, isso acontece nos mais variados pontos do mundo: uma parcela significativa do valor-trabalho produzido pelos trabalhadores é apropriada pelos capitalistas. Esse processo chama-se acumulação de capital. Para obter mais lucros, os capitalistas aumentam as horas de trabalho, gerando a mais-valia absoluta, ou, então, passam a utilizar equipamentos e diversas tecnologias para tornar o trabalho mais produtivo, decorrendo daí a mais-valia relativa, ou seja, mais produção e aumento de mais-valia com o mesmo número de trabalhadores (ou até menos), cujos salários continuam sendo os mesmos. Os conflitos entre os capitalistas e os operários aparecem a partir do momento em que estes percebem que trabalham muito e estão cada dia mais miseráveis. Assim, vários tipos de enfrentamento ocorreram ao longo do desenvolvimento do capitalismo, desde o movimento dos destruidores de máquinas no início do século XIX (ludismo) até as greves registradas durante todo o século XX.

Émile Durkheim e a Coesão Social:

Émile Durkheim analisa as relações de trabalho na sociedade moderna de forma diferente da de Marx. Em seu livro 'Da Divisão do Trabalho Social', escrito no final do século XIX, procura demonstrar que a crescente especialização do trabalho promovida pela produção industrial moderna trouxe uma forma superior de solidariedade, e não de conflito. Para Durkheim, há duas formas de solidariedade: a mecânica e a orgânica. A solidariedade mecânica é mais comum nas sociedades menos complexas, nas quais cada um sabe fazer quase todas as coisas de que necessita para viver. Nesse caso, o que une as pessoas não é o fato de uma depender do trabalho da outra, mas a aceitação de um conjunto de crenças, tradições e costumes comuns. Já a solidariedade orgânica é fruto da diversidade entre os indivíduos, e não da identidade nas crenças e ações. O que os une é a interdependência das funções sociais, ou seja, a necessidade que uma pessoa tem da outra, em virtude da divisão do trabalho social existente na sociedade. Com base nessa visão, na sociedade moderna, a coesão social seria dada pela divisão crescente do trabalho. Durkheim afirma que a interdependência provocada pela crescente divisão do trabalho cria solidariedade, pois faz a sociedade funcionar e lhe dá coesão. Segundo esse autor, toda a ebulição no final do século XIX, resultante da relação entre o capital e o trabalho, não passava de uma questão moral. O que fez surgir tantos conflitos foi a falta de instituições e normas integradoras (anomia) que permitissem que a solidariedade dos diversos setores da sociedade, nascida da divisão do trabalho, se expressasse e, assim, pusesse fim aos conflitos. Para Durkheim, se a divisão do trabalho não produz a solidariedade, é porque as relações entre os diversos setores da sociedade não são regulamentadas pelas instituições existentes. As duas diferentes formas de analisar as relações na sociedade moderna e capitalista, apresentadas por Marx e Durkheim, acabaram influenciando outras ideias no século XX, mesmo quando a situação do trabalho parecia ter mudado.

As Transformações Recentes no Mundo do Trabalho:

Novas transformações aconteceram na sociedade capitalista, principalmente depois da década de 1970, e todas elas têm a ver com a busca desenfreada por mais lucro. Como a recessão aumentou por causa da crise do petróleo, os capitalistas inventaram novas formas de elevar a produtividade do trabalho e expandir os lucros. Começaram, então, a surgir formas de flexibilização do trabalho e do mercado. Existem duas formas de flexibilização próprias desse processo que merecem ser lembradas aqui: a flexibilização dos processos de trabalho e de produção e a flexibilização e mobilidade dos mercados de trabalho.

A Sociedade Salarial Está no Fim?

:Até há pouco tempo, o trabalhador podia entrar numa empresa, trabalhar anos seguidos e aposentar-se nela. Era o chamado posto fixo de trabalho. Hoje, isso está desaparecendo, conforme explica o sociólogo francês Robert Castel, em seu livro A metamorfose da questão social: uma crônica do salário. O sociólogo mostra que, na França, essa situação está dando lugar a uma nova sociedade, na qual o trabalho e a previdência já não significam segurança, o que causa transtornos terríveis em termos sociais e individuais. Ele destaca quatro aspectos que parecem estar se generalizando no mundo:● A desestabilização dos estáveis. As pessoas que têm emprego estão sendo" invalidadas" por vários motivos. Algumas porque são conside­radas "velhas" (em torno de 50 anos); outras porque não têm formação suficiente para o que se quer; há ainda aquelas que são consideradas jovens demais para se aposentar.● A precariedade do trabalho. Há um desempre­go constante nos últimos anos, e a maioria dos trabalhadores desempregados normalmente só encontra postos de trabalho instáveis, de curta duração ou em períodos alternados.● O déficit de lugares. Não há postos de trabalho para todos, nem para os que estão envelhecendo, nem para os mais novos que procuram emprego pela primeira vez. Isso sem falar naqueles que estão desempregados há muito tempo e até participam de programas de requalificação.● A qualificação do emprego. Há tantas exigências para a formação do traba­lhador que se cria uma situação aparentemente sem solução. É o caso dos jovens, que não são contratados porque não têm experiência, mas nunca po­derão ter experiência se não forem contratados. Pessoas em torno de 20 anos ficam vagando de estágio em estágio ou de programas de estágio para outros programas. Há, ainda, jovens com boa qualificação que ocupam empregos inferiores, tirando o trabalho dos que têm pouca qualificação.Todas essas situações criam indivíduos como que estranhos à sociedade, pois não conseguem se integrar nela, desqualificando-se também do ponto de vista cívico e político. /\A QUESTÃO DO TRABALHO NO BRASIL:Quando analisamos o trabalho no Brasil, não podemos nos esquecer de que ele está ligado ao envolvimento do país na trama internacional, desde que os portugueses aqui chegaram no século XVI. Basta lembrar que a "descober­ta" do Brasil aconteceu porque havia na Europa o movimento das expansões ultramarinas, em que os europeus esquadrinhavam os oceanos em busca de novas terras para explorar e de novos produtos para incorporar ao processo de desenvolvimento mercantilista. A produção agrícola para a exportação e a presença da escravidão no Brasil também estão vinculados à vinda dos euro­peus e, é claro, todo o processo de industrialização-urbanização a partir de 1930 até hoje.No final do século XIX, com a abolição da escravidão no Brasil, encer­rou-se um período de mais de 350 anos de predomínio do trabalho escravo. /\As primeiras décadas depois da escravidão:Mesmo antes do fim da escravidão os grandes proprietários de terras, prin­cipalmente os fazendeiros paulistas, procuraram trazer imigrantes para traba­lhar em suas terras. Isso era feito com a ajuda financeira do governo da província de São Paulo, que arcava com os custos da importação e ainda subvencionava as empresas agenciadoras de mão-de-obra estrangeira.O sistema de trabalho então adotado ficou conhecido como colonato, pois as famílias que aqui chegavam assinavam um contrato nos seguintes termos: o fazendeiro adiantava uma quantia necessária ao transporte e aos gastos iniciais de instalação e sobrevivência dos colonos e de sua família. Estes, por sua vez, deviam plantar e cuidar de um número determinado de pés de café. No final da colheita, seria feita uma divisão com o proprietário. Os colonos eram obrigados a pagar juros pelo adiantamento e não podiam sair da fazenda enquanto não houvessem saldado sua dívida, o que demorava muito, uma vez que o adianta­mento era sempre maior que os lucros advindos do café. Assim se criava o que passou a ser conhecido como "parceria de endividamento", porque o colono não conseguia pagar a dívida contraída com o fazendeiro. Essa dívida, muitas vezes, passava de pai para filho, de tal modo que os filhos ficavam hipotecados desde o início do contrato.As experiências iniciais não foram bem-sucedidas, pois os colonos não aceitavam tamanha exploração e muitas vezes fugiam da fazenda ou se re­voltavam contra esse sistema. Acrescente-se a isso a pressão dos governos estrangeiros para minorar os males infligidos a seus cidadãos no Brasil. A imigração ficou estagnada até os anos 80 daquele século, quando foi retomada com novo vigor. A maioria dessas pessoas foi trabalhar no campo, mas outras se estabele­ceram nas cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, onde trabalhavam nas indústrias nascentes, no pequeno comércio e como vendedores ambulantes de todo tipo de mercadorias. As condições de vida desses trabalhadores não eram das melhores e o nível de exploração nas fábricas era muito grande, de tal ma­neira que os operários trataram de se organizar em associações e sindicatos.A partir dos primeiros anos do século XX, os trabalhadores urbanos passa­ram a reivindicar melhores condições de trabalho, diminuição da carga horária semanal, melhorias salariais e, ainda, normatização do trabalho de mulheres e crianças, que eram empregadas em grande número e ainda mais exploradas do que os homens.Diante das condições de vida e de trabalho extremamente precárias, os trabalhadores iniciaram vários movimentos, por meio dos quais pretendiam modificar essa situação. Apoiados por uma imprensa operária, que crescia rapidamente, os trabalhadores passaram a organizar movimentos grevistas, que culminaram com a maior greve até então havida no país, a de 1917, em São Paulo. Nesse período, que foi até 1930, a questão social, principalmente no que se referia aos trabalhadores, era tratada como um problema de polícia.Com o desenvolvimento industrial crescente, as preocupações com o tra­balhador rural continuaram a existir, mas a atenção maior das autoridades voltava-se para as condições do trabalhador urbano, que determinaram a ne­cessidade de uma regulamentação das atividades trabalhistas no Brasil. Isso aconteceu pela primeira vez no início da década de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder.No período de 1929 até o final da Segunda Grande Guerra - em que as exportações foram fracas e houve for­te investimento do Estado em fontes energéticas, em siderurgia e em infra-estrutura -, buscou-se uma amplia­ção do processo de industrialização no Brasil, o que significou um aumento substancial do número de trabalhado­res urbanos.Até o fim da Segunda Guerra, o Brasil continuava a ser um país em que a maioria da população vivia na zona rural. Mantinha-se, assim, uma estrutura social, econômica e política vinculada à terra. As transformações que ocorreram posteriormente muda­ram a face do país, mas o passado continua influindo, principalmente nas concepções de trabalho./\A situação do trabalho nos últimos sessenta anos:Nos últimos sessenta anos, convivemos no Brasil, simultaneamente, com várias formas de produção. Vejamos alguns exemplos da diversidade das situações de trabalho que se observam no Brasil de hoje:● Trabalhadores, indígenas ou não, que tiram seu sustento coletando alimentos na mata, conhecidos como povos da floresta.● Trabalhadores da agropecuária, compreendendo os que ainda trabalham com enxada e facão e os que utilizam máquinas e equipamentos sofisticados, como, por exemplo, as colheitadeiras, muitas delas computadorizadas.● Trabalhadores empregados em indústrias de transformação ou de produção de bens duráveis ou não duráveis, seja em grandes empresas nacionais ou internacionais, seja em pequenas fábricas "de fundo de quintal".● Trabalhadores nos setores de serviços e de comércio, que reúnem a maioria das pessoas. Há desde quem viva do comércio ambulante até quem se empregue nos grandes supermercados e shopping centers; há trabalhadores braçais, que fazem reparos em casas, e funcionários de empresas de serviços altamente informatizadas, nas quais os equipamentos eletrônicos fazem a maior parte das tarefas.● Trabalhadores administrativos, em empresas e organizações públicas e priva­das, desenvolvendo atividades das mais simples, como servir cafezinho, até as mais complexas, como gerenciar um sistema computacional.● Crianças que trabalham em muitas das atividades descritas. ● Trabalhadores submetidos à escravidão por dívida.Como já vimos, em 1945, a maior parte da população brasileira vivia na zona rural. Em 2005, a maior parte da população vivia na zona urbana. Isso significa que nesses sessenta anos houve uma transformação radical no Brasil, e ela foi feita por milhares de trabalhadores que, efetivamente, criaram condições diferentes para se realizar como cidadãos num país tão rico e tão desigual.Em 2004, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís­tica (IBGE), em torno de 15% da População Economicamente Ativa (PEA) trabalhava na indústria; dos 85% restantes, 60% a 65% dos trabalhadores estavam nos setores do comércio e de serviços e em atividades administrativas, e apenas 20% na agropecuária, na caça e na pesca. Ou seja, o processo de urba­nização, com todos os seus desdobramentos, criou uma situação completamente nova no Brasil, a tal ponto que nem a agropecuária nem a indústria são hoje os setores que mais empregam. Portanto, o perfil de trabalho no Brasil mudou muito e, com isso, as oportunidades de trabalho também.Emprego e qualificação: Ouvimos a todo o momento nas conversas informais e encontramos com freqüência nos meios de comunicação a afirmação de que só terá emprego quem tiver qualificação. A qualificação em determinados ra­mos da produção é necessária e cada dia mais exigida, mas isso somente para alguns poucos postos de trabalho. A maioria das ocupações exige somente o mínimo de informação, que normalmente o trabalhador consegue adquirir no próprio processo de trabalho.A elevação do nível de escolaridade não significa necessariamente em­prego no mesmo nível e boas condições de trabalho. Ou seja, a formação universitária, cada dia mais precária, não garante empregos àqueles que possuem diploma universitário, seja pela precária qualificação, seja porque não existe emprego para todos.Encontram-se situações exemplares nos dois pólos da qualificação:● Em muitas empresas de limpeza exige-se formação no Ensino Médio para a atividade de varrição de rua, o que demonstra que não há relação entre o que se faz e a escolarização solicitada, pois não é necessário ter nível médio para isso, mesmo que existam pessoas com até mais escolaridade que por necessidade o fazem.● Jovens doutores (que concluíram ou estão fazendo o doutorado) são despedidos ou não são contratados por universidades particulares porque recebem salá­rios maiores e as instituições não querem pagar mais. Nesse caso, não importa a melhoria da qualidade do ensino, e sim a lucratividade que as empresas educa­cionais podem obter.O trabalho informal: Há no Brasil muitos trabalhadores que desenvolvem suas atividades no chamado setor informal, o qual, em períodos de crise e recessão, cresce de modo assustador. Para ter uma idéia do que representa esse setor, vamos aos dados do IBGE. Em 2003, o instituto pesquisou 10,525 milhões de microempresas com até cinco empregados e constatou que 98% delas se enquadravam no conceito de informalidade. Dessas empresas, 7,6 milhões não tinham nenhum tipo de registro jurídico e empregavam aproximadamente 36 milhões de pessoas.O setor informal inclui também indivíduos que desenvolvem, por conta própria, atividades como o comércio ambulante, a execução de reparos ou pe­quenos consertos, a prestação de serviços pessoais (de empregadas domésticas, babás) e de serviços de entrega (de entregadores, motoboys), a coleta de materiais recicláveis, etc. A lista é enorme. E há ainda aqueles trabalhadores, normalmente mulheres, que em casa mesmo preparam pães, bolos e salgadinhos em busca de uma renda mínima para sobreviver. Todos fazem a economia funcionar, mas as condições de trabalho a que se submetem normalmente são precárias e não dão a mínima segurança e permanência na atividade./\O desemprego:Depois das grandes transformações pelas quais o Brasil passou nos últimos trinta anos, a questão do desemprego continua sendo um dos grandes proble­mas nacionais. Na agricultura houve a expansão da mecanização em todas as fases - preparo da terra, plantio e colheita -, ocasionando a expulsão de milhares de pessoas, que tomaram o rumo das cidades. Na indústria, a crescente automação das linhas de produção também colocou milhares de pessoas na rua. Para se ter uma idéia do que aconteceu nesse setor, basta dizer que, na década de 1980, para produzir 1,5 milhão de veículos, as montadoras empregavam 140 mil operários. Hoje, para produzir 3 milhões de veículos, as montadoras empregam apenas 90 mil trabalhadores. Nos serviços, principalmente no setor financeiro, a automação também desempregou outros tantos. Enfim, se a cha­mada modernização dos setores produtivos e de serviços conseguiu aumentar a riqueza nacional, não provocou o aumento da quantidade de empregos - ao contrário, a modernização tem aumentado o desemprego.Esse quadro só poderá ser mudado com mais desenvolvimento econômico, afirmam alguns; outros dizem que é impossível resolver o problema na socie­dade capitalista, pois, por natureza, no estágio em que se encontra, ela gera o desemprego, e não há como reverter isso na presente estrutura social; há ainda os que consideram o desemprego uma questão de sorte, de relações pessoais, de ganância das empresas, etc.Todas as explicações podem conter um fundo de verdade, desde que se saiba a perspectiva de quem fala. Entretanto, está faltando uma explicação, que deixará claro que o desemprego não é uma questão individual nem culpa do desemprega­do. Essa explicação está na política econômica desenvolvida no Brasil há mais de vinte anos. A inexistência de postos de trabalho, além das razões anteriormente apontadas, é o resultado de uma política monetária de juros altos e, também, de uma política fiscal que reduz os gastos públicos. Somente será possível resolver a questão do emprego e da renda no Brasil com a ampliação da presença do Estado nos mais diversos setores - educação, saúde, segurança, transporte, cultura, esporte, lazer -, o que envolverá a contratação de milhares de pessoas, além de investimentos maciços em estradas, habitação e obras públicas.Se for mantida a política econômica atual, que não permite a expansão da economia e de empregos, a situação permanecerá a mesma, tendendo a piorar para aqueles que estão perdendo o emprego ou querendo entrar no mercado de trabalho, já que não existe no Brasil um sistema eficiente de proteção e as­sistência ao trabalhador, uma estrutura que lhe dê segurança. Parece que esse será o grande desafio para este século.Apesar disso, continua a prevalecer aquele antigo discurso de que o traba­lho dignifica as pessoas. Chega-se, assim, a um paradoxo: dizem que se deve trabalhar, mas, se não há mais emprego para todos, o que se pode fazer?

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